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O CARMELO DESCALÇO E O ESOTERISMO: PARTE 3 - “Uma Água Traz Outra.” S. Teresa de Jesús e Ibn ‘Arabi

08/01/2025

Autora: María M. Carrión

Tradução: Prof. Gabriel Sapucaia

1. Introdução

"Para cada membro ou órgão existe um tipo particular de conhecimento espiritual proveniente de uma única fonte, que é multifacetada em relação aos muitos membros e órgãos, assim como a água, embora seja uma realidade única, varia em sabor de acordo com sua localização: algumas são doces e agradáveis, outras salgadas e amargas. Apesar disso, ela permanece invariavelmente água em todas as condições, com todas as variedades de sabor." (Ibn al-'Arabi, 2015).

No final dos anos 1400 d.C., quatro eventos alinharam-se para transformar o panorama religioso e cultural do que era conhecido por diferentes povos como Hispania, Ibéria e al-Andalus: a "descoberta" das Américas; a publicação da primeira gramática espanhola, "parceira do império"; a expulsão dos judeus do solo espanhol; e a transferência de Granada—o último reino muçulmano da Península—do Sultão Abū 'Abdillāh Muhammad ath-thānī 'ashar, último governante da dinastia Nasrida, para Isabel e Fernando, Rainha e Rei Católicos. Qualquer pessoa que permanecesse dentro dos limites geográficos do moderno Estado-Igreja da Espanha foi forçada a converter-se ao catolicismo, a religião oficial. A primeira metade do século XVI testemunhou inúmeras conversões (Havrey, 2005; Catlos, 2014).

No final da década de 1560, a Recopilación de las Reyes destos Reynos, a primeira compilação legal unificada da Península, inaugurou o código centralizador de cidadania da Espanha, organizado em torno da espinha dorsal da lei nacional, "De la Santa Fé Católica" (Sobre a Santa Fé Católica):

"A Santa Madre Igreja ensina e prega que todo cristão fiel, reformado pelo santo Sacramento do Batismo, acredita firmemente e confessa simplesmente que há um único Deus verdadeiro, eterno, imenso, imutável, onipotente, inefável, Pai, Filho e Espírito Santo, três Pessoas e uma essência, substância ou natureza: o Pai inalcançável, o Filho gerado unicamente pelo Pai e o Espírito Santo soprado da suprema simplicidade, procedendo igualmente do Pai e do Filho em essência, iguais em onipotência: e um princípio único de todas as coisas visíveis e invisíveis." (Recopilación, Livro I, Título 1, Lei 1; tradução minha).

Apesar da poderosa carga retórica desta "Primeira Lei" e das subsequentes "Leis" que definem claramente as diretrizes teológicas e políticas hierárquicas para que os cidadãos espanhóis professassem sua aliança e devoção exclusivas ao catolicismo, as vidas dos súditos da Coroa na Península seguiram em muitas direções diferentes. Era como se As Jóias da Sabedoria de Ibn 'Arabi pressagiassem, já na Múrcia do século XIII, que o corpo espanhol seria uno, e que seus órgãos e membros—como diferentes corpos d'água em relação à fonte principal—emanariam de uma única fonte, mas teriam "um tipo particular de conhecimento espiritual". Há amplas evidências de que um número significativo de cripto-muçulmanos e conversosanusim—declararam publicamente sua adesão à Santa Fé Católica, enquanto, ao mesmo tempo, continuavam a praticar sua fé islâmica ou judaica em espaços clandestinos e horários secretos (Havrey, 2005, pp. 102–121).[1]

Contra todas as probabilidades, e fiéis à sua fé da melhor forma possível em um solo declarado inóspito para sua religião, a perseverança desses indivíduos e de suas comunidades preservou o pluralismo religioso dentro da Península. Seja como for, a importância de suas vidas e vozes permaneceu encoberta por séculos sob a égide de uma unidade nacional católica. O movimento conhecido como misticismo espanhol é mais um exemplo desse tipo de sobrevivência do pluralismo religioso na Espanha do século XVI e de sua recepção parcial posteriormente.[2]

Em uma era em que a virtude moral e os rituais e iconografias religiosas eram fortemente regulados para favorecer uma gestalt católica (alimentação, vestuário, movimentos, figuras inspiradoras, imagens devocionais e rituais, entre outros), místicos na Espanha engajaram-se em tradições das três religiões mais proeminentes de al-Andalus—cristianismo, islamismo e judaísmo. Com essa abordagem híbrida à vida religiosa, eles moldaram um rico legado espiritual, que está sendo plenamente revelado apenas no último século por trabalhos acadêmicos, como os apresentados nesta edição especial de Religions.

Entre inúmeras outras imagens e práticas, os místicos espanhóis do século XVI imaginaram e escreveram sobre a noite escura, os sete castelos concêntricos, a gazela, o pássaro, os iggulim (círculos) ou o yosher (torre) das sefirot, ruínas e jardins, e a fonte sagrada, para inspirar outros a buscarem seus próprios caminhos espirituais.[3]

Os laços que unem os místicos espanhóis e sufis são, sem dúvida, numerosos; ao mesmo tempo, são bastante complexos e, por isso, exigem análises rigorosas de caráter comparativo, teológico, histórico e textual.[4] Essa análise é particularmente difícil porque os meios de transmissão de ideias e práticas de espiritualidade produzidas pelas figuras que compõem esses dois grupos começaram a ser analisados apenas recentemente. Dadas as histórias de conflito e violência em nome da religião que caracterizaram o final da Idade Média e o Renascimento na Espanha, bem como as práticas religiosas clandestinas mencionadas anteriormente, esses meios de transmissão têm se mostrado difíceis de identificar.

