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4 - Caro de Carne Mea

Os defensores do andrógino sempre buscaram evidências de sua tese na Escritura Sagrada, tanto para sustentá-la com argumentos que não derivassem do paganismo quanto para mostrar que a Igreja era fundamentalmente andrógina, embora não a proclamasse abertamente. As palavras proferidas por Adão quando ele avistou pela primeira vez a companheira que Deus acabara de trazer a ele lhes fornecem, eles estimam, um motivo de triunfo. Vamos ver o que isso significa.

Então Adão disse:

"Esta é agora osso dos meus ossos e carne da minha carne. Ela será chamada mulher, porque do homem foi tirada" (Gên. 2:23).

"Você vê," dizem nossos oponentes, "Eva é o resultado de uma extração e de uma partilha da mesma carne; portanto, Adão era andrógino como nós afirmamos."

É fácil responder a eles. Certamente, Eva foi extraída de Adão em termos de sua substância. Mas essa extração de uma parcela de substância foi complementada por uma edificação (ædificavit), ou seja, por uma transformação, como vimos que faz parte do grande processo da Criação. Eva não pré-existia em Adão, como exigiria a tese andrógina; ela teve que ser moldada, criada. Portanto, não houve simples bipartição, simples separação de dois seres justapostos.

O sentido literal das palavras de Adão é perfeitamente compreensível sem recorrer a explicações andróginas. Por que ele lança sua famosa exclamação: "Osso dos meus ossos e carne da minha carne"? É simplesmente porque ele finalmente encontra o que procurou em vão durante o desfile dos animais. Nenhuma fêmea animal era osso dos seus ossos e carne da sua carne, e portanto nenhuma era adequada para se tornar sua "ajuda", especialmente na função procriadora.

Desta vez, ele tem diante dele uma companheira que é de sua própria espécie. Eis como L.-CI. Fillion comenta as palavras de Adão:

"O tom é todo alegre e a linguagem poética, em contraste com o desfile dos animais. Ele sabe que Eva é aliada a ele por meio de uma parentesco muito próximo e tira daí o nome genérico que ela terá".

Não há necessidade, para explicar as palavras de Adão, de imaginar uma androginia primitiva.

Então, que "nome genérico" Adão dá à sua esposa? Ele a chama de "virago", porque, diz ele, ela foi tirada do homem. "Virago", de fato, pode ser interpretado como a contração de "viri-imago", ou seja, imagem de homem. Eva é feita da substância de Adão, mas também é feita à sua imagem. Ela é seu equivalente, sua cópia e seu reflexo. Ela realiza a semelhança desejada por Deus: "Faremos uma ajuda semelhante a ele".

Em vez de "virago", uma antiga tradução latina do Gênesis trazia "vira", que é a forma feminina de "vir", reproduzindo assim a simetria que existe no texto hebraico entre "isch" (homem) e "ischah" (mulher). Uma antiga tradução francesa traduzia "vira" por hommesse, para usar, por imitação do latim e do hebraico, uma forma feminina de homem (o texto grego dos Setenta é menos claro, pois traz "andros" para homem e "guné" para mulher, mas essas duas palavras não têm semelhança entre si).

Em todas essas correspondências, "vir-vira", "vir-virago", "isch-ischah", "homem-hommesse", encontramos uma ideia de simetria, de reflexo e de imagem, mas não encontramos as noções de pré-existência e de bipartição, como seria necessário para sugerir a androginia. Mais uma vez, portanto, Eva foi tirada de um Adão-homem e não de um Adão-andrógino.