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B. São Pedro

Vamos começar com uma acusação dirigida ao primeiro papa, São Pedro. São Pedro não foi repreendido por São Paulo por colocar em risco a sã doutrina? (Gálatas II, 11)?

Desde os primórdios do cristianismo, alguns falsos irmãos tentaram judaizar a Igreja. "Falsos irmãos se infiltraram secretamente entre nós, para espiar a liberdade que temos em Cristo Jesus e nos escravizar de novo", nos sujeitando novamente ao jugo das prescrições legais judaicas (Gálatas II, 4)_. Esses falsos irmãos exigiram que os pagãos convertidos ao cristianismo também observassem as prescrições da lei do Antigo Testamento. No Concílio de Jerusalém, São Pedro disse que não era necessário impor essa observância aos pagãos. Os participantes do concílio concordaram com a opinião do primeiro papa (Atos dos Apóstolos XV, 1-29; Gálatas II, 1-6).

São Pedro deixou Jerusalém e foi para Antioquia. Ele já não observava as prescrições legais do judaísmo. No entanto, algum tempo depois, cristãos de origem judaica de Jerusalém chegaram a Antioquia, que ainda praticavam a antiga lei. Como resultado, São Pedro passou a comer com eles à maneira judaica, para não ofendê-los. Isso lhe rendeu uma repreensão por parte de São Paulo.

São Paulo mesmo relata, em sua epístola aos Gálatas, como ocorreu o incidente em Antioquia. Citamos essa epístola, acrescentando algumas explicações entre colchetes.

"Quando Cefas [São Pedro] veio a Antioquia", conta São Paulo, "eu me opus a ele em face, porque ele estava repreensível. Pois, antes que alguns homens [= cristãos de origem judaica que ainda seguiam as prescrições judaicas] do grupo de Tiago [bispo de Jerusalém] chegassem, ele comia [indiferentemente todo tipo de carne] com os gentios [convertidos]; mas, após a chegada deles, ele se retirou e se separou [desses gentios], temendo [escandalizar] os circuncisos, [para quem esse costume de comer carnes proibidas pela lei parecia um grande pecado]. E os outros judeus também dissimularam com ele, a ponto de levar até Barnabé a se deixar levar por essa dissimulação.

Mas, quando vi que não estavam agindo corretamente conforme a verdade do Evangelho, [que era ofendida por essa falsa observância das cerimônias da lei], eu disse a Cefas na frente de todos: 'Se você, sendo judeu, vive como os gentios e não conforme a lei judaica, como você pode [por seu exemplo] obrigar os gentios a judaizar? [..,] O homem não é justificado pelas obras da lei [antiga], mas somente pela fé em Jesus Cristo'" (Gálatas II, 11-16).

Vamos destacar primeiro que São Pedro não ensinou que se deveria judaizar, mas teve simplesmente um comportamento nessa direção ("não andava" segundo o Evangelho, mas não "não ensinava" segundo o Evangelho). Isso foi destacado já no século III pelo escritor eclesiástico Tertuliano (Da prescrição contra os hereges, capítulo 23): São Pedro cometeu ali "um erro de procedimento, não de doutrina".

Além disso, ele agiu assim por medo de escandalizar os cristãos de origem judaica, como prova a expressão "por medo". A palavra "dissimulação" também indica que ele não estava expressando sua verdadeira convicção, que era ortodoxa. Por fim, ao ouvir sem responder os severos reproches de São Paulo e depois mudar sua atitude, ele deu a todos uma grande lição de humildade.


Para entender bem o incidente de Antioquia, é necessário conhecer o contexto histórico e geográfico da época. Havia, de fato, uma diferença significativa entre a comunidade cristã em Jerusalém e a de Antioquia.

As prescrições da lei judaica sobre alimentos, circuncisão, ritos de purificação, etc., não eram obrigatórias para os gentios (decisão de São Pedro no Concílio de Jerusalém), e tampouco o eram para os judeus convertidos ao cristianismo.