Pode parecer que as práticas místicas sufis e espanholas não atravessaram as divisões religiosas. Com essa premissa em mente, este estudo analisa como a água, um elemento material e espiritual fundamental representado nas obras místicas de Ibn 'Arabi e Teresa de Jesús, faz com que os mundos teológicos do islamismo e do cristianismo se sobreponham e, quando lidos juntos, cresçam substancialmente.[5] O método aqui, então, não foi elaborado para contribuir com a questão de como as ideias de um místico sufi foram transmitidas às de uma mística espanhola.

A abordagem comparativa é utilizada aqui não para provar como suas ideias compartilhadas viajaram da Múrcia do século XIII para Ávila no século XVI, ou de uma jornada espiritual medieval para uma renascentista, mas sim para focar na leitura conjunta de suas ideias para explorar as maneiras pelas quais suas versões separadas e correspondentes da água expandem, e não limitam, o crescimento espiritual.

Para ser claro, as influências "mútuas" aqui observadas entre as obras desses dois místicos não apontam para um ciclo de troca literária ou religiosa sincrônica entre eles, nem para um cenário imaginado de que um ou outro tenha lido a obra do outro; dada a distância de quase quatro séculos que os separa, isso simplesmente não seria lógico.[6] Além disso, como meu argumento não busca determinar uma réplica exata do elemento água representado em seus textos, nem uma influência unilateral autoritária de Ibn 'Arabi sobre Teresa de Jesús (doravante identificada apenas por "De Jesús"), ou vice-versa a posteriori, a leitura aqui proposta explorará as formas como seus textos mutuamente se informam ao representar a água e seus significados amorosos, enquanto discernem os respectivos contextos de produção dessas obras.

A vida bem irrigada descrita por esses místicos enfatiza o elemento água como um caminho para a vida, o conhecimento e o amor de e para Deus, ao mesmo tempo que destaca o valor espiritual do movimento, do fluxo e da circulação. Por meio do símbolo da água, os leitores podem reunir leituras que, de outra forma, seriam díspares, tanto das obras individuais dessas duas figuras quanto de seu pertencimento a um continuum revisado do misticismo andalusino e espanhol.

2. A Água em Quatro Direções de Teresa de Jesús

"Preste atenção à palavra do Altíssimo: 'É regada com uma só água' (Alcorão, 13:4). A terra é uma, mas os sabores, fragrâncias e cores diferem." (Ibn 'Arabi, Al-Futūḥāt al-Makkiyya/As Iluminações de Meca (III, 231, Capítulo 351)).[7]

Teresa de Jesús, uma proeminente mística espanhola, declarou publicamente sua afiliação à Igreja Católica e viveu de acordo com ela. Em 1622, cerca de quarenta anos após sua morte, o Papa Gregório XV a canonizou, sendo conhecida como Santa Teresa de Ávila para alguns, De Jesús para outros, ou simplesmente Santa Teresa. Poucos anos depois, foi nomeada Padroeira da Espanha pelo Rei Filipe IV, ficando ao lado de São Tiago, Santiago Apóstolo. Por suas contribuições teológicas e escritos religiosos, o Papa Paulo VI concedeu a ela e a Catarina de Siena o título de Doutoras da Igreja em 1970, sendo as primeiras mulheres a receber tal honra (Slade, 1970; Bilinkoff, 1989).

Apesar de sua devoção à Santa Fé, ela viveu e escreveu sem aderir totalmente ao excepcionalismo e ao isolamento religioso promulgados pela Recopilación em meados do século XVI. Em vez disso, desenvolveu uma ética literária e religiosa que, em oposição à vontade expressa do Estado-Igreja, conjugava sinais e práticas de diferentes tradições espirituais e religiosas. As palavras do Capítulo XIX de seu Livro da Vida, citadas no título, ilustram essa revelação: "un agua tray otra" (uma água traz outra) (pp. 138, 109).[8]

Com essa frase, De Jesús conclui uma extensa meditação sobre a imagem do jardim, uma metáfora que ela desenvolve para referir-se ao coração e à importância da irrigação, ou da oração, para o seu bem-estar. Seus textos repetidamente afirmam que água equivale à oração e, ao concluir sua articulação teológica do jardim, uma espécie de paraíso recuperado, uma água-oração traz (tray-trae), carrega ou atrai outro tipo.

A tristeza e a dor que trouxeram lágrimas à sua vida antes de ela construir seu próprio jardim são conjugadas com as águas da fonte, do poço, da nascente, do rio e da chuva—um universo líquido que ela, assim como qualquer de seus leitores, pode aprender a manejar se souber como a água pode transformar suas lágrimas em vida. Essa conjugação de água, jardim e oração abre um caminho para os leitores meditarem sobre o significado desse elemento como um caminho para a vida, o conhecimento e o amor de e para Deus. Este jardim bem irrigado cresceu no contexto do pluralismo religioso subterrâneo em que De Jesús viveu, onde o misticismo sufi estava mais presente do que a história levou os leitores a acreditarem.

