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OS DOIS MENINOS JESUS

Rudolf Steiner e seus discípulos falam de Jesus Cristo com uma grande deferência. Nunca lhes escapa uma palavra sarcástica ou mesmo apenas dubitativa. Não há dúvida de que eles pretendem pertencer ao cristianismo e se apresentar como cristãos. Lê-se frequentemente sob sua pena locuções como esta, por exemplo:

"Um precursor (São João Batista) antecipou a aparição da maior personalidade que jamais tenha tomado parte na evolução humana".

Mas não há por que se deixar enternecer por tais declarações. Elas são frequentes mesmo entre os piores inimigos da Religião. O Padre Barruel, em seu "Mémoire pour servir à l'Histoire du Jacobinisme", cita frases do mesmo estilo descobertas entre os Iluminados da Baviera:

"Ninguém abriu caminhos tão seguros para a liberdade quanto nosso Grande Jesus de Nazaré".

Os antropósofos também têm, ao menos ao ouvi-los, um grande respeito pela Escritura Sagrada, que citam de bom grado. Eis, por exemplo, um belo elogio feito por Rudolf Steiner ao Evangelho segundo São João:

"O Evangelho de São João, como os três Evangelhos que o completam, são documentos repletos de PROFUNDEZAS INFINITAS. Acabamos de estudar algumas delas. Se pudéssemos continuar, faríamos ressaltar outras. Nunca teríamos terminado de estudar esses escritos e de tirar deles tudo o que contêm. Não se atingirá verdadeiramente o fundo". ("O Evangelho de São João em suas Relações com os outros Evangelhos", p. 219)

Vamos ver agora como Steiner usa textos que ele saúda tão baixo. Não só ele escolhe as passagens que lhe convêm, ignorando totalmente aquelas que o contradiriam, mas ainda submete aquelas que conserva a uma "investigação espiritual" que as desfigura completamente. Vamos ver, por exemplo, "quais experiências prepararam a encarnação na alma de Jesus de Nazaré".

Chegou o momento, de fato, para a Entidade crística que se aproximou lentamente da Terra, de se encarnar enfim. Um "portador" lhe foi preparado, um homem no qual ela deve vir habitar e que deve ser "tomado" por ela:

"É preciso agora sobre a Terra, após esta preparação nas esferas espirituais, que um ser carnal seja TOMADO pela Entidade crística". ("O Cristo e o Mundo Espiritual" p. 66)

Vamos assistir às peripécias bizarras desta "tomada".

Aprendamos primeiramente que não há um Menino-Jesus único, mas que existem dois. Eis algo que a Igreja, naturalmente, sempre nos deixou ignorar. Steiner declara que há dois Meninos-Jesus que correspondem a cada uma das duas genealogias canônicas: a primeira sendo aquela pela qual começa o Evangelho de São Mateus e a segunda aquela que ocupa o capítulo III de São Lucas. Elas conduzem cada uma a um Menino-Jesus diferente. Eis, segundo Steiner, as características dessas duas genealogias e, portanto, de seus dois Meninos-Jesus respectivos.

A genealogia de São Mateus segue, posteriormente a Davi, a linhagem real de Salomão. É ela que transmite o corpo físico no qual se encarnará a alma, mais exatamente "o Eu", do maior dos iniciados solares, a saber, Zoroastro. É este Menino-Jesus que foge para o Egito e que, em seu retorno, se instala em Nazaré. Ele pertence, portanto, à linhagem iniciática real. Nos desenvolvimentos de Steiner, este Menino-Jesus é chamado de "JESUS DE SALOMÃO".

A genealogia de São Lucas, por sua vez, faz aparecer um personagem totalmente diferente. A partir de Davi, ela bifurca para seguir, não mais a linhagem real de Salomão, mas a linhagem sacerdotal de Natã. A criança que nasce desta segunda linhagem é penetrada, graças ao atavismo oriundo de Natã, por uma certa substância etérica. E esta substância etérica nada mais é do que a parte etérica de Adão que reaparece assim nesta criança e que fará dela o digno receptáculo de uma misteriosa incorporação. A Criança da linhagem sacerdotal descrita por São Lucas não contém o Eu de Zoroastro, mas traz a herança espiritual de Buda. Esta criança pertence à linhagem iniciática sacerdotal. Steiner lhe dá o nome de MENINO-JESUS DE NATÃ.

Entre esses dois Meninos-Jesus, tão diferentes um do outro, mas que têm a mesma idade, vai agora ocorrer uma espécie de fusão que Steiner descreve em termos particularmente vaporosos:

"O Jesus de Salomão evoluiu, até seu décimo segundo ano, como podia fazê-lo naquela época um 'Eu' de tal grandeza. Sabemos também que este Eu passou para o corpo do outro Menino-Jesus, aquele cuja personalidade se reflete no Evangelho de São Lucas e que chamamos de Menino-Jesus de Natã. É este Jesus de Natã que devemos considerar agora. Não se trata, em seu caso, de um ser humano no sentido usual da palavra, mas de um ser do qual não se pode dizer que tenha se encarnado precedentemente sobre a Terra. Este Jesus de Natã nunca tinha sido homem sobre a Terra". ("O Cristo e o Mundo Espiritual", p. 54)

Graças à sua visão clarividente, Steiner nos descreve como, na festa da Páscoa, em Jerusalém, quando as duas crianças Jesus tinham ambas 12 anos, o Eu de Zoroastro deixou o corpo do Menino-Jesus de Salomão para vir fecundar o ser predestinado que era o Menino-Jesus de Natã. Por este transplante, as duas correntes espirituais da humanidade, a corrente zoroastriana e a corrente búdica, se uniram.

Mas então o que aconteceu com o pobre Menino-Jesus de Salomão, assim esvaziado de seu "Eu zoroastriano" que ele cedeu ao seu pequeno camarada? Ele morreu?

Steiner não parece ter tido a curiosidade de pedir a solução deste enigma à sua clarividência. Ele nos diz apenas que o Menino-Jesus de Natã, a partir desta fecundação, será nomeado por ele "O MENINO-JESUS DE NAZARÉ". Não há mais, de fato, senão um único Menino-Jesus; nada impede, portanto, Steiner de retornar à terminologia clássica.

Essa duplicação dos meninos Jesus é, aliás, uma velha história. Que Steiner tenha aprofundado a ideia em sua clarividência, é mais que verossímil, já que ele fazia tudo ser controlado por sua "ciência espiritual". Mas é certo também que ele foi ajudado por suas lembranças da arte humanista. Assinalam-se, de fato, alguns raros quadros da Renascença italiana onde a Virgem Santíssima é representada rodeada por três crianças, das quais uma é, com certeza, São João Batista, sempre reconhecível, e das quais as outras duas, da mesma idade, são aparentemente gêmeas.

Esta velha lenda gnóstica, aparentada de longe ao docetismo, circulava nos meios esotéricos da Renascença. Steiner se fez eco dela, confirmado que foi por seu "olho interior".