2 - O Sapateiro de Görlitz
No início do século XVII, na época em que Henrique IV e Luís XIII reinavam na França, foram publicadas na Alemanha as estranhas visões de Jacob Böhme, o famoso sapateiro de Görlitz, uma pequena cidade prussiana na Silésia, às margens do rio Neisse, aproximadamente equidistante de Leipzig e Breslau.
O "Philosophus teutonicus", como ele foi chamado, expõe em seus escritos os dados místicos com os quais sua natureza exaltada o agraciou. Ele mesmo os considera autênticas revelações divinas, pelo menos é isso que ele diz. Mas, do ponto de vista do cristão, elas indubitavelmente pertencem à categoria da falsa mística.
Segundo as supostas revelações de Jacob Böhme, Adão teria sido originalmente andrógino. Ele possuía, escreve ele, os dois "tintes sexuais", o que lhe conferia a "totalidade humana", ou seja, a plenitude da força orgânica, juntamente com o conhecimento das coisas ocultas. Em seguida, ele teria cometido um erro ao se deixar envolver pelo sono. A punição por esse erro foi sua separação de Eva. Devido a essa mutilação, Adão perdeu sua força física e seu conhecimento místico. Ele se tornou um animal. Por outro lado, Eva, por não ter, como tal, participado do erro de Adão, pôde desempenhar junto a ele o papel de uma companheira reparadora, representando a divina Sophia.
Portanto, para Böhme, o erro precede a separação dos gêneros, enquanto no texto do Gênesis é o oposto: o erro ocorreu quando os gêneros já estavam distintos. Também se observam muitas outras divergências. É evidente que J. Böhme utiliza a Escritura de uma maneira extremamente livre, e nos perguntamos como ele poderia acreditar na autenticidade divina de suas visões.
De qualquer forma, o andrógino faz, com ele, uma nova aparição. Mas não é mais como uma reminiscência de um mito do passado; é como uma nova e atual dada mística.
As "revelações" de J. Böhme transportam a androginia até o seio da Divindade. A escola esotérica moderna o cita com grande seriedade e o "philosophus teutonicus" é considerado um dos grandes doutores da mística universal. Mircea Eliade o menciona em seu "Méphistophélès et l’Androgyne". Ele escreve o seguinte no capítulo II (página 147):
"Para Böhme, o sono de Adão representa a primeira queda. Adão se separou do mundo divino e 'imaginou-se' submerso na Natureza, e, por esse fato, degradou-se e tornou-se terreno. A aparição dos sexos é uma consequência dessa primeira queda".
Essas mesmas ilusões de clarividência se reproduziram em muitos iluminados dessa época e se perpetuaram até os dias de hoje. Não podemos enumerar aqui toda essa floração de falsa mística. Mencionaremos apenas o caso muito típico de Emanuel Swedenborg.
Ele era filho de um bispo luterano da Suécia. Ele escreveu principalmente na segunda metade do século XVIII, ou seja, mais de um século após J. Böhme. Ele afirma ter desfrutado inúmeras visões de Deus e dos anjos e ter tido conversas intermináveis com eles. Ele publica o relato delas em muitas obras, nas quais todos aqueles que gostam do encanto onírico se regozijam: "Os Segredos Celestes", "Coisas Ouvidas e Vistas no Céu e no Inferno", "A Jerusalém Celeste", "A Ciência Angélica e o Amor Divino", "A Verdadeira Religião Cristã ou a Teologia da Nova Igreja".
Emanuel Swedenborg declara que veio trazer à terra o sentido espiritual das Escrituras até então desconhecido. Entre suas revelações, destaca-se o andrógino, e é por essa razão que o mencionamos aqui. Estamos diante de um novo andrógino, que não é mais tradicional, mas místico desta vez. J. Böhme e E. Swedenborg não herdaram a ideia androgínica de uma tradição anterior. Eles a reinventaram completamente. Ela está presente neles "em estado nativo", para usar a linguagem dos alquimistas. Eles a receberam por revelação direta. E, curiosamente, o novo andrógino "místico" coincide em todos os aspectos com o antigo andrógino "tradicional". Em suma, esses dois visionários se comportaram como os adivinhos da Antiguidade pagã quando revelavam, em nome dos deuses, ou seja, dos demônios ocultos por trás das ídolos, os mitos e as genealogias das divindades do Olimpo. Böhme, Swedenborg e todos os outros nos revelam o mesmo mito porque têm, séculos depois, os mesmos inspiradores, vindos do Poço do Abismo.