Teresa de Jesús dedicou boa parte de sua vida à reforma da Ordem Carmelita Descalça na Espanha. Para isso, fundou dezessete conventos organizados para apoiar o bem-estar e a melhoria da vida espiritual das mulheres. Ela escreveu quatro obras principais: Livro da Vida, Caminho de Perfeição, Castelo Interior e Livro das Fundações. Devido às suas experiências religiosas e aos programas que instituiu em seus conventos, seus confessores insistiram que ela documentasse tudo; o fato de seu primeiro livro ter passado décadas nas mãos do Santo Ofício da Inquisição concedeu aos seus escritos uma camada jurídico-confessional que não passou despercebida pelos estudiosos (Llamas Martínez, 1972; Egido, 1986; Slade, 1995, pp. 9–29).

Com os confessores claramente presentes em sua vida e obras narrativas, Teresa falava abertamente com suas irmãs, as freiras que viviam em seus conventos reformados, com quem mobilizou uma rede de comunicação altamente sofisticada que Alison Weber chamou de "retórica da feminilidade" (Weber, 1990). Devido à sua ascendência judaica, sua obra foi associada a tradições semíticas (Álvarez, 1995; Connor, 1986, pp. 43–81; López-Baralt, 1985, pp. 120–141, 156–160). Por ser uma súdita do Estado-Igreja da Espanha do século XVI e uma reformadora chave da Ordem Carmelita, sua obra também foi vinculada ao catolicismo e, frequentemente, à "Idade de Ouro Espanhola", uma era tradicionalmente caracterizada, como observa Carlos Conde Solares, pelos "ápices políticos e imperiais da Espanha" (Conde Solanes, 2020, p. 1).[9]

Através das imagens presentes em seus livros—como a escuridão da alma, os sete castelos concêntricos, o pequeno pássaro, espaços como ruínas e jardins—e dos projetos de seus conventos e abordagens à vida espiritual, sua obra também foi associada a tradições islâmicas (Asín Palacios, 1946; López-Baralt, 2002, 1985, 1981; Carrión, 2017, 2016b, 2016a, 2013, 2012, 2010, 2009). Além disso, por suas reformas conventuais e escritos definirem novos territórios para as mulheres no que tange à oração, humildade e virtude, suas obras continuam a inspirar muitas comunidades femininas ao redor do mundo (ver Dorgan, 2015; Pérez, 2013).

O Livro da Vida e o Castelo Interior colocam a água no centro da busca espiritual de Teresa de Jesús. Comunidades que leem suas obras atentamente e organizam suas vidas espirituais com base nessas leituras frequentemente enfatizam a importância desse símbolo na vida espiritual. Carol Ann Chybowski, por exemplo, oferece um resumo econômico de "As Quatro Águas de Santa Teresa de Ávila", observando que elas "são baseadas em suas próprias experiências com a oração mística. É um caminho que todos devemos seguir à nossa maneira enquanto fazemos nossa jornada de volta para Deus" (Chybowski, 2015).

O caminho cultivado começa com o ato de retirar água de um poço na primeira etapa; em seguida, passa-se a usar uma roda d'água para aliviar o trabalho pesado; na terceira etapa, surge um rio ou um riacho, elevando ainda mais o espírito do jardineiro; e, finalmente, a chuva abençoada, quando se abandona o trabalho para se deixar envolver pela chuva de Deus. Mergulhado em uma jornada líquida, o jardineiro trabalha através do esforço, distrações, avanço espiritual, dificuldade, recolhimento e pura vontade, deixando para trás o solo árido e alcançando uma paisagem exuberante de plenitude espiritual.

As Irmãs Carmelitas do Sagrado Coração de Los Angeles comparam o mundo aquático de Teresa de Jesús com passagens bíblicas (Gênesis, João 4:10, 13–14 e Marcos 10:17–31), bem como com as obras de João de Ruysbroeck e George Bernard Shaw, destacando como essa vida de irrigação e oração marca um caminho sólido para conhecer o dom de Deus (Carmelite Sisters of the Most Sacred Heart of Los Angeles, 2015).

Esse conhecimento experiencial proporcionado pela água contrasta com a pouca atenção dada pelos estudiosos a essa importante unidade do legado místico da Espanha. Estudos abundam sobre a presença e os significados dos jardins na história cultural espanhola, desde a tradição do hortus conclusus nas narrativas rimadas hebraicas ibéricas e nos Milagros de Nuestra Señora de Berceo até a paisagem sexual representada no huerto paternal de Celestina (Decter, 2007; Alchalabi, 2004; Bailo, 2016; Snow, 2000).[10]

Há também uma considerável pesquisa sobre a centralidade dos jardins na vida e cultura da Península. Por exemplo, os sofisticados sistemas hidráulicos e de irrigação medievais que informaram a entrada da Espanha na modernidade da engenharia (Glick, 1996), a singular presença dos jardins islâmicos, especialmente na região que hoje é a Andaluzia (Ruggles, 1997, 2003), e o design e desenvolvimento dos jardins reais em El Escorial e Aranjuez para fomentar a indústria moderna de destilarias de água (Rey Bueno, 2004, 2009).