Em Jerusalém, os cristãos de origem judaica ainda observavam as prescrições legais, enquanto em Antioquia, os cristãos de origem judaica já as haviam abandonado. Por quê? Porque em Jerusalém, todos os habitantes eram judeus, enquanto em Antioquia, a população era mista: ao ver que os cristãos gentios de Antioquia não praticavam a lei judaica, os cristãos judeus de Antioquia também acabaram por abandonar suas antigas práticas judaicas.

Para preservar a sensibilidade da comunidade cristã de Jerusalém, como observou São João Crisóstomo, "Pedro não ousava dizer claramente e abertamente aos seus discípulos que era necessário abolir completamente essas práticas. Ele temia que, se tentasse eliminar prematuramente esses hábitos, poderia ao mesmo tempo destruir neles a fé em Cristo, pois o espírito dos judeus, há muito tempo imbuído de preconceitos da sua lei, não estava preparado para ouvir tais conselhos. Portanto, São Pedro permitia que eles seguissem as tradições judaicas" (São João Crisóstomo: Comentário sobre a Epístola aos Gálatas).

Por isso, São Pedro, por consideração aos cristãos judeus da Palestina, observava as prescrições judaicas enquanto estava em Jerusalém. No entanto, ao chegar a Antioquia, ele podia viver como os gentios sem temer chocar os cristãos judeus locais, que há muito haviam abandonado a observância das leis judaicas.

Mas quando alguns cristãos judaizantes de Jerusalém chegaram a Antioquia, São Pedro mudou novamente seu comportamento e passou a observar a lei judaica para não escandalizar os recém-chegados, como explica São João Crisóstomo:

"Enquanto Pedro vivia assim [em Antioquia], alguns judeus enviados por Tiago chegaram lá, ou seja, de Jerusalém, que sempre viveram naquela cidade e nunca conheceram outro modo de vida, mantendo os preconceitos judaicos e seguindo muitas dessas práticas. Então Pedro, vendo esses discípulos que vieram de Tiago e de Jerusalém e que ainda não estavam fortalecidos na fé, temeu que, se escandalizados, rejeitassem a fé. Assim, ele mudou novamente sua conduta, cessando de viver como os gentios e retornando à sua primeira atitude de condescendência, observando as regras alimentares" (São João Crisóstomo: Homilia sobre o texto: "Eu resisti a ele em face").

No entanto, quando percebeu (graças à repreensão de São Paulo) que sua atitude condescendente em relação aos judaizantes de Jerusalém poderia prejudicar a fé dos cristãos em Antioquia, São Pedro mudou imediata e definitivamente sua postura.

Em resumo, a crítica de São Paulo foi justificada porque a atitude excessivamente condescendente de São Pedro em relação aos judaizantes de Jerusalém estava prejudicando os fiéis de Antioquia.

No entanto, é preciso mencionar em defesa de São Pedro que sua conduta foi inspirada por um motivo nobre, pois ele começou a judaizar apenas para evitar escandalizar os cristãos que chegaram de Jerusalém: "Ele temeu que, se escandalizados, rejeitassem a fé", disse São Crisóstomo. São Pedro agiu assim por caridade, e não porque ele próprio tivesse se desviado da fé!

O príncipe dos teólogos, São Tomás de Aquino, não diz outra coisa em seu comentário sobre a atitude de São Pedro em Antioquia. "Ele agia assim, 'porque temia aqueles que vinham dos circuncisos' (Gálatas II, 12), isto é, dos judeus, não por um medo humano ou mundano, MAS POR UM MEDO INSPIRADO PELA CARIDADE, ou seja, para que não fossem escandalizados, diz a Glosa. Pedro se tornou, assim, como um judeu entre os judeus, fingindo pensar como os fracos. No entanto, esse medo dele era contrário à ordem, porque nunca se deve abandonar a verdade por medo do escândalo" (São Tomás: Comentário sobre todas as epístolas de São Paulo; lição 3 sobre o capítulo II da epístola aos Gálatas).

Como conclusão, citaremos ainda São Jerônimo: "Ele se retirava e se separava, temendo os reproches dos circuncisos. Ele temia que os judeus, dos quais ele era apóstolo, se afastassem da fé de Cristo por causa dos gentios; IMITADOR DO BOM PASTOR, ele tremia em perder o rebanho confiado aos seus cuidados" (São Jerônimo: Carta endereçada a São Agostinho em 404).