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6 - A cruz tornada esfera

Quando um cristão medita sobre a Cruz, a condição essencial que ele deve respeitar é manter o objeto de sua meditação conforme as Escrituras e a Tradição o apresentam. A Cruz histórica é verdadeiramente um dado da Revelação. As mudanças que a imaginação poderia trazer à cena do Calvário levariam a erros na interpretação simbólica. Não há necessidade de transformar o símbolo para compreendê-lo. Pelo contrário, o mistério da Cruz revela sua substância apenas se respeitarmos suas formas materiais.

Por sua vez, R. Guénon tem diante dos olhos, para meditar, uma cruz que ele mesmo compôs. Ele não está obrigado a respeitar sua forma inicial. E como ela não está carregada de relíquias divinas, humanas e históricas, ele é obrigado a transformá-la para extrair todas as combinações e significados dos quais ela é suscetível.

Não é surpreendente que R. Guénon, como o conhecemos agora, tenha buscado o profundo significado da Cruz nas doutrinas da Índia. As três dimensões da cruz absoluta representam, segundo ele, os três Gunas hindus. Qual definição ele dá para os gunas?

O primeiro é sattwa, que denota "a conformidade com a essência pura do Ser". É a luz do conhecimento e também é a tendência ascendente.

O segundo é rajas, que denota "a expansão do ser em um estado determinado", ou seja, o desenvolvimento de suas possibilidades em certo nível de Existência. É a tendência expansiva em todo o plano horizontal. O terceiro é tamas, que denota a escuridão e a ignorância. É a raiz tenebrosa do ser considerado em seus estados inferiores. É a tendência descendente.

Em resumo: rajas representa as duas dimensões do plano horizontal; sattwa é o eixo ascendente e tamas é o eixo descendente.

R. Guénon conclui essa tripla definição escrevendo:  

"Agora podemos ver sem dificuldade a relação de tudo isso com o simbolismo da cruz, seja esse simbolismo considerado do ponto de vista puramente metafísico ou do ponto de vista cosmológico, e seja sua aplicação feita na ordem macrocósmica ou na ordem microcósmica" (Capítulo V).

Observamos imediatamente que ele se contenta em dar à cruz um significado metafísico e um significado cosmológico, mas nem sequer toca no sentido sobrenatural que os cristãos lhe reconhecem. Sua cruz, portanto, é apenas uma extensão ideal da natureza, mas não pertence à ordem da graça.

Então começa a transformação da cruz metafísica. E esta transformação é inspirada, como se poderia esperar, pelo livro sagrado do hinduísmo: o Veda. O Veda ensina que, no princípio, havia "a indiferenciação primordial". Tudo era "tamas", ou seja, escuridão. Mas então o Supremo Brahma ordenou uma mudança. E tamas assumiu a qualidade (ou seja, a natureza) de "rajas", intermediário entre a escuridão e a luz. E rajas, tendo recebido novamente uma ordem, assumiu a qualidade de "sattwa". Assim diz o livro sagrado da Índia.

Essa conversão primordial dos três gunas, R. Guénon vai representar graficamente:

"Se considerarmos a cruz tridimensional como traçada a partir do centro de uma esfera, a conversão de tamas (eixo descendente) em rajas (plano horizontal) pode ser representada como descrevendo a metade inferior da esfera, do polo ao equador. E a conversão de rajas em sattwa (eixo ascendente) como descrevendo a metade superior da esfera, do equador ao outro polo" (Capítulo V).

A cruz absoluta, portanto, se converteu em uma esfera pela rotação dos eixos. Agora, cruz e esfera estarão intimamente ligadas no simbolismo de R. Guénon, e não se saberá mais qual engendra a outra. Uma equivalência acabará sendo estabelecida entre cruz e esfera, que apresentarão, em suma, o mesmo significado simbólico.

Acabamos de criar, diante de nossos olhos, um símbolo complexo que associa a cruz e a esfera. Este símbolo terá pelo menos uma forma fixa e claramente definida? De jeito nenhum, ele permanecerá essencialmente uma noção abstrata. E nos é explicado por quê:

"Para transmitir a ideia de totalidade, a esfera deve ser, além disso, como já dissemos, indefinida, assim como são os eixos que formam a cruz e que são três diâmetros retangulares da esfera" (Capítulo VI). Portanto, vamos construir raciocínios simbólicos sobre uma figura em movimento, pois a esfera está ela mesma em constante expansão indefinida.

"A esfera, sendo constituída pelo próprio raio de seu centro, nunca se fecha, esse raio sendo indefinido e preenchendo todo o espaço por uma série de ondas concêntricas, cada uma reproduzindo as duas fases de concentração e expansão da vibração inicial" (Capítulo VI).