Poucos estudiosos destacaram a importância crítica dos jardins nas obras dos místicos espanhóis (Lottman, 2010; Carrión, 2012, 2013). A obra na qual Teresa de Jesús utiliza mais amplamente a palavra água é sua primeira, o Livro da Vida, embora o Castelo Interior também dedique passagens importantes à presença e ao significado da água para o coração. Por questões de brevidade, este estudo focará na representação da água no Livro da Vida, estruturada como um espaço e meio em quatro direções.[11]

Usada mais de 70 vezes entre os capítulos 6 e 22, a palavra água cria um campo semântico com o qual a autora traça um caminho que vai das lágrimas de tristeza para um universo de alegria e plenitude, organizado em quatro níveis: água subterrânea do poço, água extraída por dispositivos mecânicos, água fluindo em um rio ou riacho e água da chuva. Esses quatro estágios da água, que se movem do nível subterrâneo para o alto da atmosfera, de onde caem como chuva, correspondem a formas de irrigar a alma que, por sua vez, equivalem a quatro estágios de trabalho, conhecimento e amor no jardim. Abrangendo tudo isso, uma estrutura correspondente se alinha a esses quatro estágios de água: os quatro graus de oração.

O primeiro estágio, caracterizado por trabalho árduo e uma base de tristeza e dor, convida os leitores a se imaginarem como jardineiros que abaixam um balde às profundezas de um poço para obter água. Citando a água como um elemento que, após sua experiência de quase morte no capítulo 5, ela mal podia tolerar, Teresa eventualmente transforma essa aversão em desejo de alcançar a Oração de Quietude. No capítulo 11, ela sugere que um livro pode ajudar a focar na oração, mas que para ela, "olhar para um campo, ou água, ou flores" serve para lembrá-la do Criador, despertá-la e recolhê-la (Livro da Vida, p. 66).

O livro que ela recebe, Confissões de Agostinho, não sacia sua sede espiritual porque os santos caem e se recuperam, mas ela cai muitas vezes e parece não progredir na vida. Como mulher, "escrevendo simplesmente o que me mandam", ela prefere não fazer comparações, mas a linguagem espiritual exige que o faça, e assim ela recorre à prática básica da oração:

"O iniciante deve considerar-se como alguém que começa a fazer um jardim no qual o Senhor deve encontrar Sua alegria, ainda que em solo muito infértil e cheio de ervas daninhas. Sua Majestade arrancará as ervas daninhas e plantará boas plantas em seu lugar. Suponhamos que isso já tenha sido feito — que uma alma tenha decidido praticar a oração e já tenha começado a fazê-lo. Agora devemos, com a ajuda de Deus, como bons jardineiros, fazer essas plantas crescerem e regá-las cuidadosamente, para que não pereçam, mas produzam flores que exalem grande fragrância para refrescar este nosso Senhor, para que Ele possa frequentemente vir ao jardim para se deleitar e alegrar-se entre estas virtudes" (Livro da Vida, p. 73).

Neste primeiro estágio da oração, onde o paraíso perdido do jardim aparece pela primeira vez, Teresa imediatamente destaca a importância da água. Não como posse, mercadoria ou entidade a ser contida e controlada—isso é trabalho dos homens. Em vez disso, ela literalmente conjuga a água como um verbo, regar, para irrigar, como um trabalho proativo que flui com conhecimento e vontade para dar vida ao jardim da alma: "Consideremos como este jardim pode ser regado, para que saibamos o que temos de fazer, quanto trabalho nos custará, se o ganho superará o trabalho e por quanto tempo esse trabalho deverá ser suportado" (Livro da Vida, p. 73).

Aqui, o jardim adota a forma clássica das quatro direções, que também abrigam quatro formas de irrigar; tanto o leitor quanto o jardineiro devem lembrar que já estão dentro do primeiro estágio do jardim, onde prevalecem a dor e a tristeza. Essa é uma estratégia retórica à qual Teresa retornará no Castelo Interior, onde tenta explicar como se deve entrar no espaço em que já se está, e como alcançar a câmara mais íntima onde o Senhor está sentado e onde a união mística está destinada a acontecer.

O segredo desse paradoxo, Teresa revelará no Castelo, é saber que essa câmara tem muitas outras mansões acima e abaixo, em todos os lugares, onde o Senhor está presente, pois o castelo é a alma, e qualquer pessoa, especialmente as freiras que leem seu texto, pode vagar livremente nesse espaço. O mapa é claro, embora o labirinto seja denso: há quatro estágios do jardim, que são quatro formas de irrigar, e quatro formas de orar.

Parece-me que o jardim pode ser regado de quatro maneiras: retirando a água de um poço, o que nos custa grande esforço; ou por meio de uma nora e baldes, quando a água é retirada por um torno (às vezes já retirei água dessa forma: é menos trabalhoso do que a outra e fornece mais água); ou por um rio ou riacho, que rega o solo muito melhor, saturando-o mais completamente e reduzindo a necessidade de regar com frequência, aliviando bastante o trabalho do jardineiro; ou por uma chuva forte, quando o Senhor rega sem qualquer esforço nosso, sendo essa maneira incomparavelmente melhor do que qualquer uma das descritas (Livro da Vida, p. 73).

