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O CARMELO DESCALÇO E O ESOTERISMO: PARTE 8 - O Matrimônio Divino como União Cabalística: Santa Teresa de Ávila e o Zohar

22/01/2025

Fonte: https://everything2.com/title/The+Divine+Marriage+as+Kabbalistic+Union%253A+St.Teresa+of+Avila+and+the+Zohar

"Como uma rosa entre os espinhos, assim é minha amada entre as donzelas" – Rabino Hizkiyah, citando o Cântico dos Cânticos no primeiro capítulo do Zohar.

O Castelo Interior de Teresa de Ávila, um texto clássico do misticismo cristão, foi escrito como um guia para suas irmãs carmelitas, oferecendo um caminho de purificação espiritual que culmina em uma espécie de "matrimônio", uma união com a majestade divina. A alma é imaginada como um castelo, com o matrimônio divino no centro. Os capítulos do texto são divididos em "Moradas", cada uma representando um novo estágio de evolução espiritual e um novo nível da relação entre a alma e Deus.

Passar pelo castelo é um processo de aprimoramento espiritual. Para atravessar os "muros" e chegar às "moradas interiores" do castelo, é necessário escalar as paredes e enfrentar os "animais" ferozes, que simbolizam os pecados e as distrações. À medida que se avança de morada em morada, a alma do praticante se desenvolve, gradualmente se libertando de estados mentais supérfluos e impuros, de desejos pessoais e do orgulho. O praticante embarca em um processo de transformação; como o bicho-da-seda, a alma deve ser transmutada, em termos alquímicos, de sua natureza básica e mundana para um estado puro e espiritualmente elevado. Teresa usa o bicho-da-seda como uma analogia simbólica para o praticante, construindo para si uma espécie de "abrigo" no qual suporta sua própria transmutação – no caso de Teresa, os diferentes estágios de desenvolvimento pessoal e evolução espiritual. O uso do bicho-da-seda também reflete as dificuldades inerentes ao processo de transformação espiritual: o bicho-da-seda deve morrer para que a alma pura possa surgir. Para que a alma se una a Deus no matrimônio divino, a velha alma deve morrer, a vida anterior deve ser abandonada em favor de um novo ser espiritual que emerge da "casca" da vida anterior.

O objetivo final é o matrimônio espiritual com Deus. Na sexta morada, ocorre uma espécie de "noivado", mas a alma ainda não está preparada para se abandonar completamente à vontade divina e ao êxtase do amor divino abrangente. O "eu" deve ser entregue, e a antiga vida da alma deve ser perdida, sendo substituída por uma essência espiritual purificada, preparada para abandonar as preocupações mundanas e abraçar o amor total e abrangente de Deus.

Abandonar-se à vontade divina é um componente vital do processo. É necessário, gradualmente, abandonar a percepção egocêntrica de si mesmo como alguém que pratica essas disciplinas espirituais devido à própria santidade, e aceitar a vontade divina como o único pré-requisito para o sucesso neste caminho. "Eu só os advertirei que, ao saberem ou ouvirem que Deus está concedendo essas graças às almas, nunca O roguem ou desejem que os conduza por este caminho."

O capítulo nove da sexta morada enfatiza este ponto, explicando a natureza do ceticismo em relação à própria alma: "A alma, então, sente esses anseios, lágrimas e suspiros, juntamente com os fortes impulsos que já foram descritos." Sem a vontade de Deus, esse processo é impossível; não se pode progredir nesse caminho espiritual sem ela: "…deve ficar claro que não se podem impor limites aos atos de Deus e que Ele pode elevar uma alma ao ponto mais alto…."

Analisar mais profundamente a filosofia de Teresa é enriquecido por uma breve explicação das interpretações cabalísticas e zoháricas do amor e da união divina. Embora contrastem marcadamente com o guia de Teresa para o avanço espiritual e a união divina, essas interpretações mostram a variedade de visões sobre os temas do amor divino e do matrimônio. Esses temas estão presentes não apenas na liturgia judaico-cristã, mas também nas variadas tradições esotéricas e místicas da Espanha dos séculos XIV a XVI.

A Espanha foi um centro de evolução religiosa, especialmente mística, nos anos que precederam e sucederam a vida de Teresa de Ávila. O misticismo judaico, em particular, passou por algumas de suas transformações mais notáveis e radicais, culminando na composição de um dos textos cabalísticos mais famosos e reverenciados pelos judeus: o Zohar. Surgido no século XIII, o Zohar introduziu e consolidou muitos conceitos que logo passaram a proliferar nos textos cabalísticos, especialmente a atribuição de feminilidade a aspectos do Divino (a Shechinah) e as alegorias poéticas de encontros eróticos. No misticismo espanhol, esse erotismo divino tem importância, mas é fácil exagerar as semelhanças aparentes entre as tradições.

