Ausência de Papa
Desde a morte de Pio XII, não há mais um papa. Este fato não é de modo algum incompatível com a noção de "visibilidade" da Igreja, pois o Trono Pontifício e a Igreja Católica podem subsistir temporariamente sem um papa. A Igreja visível às vezes possui um papa, às vezes está sem papa. A vacância do Trono Apostólico é um fenômeno completamente normal, que ocorreu mais de 250 vezes na história da Igreja. A cada morte de um papa, o Trono Apostólico permanece vago por alguns meses, às vezes anos. Se a vacância do Trono Apostólico fosse contrária à visibilidade da Igreja, a Igreja teria desaparecido e ressuscitado mais de 250 vezes desde sua fundação! Quem defenderia tal absurdo?
A Igreja Católica e o Trono Apostólico são pessoas jurídicas (cânone 100). Uma pessoa jurídica de direito eclesiástico é de natureza perpétua (cânone 102). Por ser de natureza perpétua, a Igreja Católica não pode desaparecer, mesmo que temporariamente privada de um papa.
"Mesmo que vários meses ou anos se passem sem eleger um novo papa, ou mesmo que antipapas surjam, como aconteceu algumas vezes, o intervalo não destruirá de forma alguma a sucessão, porque então o clero e o corpo dos bispos sempre subsistem na Igreja com a intenção de eleger um sucessor para o papa falecido assim que as circunstâncias o permitirem" (Padre Barbier: Les trésors de Cornelius a Lapide..., Paris 1856, l. J, p. 724 - 725).
São Pio X previu a possibilidade de vacância do Trono, e previu tão bem que promulgou um regulamento completo para essa situação (constituição Vacante Sede Apostolica, 25 de dezembro de 1904). Além disso, ele até criou um cânone específico para essa circunstância. "Com o Trono Apostólico vago, o sagrado colégio dos cardeais e a cúria romana não têm outro poder além do definido na constituição Vacante Sede Apostolica de 25 de dezembro de 1904 de Pio X" (cânone 241).
Certamente! Aqui está a tradução para o português:
"Este santo pontífice até previu que a Sé Apostólica possa ser ocupada por um usurpador! Eis o que ele decretou a esse respeito: 'Quando um cargo eclesiástico está vago de direito, mas ainda ocupado ilegitimamente, pode ser conferido a outro, desde que, segundo o costume dos santos cânones, sua ocupação seja declarada ilegítima; e essa declaração deve ser mencionada no ato da nomeação' (cânone 151).
Outro santo Papa que se preocupou com a vacância da Sé Apostólica foi São Pio V. Este Papa também considerou não ser de modo algum impossível que a Sé se torne um dia vaga. Ele também regulou essa eventualidade, não administrativamente, mas liturgicamente. No missal do altar, no início, estão as instruções sobre como celebrar a missa. É bem especificado que - devemos dizer? ORDENADO! - em caso de vacância da Sé Apostólica, o celebrante deve omitir a menção do Papa no cânone da missa ('Una cum famulo tuo papa nostro N.'). 'Onde se diz "em união com vosso servo nosso Papa N.", expressa-se o nome do Papa; por outro lado, quando a Sé Apostólica está vaga, as palavras acima mencionadas são omitidas' (São Pio V: Missale Romanum; "Ritus servandus in celebratione Missae", capítulo 7, § 2). O padre deve retomar o texto a partir de "e de todos os ortodoxos,,27".
O célebre liturgista Dom Prosper Guéranger (Explicação das orações e cerimônias da missa, reedição 27 São Pio V prescreve que se ore assim: "Te igitur, clementíssimo Pai, por Jesus Cristo, teu Filho, nosso Senhor, suplicantes rogamos e pedimos que aceites e abençoes estes + dons, estes + presentes, estes + santos sacrifícios imaculados. Em primeiro lugar, os que te oferecemos pela tua santa Igreja católica: que dignes pacificar, guardar, unir e governar em todo o mundo, e por todos os ortodoxos, cultores da fé católica e apostólica. Lembra-te, Senhor... etc Bruxelas 1986, p. 106) comenta: 'Se a Sé Apostólica estivesse vaga, essa menção seria omitida'."
"O mesmo autor tem palavras reconfortantes para os cristãos que vivem durante a vacância da Sé Apostólica: 'Que um Decius, com suas violências, provoque uma vacância de quatro anos no Trono de Roma; que se levantem antipapas apoiados uns pela popularidade, outros pela política dos príncipes; que um longo cisma torne duvidosa a legitimidade de vários pontífices; o Espírito Santo permitirá que o teste se desenrole, fortalecerá, durante sua duração, a fé de seus fiéis; finalmente, no momento marcado, ele produzirá seu eleito, e toda a Igreja o receberá com aclamação' (Dom Guéranger: L’année liturgique, quarta-feira de Pentecostes).
Lucius Lector (Le conclave, Paris s.d., publicado sob Leão XIII) escreveu nada menos que 784 páginas sobre as leis e cerimônias que regem os conclaves e a vacância da Sé Apostólica. V. Martin escreveu um livro sobre a vacância (Les cardinaux et la curie, Tribunaux et offices, la vacance du Siège apostolique, Paris 1930). Charles Pichon publicou Le pape, le conclave, l’élection et les cardinaux (Paris 1955). Se esses livros foram escritos, é uma prova de que a existência de uma vacância da Sé Apostólica é teologicamente possível!
A vida da Igreja visível continua, mesmo quando privada de um papa. Houve até consagrações de bispos durante a vacância da Sé Apostólica.
E o Papa Paulo IV especifica que essa vacância pode durar muito tempo. Se um usurpador fosse eleito ilegitimamente, a Sé estaria vacante, 'e isso, independentemente da duração dessa situação' (Cum ex apostolatus, § 6).
Que a privação de um papa dure anos, até décadas, é certamente lamentável, mas de modo algum impossível. Vacância (25 de outubro de 304 - 27 de maio de 308) entre São Marcelino e São Marcelo I: três anos e sete meses. Vacância (29 de novembro de 1268 - 1º de setembro de 1271) entre Clemente IV e São Gregório X: dois anos e nove meses. Vacância (1º de abril de 1292 - 5 de julho de 1294) entre Nicolau IV e São Celestino V: dois anos e três meses. Papas duvidosos (portanto, inválidos) durante o Grande Cisma do Ocidente (1378 - 1417): trinta e nove anos (se adicionarmos a linha cismática dos antipapas do Concílio de Basileia, chegaríamos a setenta anos!).
CONCLUSÃO DO DÉCIMO SEGUNDO CAPÍTULO: Segundo os cânones 100 e 102, a Igreja subsiste perpetuamente. Em caso de vacância da Sé Apostólica, ela é governada pelo cânone 241. A vacância da Sé Apostólica é um fenômeno doloroso, porém não incompatível com a noção de 'visibilidade' da Igreja.
A visibilidade da Igreja compreende quatro características distintas, que serão delineadas no próximo capítulo."