Entretanto, a aplicação dessas formas de regar não é tão fácil ou simples quanto a descrição parece indicar. De fato, a primeira parte do jardim, com o poço em seu núcleo, é um lugar de fadiga, trabalho árduo, distrações, "aridez, desgosto, aversão e tão pouco desejo de ir buscar água" que podem levar tanto o jardineiro quanto o orante a desistirem (Livro da Vida, p. 74). Nesse deserto, onde ecos de desespero podem ser ouvidos, a perda e a tristeza podem comprometer a busca; no entanto, o texto lembra aos leitores-jardineiros da capacidade de Sua Majestade de manter "as flores vivas sem água" e de fazer "as virtudes crescerem" (Livro da Vida, p. 74). Aqui, a água são as lágrimas "ou, se não houver lágrimas, a ternura e um sentimento interior de devoção" (Livro da Vida, p. 74).

Essa devoção é alimentada pela humildade e, por meio de uma série de gestos reiterados de paciência que ecoam a morte de Cristo na cruz, São Jerônimo no deserto e outras imagens devocionais cristãs, o texto encoraja os leitores a não desistirem, mas a considerarem o "firme fundamento" que está sendo lançado para o jardim (Livro da Vida, p. 75). Somente dessa forma, todos os jardineiros, prisioneiros nessa terra seca, e, mais precisamente, "pobres mulheres como eu, que são fracas e carecem de fortaleza", serão capazes de suportar a dor e a tristeza que permeiam esse estágio de três capítulos, até que possam literalmente se encontrar em pastagens mais verdes (Livro da Vida, p. 75).

A irrigação e o jardim, como veremos, abrigam a conexão entre os personagens cristãos da narrativa e os sinais místicos sufis. O capítulo 14 começa com uma lembrança da descrição anterior do segundo grau de oração, no qual a estrutura do torno e dos baldes reduz o esforço, permitindo que o jardineiro "possa descansar um pouco, em vez de estar continuamente trabalhando" (Livro da Vida, p. 86). Nesse estágio, "a graça se revela à alma mais claramente", enquanto as faculdades se recolhem, lembram-se com graça e movem-se para o espaço interior onde o jardineiro pode fazer sua Oração de Quietude (Livro da Vida, p. 86).

O torno e os baldes movem a água com significativamente menos esforço por parte do jardineiro, transformando o lugar em um espaço onde ela pode se concentrar em receber a graça de Deus. A vontade está cativa, como a água nos baldes e, por sua vez, os baldes no torno. Ao mesmo tempo, outras faculdades—memória e imaginação—participam na coleta de água e no recolhimento da mente e da alma, e, à medida que esse segundo grau de oração se desenrola, as lágrimas de desespero e tristeza se transformam em um fluxo alegre, uma "água de grandes bênçãos e favores que o Senhor concede nesse estado", que fortalece os pequenos brotos das virtudes (Livro da Vida, p. 87).

Nesse espaço, as práticas comuns de jardinagem—podar, arrancar ervas daninhas, enraizar—ganham destaque, e a temperatura entra em cena, com o frio do inverno sendo um fator decisivo, assim como era nas terras onde Teresa viveu. Quando o inverno se aproxima, o texto afirma, a centelha plantada anteriormente por Deus inicia o fogo que aquecerá o lugar.

O capítulo 16 avança para o terceiro grau de oração, a "terceira água", que flui sem estruturas mecânicas, uma etapa da vida do jardineiro onde o trabalho diminui, dando lugar ao prazer, à doçura, ao deleite, à alegria inefável e à água da graça que "sobe até o próprio pescoço da alma" na fruição de Deus (Livro da Vida, p. 95).

Nessa área do jardim, o Criador da água irriga a alma sem limites, resultando em uma fusão da alma com o Senhor que remete ao Cântico dos Cânticos hebraico. A humildade funde-se com a alegria, e um evento inexplicável ocorre: "o que a pobre alma não poderia adquirir, mesmo que trabalhasse e fatigasse seu entendimento por mais de vinte anos, este Celestial Jardineiro realiza em um momento; o fruto cresce e amadurece de tal forma que, se o Senhor quiser, a alma pode obter nutrição suficiente de seu próprio jardim" (Livro da Vida, p. 99).

A morte-em-vida e a tristeza presentes no primeiro grau de oração, aquele ponto de desespero onde termina a história de Melibea, são transformadas no capítulo 18 do Livro da Vida na quarta e última água, onde ocorre outra morte: a da alma para o mundo. Nesse espaço "não há sentimento, apenas júbilo, sem qualquer compreensão daquilo no qual a alma está se regozijando", pois aqui a graça chove sobre o solo/alma (Livro da Vida, p. 95).

A grande recompensa dessa chuva pode vir em abundância, concedida pelo Senhor quando a vontade é totalmente entregue a Ele na oração, frequentemente "quando o jardineiro menos espera" (Livro da Vida, p. 104). Os benefícios dessa água para a alma são os maiores que se pode imaginar na oração.

Os capítulos seguintes abordam vários possíveis cuidados na aplicação desse sistema de irrigação; no entanto, De Jesús conclui esse segmento de sua jornada mística afirmando que a água é um elemento fundamental para a vida espiritual.

3. Ibn 'Arabi: Uma Água e Muitas Formas

"Mas aqui é como a chuva que cai dos céus em um rio ou uma nascente; não há nada além de água ali, e é impossível dividir ou separar a água pertencente ao rio daquela que caiu dos céus."
— Santa Teresa de Ávila, Castelo Interior (De Jesús, 1961, p. 132).