A relação "sexual" descrita no Zohar não é meramente entre Deus e a Nação de Israel, apesar do uso de alegorias cortesãs para descrever o amor apaixonado e consumado dos judeus por Deus. Na verdade, a imagem sexual no Zohar refere-se a um ato de procriação e emanação dentro do próprio Divino. Com exceção de Moisés, que é entendido esotericamente na literatura zohárica como alguém que encerrou suas relações físicas com a esposa ao iniciar "relações" espirituais com Deus, não é a relação entre o Homem e Deus que é sexualizada, mas sim entre as "partes" (Sephirot) do Divino. Dessas interações flui a criação. Do vazio divino acima da "Coroa" emanam aspectos variados da divindade, e das "interações" desses elementos surgem novos aspectos, que finalmente se coalescem e iniciam a criação do mundo.

A imagem de Deus e da Nação (ou Assembleia) de Israel como amantes é, no entanto, muito mais antiga que o Zohar. Mais intrigante ainda é a associação clara entre a Shechinah, tradicionalmente entendida como a presença divina e feminilizada no Zohar, e a própria Nação de Israel. Independentemente do significado esotérico da imagem sexual no Zohar, as associações simbólicas de um erotismo divino entre Deus e o povo judeu devem ter feito parte da imaginação popular. A evidência mais antiga e canônica disso é o Shir Hashirim (Cântico dos Cânticos), em que a relação entre Deus e os judeus é simbolicamente representada como um diálogo entre amantes.

Embora seja improvável que Teresa tivesse acesso ao Zohar, ou sequer conhecimento dele, é difícil acreditar que essas ideias e temas esotéricos gerais não a tenham inspirado de alguma forma. O Cântico dos Cânticos também tem uma longa história no cristianismo, sendo frequentemente interpretado como a relação amorosa entre Deus e a alma. A Espanha de Teresa ainda era marcada por grandes convulsões religiosas, não apenas devido à influência óbvia da Contrarreforma e ao declínio da literatura mística judaica e muçulmana (dada a recente expulsão desses grupos), mas também pelos frequentes confrontos de Teresa com a Inquisição Espanhola, refletindo, de certa forma, as atitudes cismáticas que frequentemente acompanham o desenvolvimento de doutrinas místicas e esotéricas. Esse certamente foi o caso da Cabala Espanhola, considerada heterodoxa tanto pela Igreja quanto por algumas autoridades talmúdicas contemporâneas.

Foi durante seu período de reclusão que Teresa escreveu o Castelo Interior, um guia, ostensivamente destinado às irmãs da Ordem das Carmelitas Descalças, sobre suas práticas místicas e sua filosofia da alma. A partir do Castelo, podemos compreender profundamente sua visão sobre o estado da alma, os métodos para engajar-se em uma jornada espiritual interior em direção ao matrimônio espiritual com Deus e sua própria compreensão da relação entre Cristo e o Homem, simbolizada pelo matrimônio espiritual mencionado.

A jornada mística de Teresa, dividida em estágios progressivos, não é a união do "eu" com o "um", como muitas vezes se generaliza o misticismo, nem a dissolução do "eu", como visto no budismo. Em vez disso, é um gradual desprendimento das distrações da condição humana, que tornam o abandono apaixonado a Cristo impossível em nossas vidas diárias. Essa preocupação é tão evidente que cada morada começa com uma breve nota descrevendo o que segue e, como ocorre na Quarta Morada, ocasionalmente oferecendo orientações com base nas próprias dificuldades de Teresa: "Este capítulo é muito útil para aqueles que sofrem muito com distrações durante a oração."

Esse pragmatismo é interessante e bastante distinto da natureza especulativa e abstrata da literatura zohárica. O foco de Teresa em conselhos práticos para aqueles na meditação cristã é, nesse aspecto, um tanto budista. É um guia de meditação, elaborando os diferentes métodos de prática e elucidando os estágios. A oração ativa é o primeiro estágio do processo, descrito nas três primeiras moradas. A oração contemplativa ou mística é mais avançada e transcendente e (em mais uma semelhança budista) inicia o processo de desprendimento dos desejos da alma, removendo os obstáculos mentais para alcançar a união total com Deus.

A vontade divina, sendo um aspecto central da teologia de Teresa, é o único caminho real para alcançar a união. Todos os esforços e desejos da alma são, na melhor das hipóteses, supérfluos e, na pior, distrações que devem ser eliminadas. A vontade de Deus é totalmente abraçada, enquanto os desejos humanos são suprimidos por serem aflitivos e encorajarem uma falsa sensação de independência da vontade divina. Somente então, quando alguém se abandona completamente à vontade e ao amor de Deus, o Castelo Interior pode ser atravessado e o matrimônio divino consumado.

**REFERÊNCIAS:
**

1 Matt, Daniel C. The Zohar. Vol. 1. Stanford, CA: Stanford UP, 2004. Print. 1:1 a

2 Teresa, and E. Allison Peers. Interior Castle. Mineola, NY: Dover Publications, 2007. Print. 136

3 Teresa, 141

4 Teresa, 141

5 Scholem, Gershom. Major Trends in Jewish Mysticism. New York: Schocken, 1961

6 Teresa,, 44