B. O atentado contra o papa Bonifácio VIII
O "galicanismo" transfere o poder doutrinário e administrativo do papa para o rei. Esta heresia nasceu sob o reinado de Filipe IV, o Belo (1268 - 1314), rei da França.
Filipe, o Belo, com falta de dinheiro, decidiu confiscar injustamente certas rendas do clero. O papa Bonifácio VIII enviou-lhe vários legados para protestar. Ele mandou, notavelmente, ao rei uma carta intitulada Ausculta fili, contendo um aviso impregnado de doçura paternal. No entanto, Pierre de la Flotte, um dos próximos do rei, escondeu a carta e substituiu-a por outra, toda seca e picante, contendo exigências desmedidas. Outro conselheiro do rei, Guillaume de Nogaret, elaborou um ato de acusação contra Bonifácio VIII, considerando-o herético, portanto, deposto do pontificado. Filipe, o Belo, convocou os Estados do reino em 10 de abril de 1302. Pierre de la Flotte acusou o papa de vários crimes. "Mas sobretudo ele acusou Bonifácio de pretender que o rei lhe era submisso pelo temporal de seu reino e que devia reconhecer que o mantinha dele; como prova, Flotte apresentou a carta que ele próprio havia fabricado" (Rohrbacher, t. VIII, p. 389).
Em 1303, Bonifácio VIII se encontrava na cidade italiana de Anagni. Soldados franceses chegaram. Nogaret aproximou-se dele e ameaçou levá-lo a Lyon para ser deposto por um concílio geral. O pontífice respondeu dignamente: "Aqui está minha cabeça, aqui está meu pescoço. Estou disposto a sofrer tudo pela fé de Cristo e pela liberdade da Igreja; papa, legítimo vigário de Jesus Cristo, ver-me-ei pacientemente condenado e deposto por hereges!" (in: Rohrbacher, t. VIII, p. 396). Esta última palavra atemorizou Nogaret: seu pai havia sido queimado como albigense! Cumprindo as ordens do rei, os soldados prenderam o papa e chegaram à impudência de esbofeteá-lo. No entanto, Deus castigou muito severamente este crime de sacrilégio e lesa-majestade!
O "esbofeteamento de Anagni", ou seja, o golpe dado a Bonifácio VIII em Anagni, atraiu sobre essa cidade a ruína. O sucessor de Bonifácio VIII, São Bento XI, excomungou os autores e cúmplices do atentado. "Um fato memorável deve ser notado aqui. O anátema pronunciado pelo papa São Bento sobre a cidade de Anagni, assim como o de Davi sobre a montanha de Gelboé, foi executado pelos eventos. Esta cidade, até então muito rica e muito populosa, não parou de decair desde aquela época. Eis como fala sobre ela um viajante do século XVI, Alexandre de Bolonha: 'Anagni, cidade muito antiga, meio arruinada e desolada. Passando por lá no ano de 1526, vimos com espanto imensas ruínas, em particular as do palácio construído antigamente por Bonifácio VIII. Tendo perguntado a causa, um dos principais habitantes nos disse: "A causa é a captura do papa Bonifácio; desde esse momento, a cidade sempre esteve em decadência: a guerra, a peste, a fome, os ódios civis a reduziram ao estado calamitoso que vocês veem [...]. Por isso, não faz muito tempo, o pequeno número de cidadãos que ainda restava, tendo procurado ansiosamente qual poderia ser a causa de tantos males, reconheceram que era o crime de seus ancestrais, que haviam traído o papa Bonifácio, crime que não tinha sido expiado até então. Em consequência, eles suplicaram ao papa Clemente VII que lhes enviasse um bispo para absolvê-los do anátema incorrido por seus pais, por terem posto as mãos sobre o soberano pontífice'” (Raynald, anno 1303, no 43)" (Rohrbacher, t. VIII, p. 399).
O rei Filipe, o Belo, autor principal do crime, deixou três filhos. Eles se sucederam no trono, mas nenhum deles teve filhos. Assim se extinguiu a dinastia de Filipe, o Belo. Ela foi substituída, coisa surpreendente, pela posteridade de Carlos, conde de Valois, amigo e capitão-geral de Bonifácio VIII!
A cidade de Roma, que participou do crime, foi privada da presença de seus pontífices durante sessenta e oito anos. Após o atentado de Anagni, de fato, os papas, não se sentindo mais seguros na Itália, fixaram sua residência em Avignon (de 1309 a 1377).
A França havia participado do crime: foi punida pela Guerra dos Cem Anos (1337 - 1453): invasão pelos ingleses e guerra civil devido à cessão (inválida) do reino ao rei da Inglaterra. Deus enviou Santa Joana d'Arc para salvar a monarquia de direito divino e o pretendente legítimo ao trono, Carlos VII.
O castigo providencial da França foi reconhecido oficialmente pelo Conselho Real de Carlos VI. Em um conselho extraordinário de regência, começou-se a buscar a causa dos males do país. Um dos presentes disse "que ele havia visto várias histórias e que todas as vezes que os papas e os reis da França tinham estado unidos em boa amizade, o reino da França tinha estado em boa prosperidade; e ele suspeitava que as excomunhões e maldições que o papa Bonifácio VIII fez sobre Filipe, o Belo, até a quinta geração, fossem a causa dos males e calamidades que se viam. Essa coisa foi muito ponderada e considerada por aqueles da assembleia" (Crônica de Carlos VI, escrita por Monsenhor Juvenal des Ursins, durante a vida de seu pai Jean des Ursins, advogado do rei no parlamento que havia participado da reunião; Monsenhor Juvenal des Ursins, arcebispo de Reims, desempenhou um papel importante no processo de reabilitação de Joana d'Arc; encontramos esta citação na obra notável do abade Marie Léon Vial: Jeanne d'Arc et la monarchie, 1910, p. 121).
Deus enviou Santa Joana d'Arc para salvar a monarquia, como dissemos. Mas há um outro aspecto de sua missão que merece ser meditado: sua luta pela infalibilidade e autoridade do pontífice romano. Também é digno de atenção que os mesmos juízes iníquos que condenaram a santa eram os piores inimigos do papa reinante e chegaram a depô-lo (invalidamente, claro) por (suposto) crime de heresia e cisma. Este aspecto desconhecido da história de Santa Joana d'Arc merece uma reflexão mais atenta.