As lacunas cronológicas, teológicas e de gênero que separam Teresa de Jesús de Ibn 'Arabi são consideráveis. Ele deixou a Espanha em 1193 para realizar a peregrinação a Meca, uma jornada que Claude Addas chama de "a viagem sem retorno". Essa primeira incursão levou Ibn 'Arabi a múltiplas viagens pelo Magrebe, Egito, Mesopotâmia, Anatólia, Palestina e Síria, onde encontrou os santos de sua época e leu livros que marcaram seu caminho. Essas experiências, por sua vez, conduziram-no a uma viagem interior guiada pelo aprendizado das doutrinas sufis, da santidade, dos discípulos e tribos, da servidão e da viagem noturna, bem como dos ensinamentos e legados dos profetas, da unicidade do Ser e do Selo dos Santos, entre outros (Addas, 2000).

Teresa, por outro lado, viajou apenas dentro da Península Ibérica, quando começou a reforma da Ordem Carmelita Descalça, já em um momento tardio de sua vida. Ela não teve a exposição abrangente a outras áreas do mundo como Ibn 'Arabi, nem experiências comparáveis às que ele adquiriu no Norte da África e no Oriente Médio. Apesar das distâncias no espaço e no tempo em que viveram e escreveram, uma prática comum de questionamento das fronteiras emerge em suas obras. Afinal, ambas as vidas foram marcadas por diferenças culturais e reformas religiosas.[12]

Por um lado, Teresa de Jesús negociava sua ascendência judaica com memórias de al-Andalus e uma profissão e devoção católica obrigatórias. Por outro lado, Ibn 'Arabi negociava sua linhagem sunita com círculos islâmicos xiitas onde seus escritos se tornaram populares, além de histórias e personagens judaicos e cristãos que frequentemente aparecem em seus textos. Enquanto leitores dentro e fora dos conventos reformados por Teresa liam seus livros, os ensinamentos de Ibn 'Arabi rapidamente se espalharam por todo o mundo islâmico e continuaram a se propagar onde quer que o Islã fosse, alcançando regiões como a África Negra, os Bálcãs, a Indonésia e a China, além de serem traduzidos para línguas como urdu, turco e persa (Chittick, 2007, pp. 2–3).

No cerne de suas vidas, compartilhavam interesses e vocações, entre os quais destacam-se o misticismo, a escrita e a teologia. Na formação teológica, também encontraram terreno comum. Apesar das diferenças em suas formações formais, ambos privilegiavam a amizade e a experiência pessoal no treinamento e crescimento religiosos. Em vez de derivarem seus princípios e práticas religiosas exclusivamente de uma escola formal de teologia, tanto Teresa de Jesús quanto Ibn 'Arabi desenvolveram estruturas teológicas sofisticadas por meio da reflexão, do diálogo com outros e, especialmente, da dedicação ao caminho espiritual.

Como observa Scott Kugle, característica do misticismo sufi, ambos os autores buscavam mais amar a Deus e serem amados por Ele do que articular argumentos teológicos para debate ou transformação em lei (Kugle, 2007, p. 1).

"Mas aqui é como a chuva que cai dos céus em um rio ou uma nascente; não há nada além de água ali, e é impossível dividir ou separar a água pertencente ao rio daquela que caiu dos céus."
— Santa Teresa de Ávila, Castelo Interior (De Jesús, 1961, p. 132).

Na vida de devoção amorosa, a água desempenha um papel tão crítico para Ibn 'Arabi quanto para Teresa de Jesús, embora os dois místicos articulem esse papel de maneiras narrativas e espaciais distintas. Ibn 'Arabi não estrutura níveis para irrigar o jardim da alma em quatro formas, como Teresa faz; contudo, sua articulação da água como um caminho espiritual abrange áreas de representação que Angela Jaffray reconhece como "vida, conhecimento, sharī'a e purificação" (n.p.).

Dizer, porém, que a estrutura dos segmentos do jardim, tipos de irrigação e graus de oração meticulosamente elaborados por Teresa no Livro da Vida é a mesma que as quatro áreas de significado da água representadas em vários livros de Ibn 'Arabi seria, em resumo, comparar maçãs com laranjas. No entanto, as formas estruturadas pelas quais Ibn 'Arabi inscreve a água em sua compreensão do caminho espiritual são de importância crítica para sua busca de amar a Deus e ser amado por Ele, assim como ocorre com Teresa.

Partindo do versículo do Alcorão "É regada com uma só água" (13:4), suas Iluminações de Meca exploram as muitas águas da intenção divina, classificadas em excelência, unicidade essencial e diversidade perceptiva. A intenção divina "é como a água", e os muitos sabores diferentes em frutas e vegetais ocorrem tanto apesar quanto por causa da única água que os irriga, produzindo uma variedade de gostos, fragrâncias e cores, bem como um paradoxo natural, tudo devido a uma única água.

