A. A prefiguração da infalibilidade pontifical pela cátedra de Moisés
Para começar, é importante distinguir entre "infaillibilidade" e "impecabilidade"[1].
Os doutores da antiga Sinagoga eram, certamente, corrompidos, mas ainda assim infaillíveis. Assim como houve prefigurações de Cristo no Antigo Testamento, também houve uma prefiguração da infalibilidade pontifical. A cátedra de Pedro é, de fato, prefigurada pela "cátedra de Moisés".
A "cátedra de Moisés" na antiga Sinagoga era infalível. Quando uma questão religiosa ou moral era disputada ou não claramente entendida, os judeus tinham que submeter suas controvérsias ou dúvidas ao veredicto da cátedra de Moisés. A cátedra de Moisés era um tribunal que decidia com autoridade soberana e infalível as questões religiosas ou morais. Os escribas e fariseus sentados na cátedra de Moisés interpretavam a Lei sem a possibilidade de erro.
"Então Jesus disse à multidão e aos seus discípulos: 'Os escribas e os fariseus estão sentados na cátedra de Moisés. Observai, pois, tudo o que vos disserem, mas não imiteis suas obras, porque dizem e não fazem'" (Mateus XXIII, 2-3).
Comentário de São João Crisóstomo (Homilia 71, citada por São Tomás de Aquino em sua Cadeia de Ouro): "Para que ninguém pudesse desculpar sua negligência nas boas obras pelos vícios daquele que ensina, o Salvador destrói esse pretexto acrescentando: 'Fazei tudo o que eles vos disserem' etc.. Pois eles não ensinam sua própria doutrina, mas as verdades divinas com as quais Deus compôs a lei que deu por Moisés."
Comentário de Santo Agostinho (Contra Faustum XVI, 29): "Nestas palavras do Senhor, há duas coisas a observar. Primeiramente, a honra que Ele dá à doutrina de Moisés, na cátedra da qual até os malvados não podem sentar-se sem serem OBRIGADOS a ensinar o bem, pois os prosélitos se tornavam filhos do inferno não por ouvirem as palavras da lei da boca dos fariseus, mas por imitarem sua conduta."
Comentário de Santo Agostinho (De doctrina christiana IV, 27): "O verdadeiro e o justo podem ser pregados com um coração perverso e hipócrita. Esta cátedra, portanto, que não era deles, mas de Moisés, os FORÇAVA a ensinar o bem, mesmo quando eles não o faziam. Assim, eles seguiam suas próprias máximas em sua conduta; mas uma cátedra que lhes era estranha não lhes permitia ensiná-las [...]. São muitos aqueles que buscam a justificação de seus desvios na conduta daqueles que são encarregados de instruí-los, dizendo interiormente e às vezes até mesmo exclamando em público: 'Por que me mandas fazer o que tu não fazes?'. Assim, eles [...] desprezam tanto A PALAVRA DE DEUS quanto o pregador que a prega."
São Francisco de Sales (1576 - 1622) raciocinava da seguinte maneira: se a cátedra de Moisés já era infalível quando ensinava sobre a fé ou os costumes, com muito mais razão a cátedra de Pedro não pode errar. Este doutor da Igreja compôs um livro notável sobre a infalibilidade, onde se pode ler o seguinte: "A Igreja sempre necessita de um confirmador infalível [2] a quem possa recorrer, de um fundamento que as portas do inferno, e principalmente o erro, não possam derrubar, e que seu pastor não possa levar seus filhos ao erro: os sucessores de São Pedro têm, portanto, todos esses mesmos privilégios, que não seguem a pessoa, mas a dignidade e o cargo público."
São Bernardo (De consideratione, Livro II, cap. 8) chama o papa de outro "Moisés em autoridade": ora, quão grande foi a autoridade de Moisés, não há ninguém que desconheça, pois ele sentava-se e julgava todas as disputas que havia entre o povo e todas as dificuldades que surgiam no serviço de Deus. Assim, o supremo pastor da Igreja é para nós um juiz competente e suficiente em todas as nossas maiores dificuldades, caso contrário estaríamos em pior condição do que aquele antigo povo que tinha um tribunal ao qual podia recorrer para a resolução de suas dúvidas, especialmente em questões de religião" (São Francisco de Sales: As Controvérsias, parte III, cap. 6, art. 14, in: Obras de São Francisco de Sales, Annecy 1892, vol. 1, p. 305, ortografia modernizada por nós).
"O sumo sacerdote dos judeus usava sobre o peito um pedaço de pano quadrado chamado 'racional'. Sobre este racional estava escrito 'doutrina e verdade' (Êxodo XXVIII, 30). A razão pela qual o sumo sacerdote tinha um racional sobre o peito 'a doutrina e a verdade', era sem dúvida [...] 'a verdade do seu julgamento' (Deuteronômio XVII, 9) [...]. Rogo-vos, se na sombra havia iluminações da doutrina e perfeições da verdade no peito do sacerdote, para alimentar e fortalecer o povo, o que não terá o nosso sumo sacerdote? De nós, digo, que estamos no dia e sob o sol nascente? O sumo sacerdote antigo [...] presidia à noite, por suas iluminações, e o nosso preside ao dia, por suas instruções" (São Francisco de Sales, p. 307).
[1] Isso dito, todos os papas levaram uma vida correta, até mesmo santa. Alexandre VI Bórgia, apresentado como o papa supostamente mais depravado da história da Igreja, na realidade é inocente dos crimes que lhe são imputados. Existe um estudo magistral que reabilita completamente este grande papa, redigido por Monsenhor Peter De Roo (Material for a History of Pope Alexander VI. His Relatives and His Time, The Universal Knowledge Foundation, Nova York 1924, 5 volumes). Este estudo é definitivo, pois nunca foi refutado por ninguém desde sua publicação. Monsenhor De Roo dedica o primeiro volume à genealogia dos Bórgia para dissipar as confusões mantidas - intencionalmente ou não - pelos historiadores. Ele trabalha com documentos contemporâneos: crônicas, biografias e arquivos. Conclui-se que este papa foi vítima de sua própria generosidade. Seus inimigos políticos - as famílias rivais romanas: Orsini, Colonna, Savelli, Estouteville etc. - difamaram-no porque ele tentou conter suas ambições. Quando o cardeal Rodrigo Bórgia (futuro Alexandre VI) acolheu seus sobrinhos órfãos, espalhou-se o boato de que eram seus bastardos.
[2] O manuscrito original de São Francisco de Sales foi "corrigido" por editores galicanos hostis à papado, desejosos de anular a infalibilidade pontifical: "A Igreja sempre necessita de um confirmador infalível" tornou-se assim "...confirmador permanente"!