Sem dúvida, essa obra mais volumosa de Ibn 'Arabi confere significado e peso significativos à água, assim como outras de suas obras. Contudo, assim como ocorre com o Livro da Vida em relação a outras obras de Teresa onde a água aparece, o livro onde Ibn 'Arabi articula uma abordagem mais tangivelmente estruturada sobre a água é o Fusūs al-Hikam (Bezels of Wisdom), onde o esplendor de 27 profetas é gerado por meio de uma pedra preciosa diferente, correspondente a uma virtude divina (como paciência, unicidade, coração ou ser) e, em alguns casos, claramente definida pela água.[13]

Conforme Todd Lawson, cada um dos 27 bezels que compõem este livro em tantos capítulos "é dado a uma comunidade particular na narrativa e na persona poética de um profeta específico. O bezel ou realidade profética é moldado para receber a virtude divina particular da mesma forma que a marca da amizade nas costas de Ibn 'Arabi foi moldada para receber o selo profético nas costas do Profeta Muhammad" (Lawson, 2016, p. 35).

Em outras palavras, dentro da estrutura de seus capítulos individuais, essas pedras preciosas falam das relações entre cada profeta e suas comunidades; como um todo, entretanto, estabelecem uma "rima de amizade" ou "dissolução de identidade que pode ocorrer por meio da imitação do Profeta", que aqui se dá entre o profeta particular e a Divindade (Lawson, 2016, p. 36).

Essa estrutura é um espaço sonoro de rima em árabe que revela uma comunidade de profetas relacionados entre si, como Lawson aponta, em ordem alfabética e de maneira não hierárquica:

"Como um grupo especial de awliyā' (todos os mensageiros e profetas são awliyā', mas nem todos os awliyā' são mensageiros ou profetas), eles compreendem os elementos linguísticos, o vocabulário espiritual, para a nova/antiga linguagem e revelação do Islã, na qual cada comunidade que já existiu teve um profeta, e na qual cada profeta fala à sua comunidade na língua dessa comunidade" (Lawson, 2016, p. 37).

A circulação não hierárquica entre eles, sinalizada no padrão rítmico de rima poética e nos títulos alfabéticos, abriga ecos do jardim e das Mansões que Teresa descreveria quatro séculos depois, onde os leitores poderiam encontrar-se e, ao mesmo tempo, perder-se no embalo da oração poética:

A sabedoria do louvor divino no ensinamento de Noé é:
Hikma subūHiyya fī kalima nūHiyya

A sabedoria da misericórdia divina no ensinamento de Salomão é:
Hikma raHmāniyya fī kalima sulaymāniyya

A sabedoria do Ser divino no ensinamento de Davi é:
Hikma wujūdiyya fī kalima dāwūdiyya

A sabedoria da unicidade divina no ensinamento de Muhammad é:
Hikma fardiyya fī kalima muHammadiyya (Lawson, 2016, p. 36).

Certamente, essa não é uma circulação aleatória; linguagem, profeta, comunidade, Deus, o walī e Muhammad, como observa Todd Lawson, constituem uma tapeçaria intrincadamente interligada de correspondências e relações no Fusūs: "verdadeiramente, um oceano sem margens, que atesta a realidade e veracidade da visão." O elo que os entrelaça nessa única tapeçaria de walāya ou amizade amorosa é sarayān, que significa "corrente, fluxo, circulação, emanação e permeação", produzindo ritmo, movimento e beleza (Lawson, 2016, p. 37, 45).

O bezel da "sabedoria profética que existe na essência de Jesus" conjuga aspectos da água e, mais especificamente, seu fluxo ou circulação após deixar a fonte, com o caminho espiritual. Logo após o bezel da "sabedoria da predestinação na essência de Esdras" e antes do bezel da "sabedoria da misericórdia na essência de Salomão", Ibn 'Arabi posiciona o capítulo sobre Jesus, o único portador da sabedoria profética porque, como aponta Chittick, sua profecia é eterna (Chittick, 1984, p. 25).

Para caracterizar essa atemporalidade de Jesus e sua profecia, Ibn 'Arabi utiliza um termo relacionado à liquidez: "Essa medida de vida que permeia as coisas é chamada de natureza divina (lāhūt), e a natureza humana (nāsūt) é o substrato no qual esse espírito habita. Nāsūt é chamada de espírito por causa daquilo que nela reside" (Bezels, p. 105; grifo meu).[14] A interligação da água nessa articulação narrativa da divindade torna-se ainda mais palpável na tradução de Yoshihiko Izutsu: "A Vida (universal), que flui por todas as coisas (wa sarat al-hayāt fihi), é chamada de 'aspecto divino' (lāhūt) do Ser, enquanto cada locus individual no qual esse Espírito (isto é, Vida) reside é chamado de 'aspecto humano' (nāsūt). O 'aspecto humano', também, pode ser chamado de 'espírito', mas apenas em virtude daquilo que reside (al-qā'im) nele" (citado por Lawson, 2016, p. 46; grifo meu).

A vida eterna de Jesus permeia e flui, como a água, da natureza divina ou aspecto divino para existir essencialmente ou permanentemente, para inerir, para habitar naqueles que o recebem.

A encarnação de Jesus no Bezels é o ponto em que a água se torna plenamente evidente neste capítulo: "o corpo de Jesus foi criado da água real de Maryam e da água imaginária de Jibrīl, que permeava a umidade de seu sopro, porque o sopro de um ser animado contém umidade e um elemento de água em si. O corpo de Jesus foi composto de água imaginada e real" (Bezels, p. 105).

A cena do nascimento gera uma meditação sustentada sobre o sopro espiritual, a revificação, a luminosidade, a elevação e os atributos do que Ibn 'Arabi chama de Homem Perfeito, mobilizado pela água como processo, elemento e essência divina. "O cosmos," diz Ibn 'Arabi, "surgiu na forma de seu originador, isto é, o sopro divino. Quando está quente, ele sobe, e quando está frio e úmido, ele cai, pois a precipitação pertence ao frio e à umidade, e quando está seco, é estável sem tremores. A precipitação decorre do frio e da umidade" (Bezels, p. 108).

Essa articulação científica da origem divina e do fluxo subsequente da água parece fundir walāya e wilāya, esses termos de relação e comando, de amor e autoridade que preocupavam Ibn 'Arabi e outros místicos[15]. Por um lado, a água circula livremente, como a amizade ou relacionalidade indicada por walāya; por outro, a imutabilidade do originador, que é o portador da autoridade indicada por wilāya, ambas se fundindo no ato da criação.

Junto a Jesus, vários profetas mobilizam suas pedras preciosas por meio da água, formando assim um corpo de conhecimento discreto dentro do grande oceano sem margens. Por exemplo, "O bezel da sabedoria do invisível existe na essência de Jó" (Bezels, p. 132). O capítulo da pedra preciosa de Jó começa com uma visão abrangente sobre a água: "Saiba que o mistério da vida permeia a água, pois ela é a raiz dos elementos e a fundação ('anāsir, arkān). Por essa razão, Deus faz 'de água todas as coisas vivas' (Alcorão 21:30) [...] E a raiz de tudo é a água" (Bezels, p. 132).

De fato, para Ibn 'Arabi, a água é o material que sustenta a vida. O Trono, assim como o Castelo para Teresa de Jesús, é o coração e o centro de toda atividade espiritual.[16] Esse espaço e material de divindade repousa sobre a água "porque foi composto de água; ele flutua sobre a água, e a água o sustenta por baixo" (Bezels, p. 132). A água sustenta o mundo e significa conhecimento.

A pedra preciosa do conhecimento existe na essência de Moisés, pois ele possui "muitos tipos de sabedoria" (Bezels, p. 156). Codificado em uma interpretação da história de Moisés, Ibn 'Arabi oferece a correspondência entre a água e o conhecimento:

"Quanto à sabedoria de colocá-lo (Moisés) no cesto (tābūt) e lançá-lo no rio, (o significado é o seguinte): o cesto alude à sua humanidade, enquanto o rio é o símbolo do conhecimento que ele alcançou por meio de seu corpo. Apenas através do corpo, composto pelos quatro elementos, a alma humana pode ser suprida com as faculdades de raciocínio, sensação e imaginação. [...] Quando ele foi lançado ao rio para obter diferentes tipos de conhecimento por meio dessas faculdades, Deus lhe ensinou que, embora o espírito que o guia seja seu governante, o espírito o direciona por meio dessas faculdades" (Bezels, p. 157).

Assim como Teresa de Jesús via a morte do eu do jardineiro como necessária para receber a chuva de Deus, Ibn 'Arabi enxerga a imersão nas águas do conhecimento experimentada por Moisés, quando colocado no cesto e lançado ao rio, como "uma forma externa de destruição", um momento em sua vida que, ao mesmo tempo, o salva de ser morto posteriormente (Bezels, p. 158).

Moisés, o homem cujo nome deriva do copta (água) e (árvore), traz vida ao Faraó e à sua esposa, apenas para ser tecido em uma densa tapeçaria de exaltação da sabedoria onde Adão, Faraó e al-Khidr desempenham papéis relacionados à água, ao conhecimento, à vida e à morte.

O bezel da sabedoria de exaltação de Noé envolve transcendência, limitação e restrição, mostrando como restringir o fluxo de seu chamado ao seu povo—a combinação de um chamado para um Deus transcendente e um Deus imanente—levou seu povo a fugir e não ouvir sua mensagem. Por não combinar ambos os chamados, Noé recorre à citação do Alcorão: "Ele enviará chuva abundante do céu para vocês," mas falha em revelar que a chuva representa diversos tipos de conhecimento intelectual e, por isso, a chuva e o conhecimento acabam "distantes dos frutos da reflexão" (Bezels, p. 39). Por não atenderem ao seu chamado, o povo de Noé perece nas mesmas águas do mar de conhecimento de Deus.

Conhecimento e amor devem fazer parte do processo de imersão na água, para que o caminho espiritual seja liberado em direção à união com Allah. Para Angela Jaffray, a água desempenha mais do que um papel de suporte em outras unidades narrativas teológicas (como personagem, lugar, ação, e assim por diante). Em sua análise da visão de Ibn 'Arabi sobre o Um e o Múltiplo, ela argumenta que a água contém pistas poderosas, porque "desempenha uma função nos escritos de Ibn 'Arabi que é análoga ao seu tratamento do Islã, do Alcorão e do profeta Muhammad" (n.p.). Assim como a água é um dos quatro elementos, o Islã é uma das quatro religiões monoteístas mencionadas no Alcorão, ao lado do Judaísmo, Cristianismo e Sabeísmo.

Para os fiéis, a água é tanto um elemento ligado ao discurso científico, carregado de fórmulas, abstrações ou objetos materiais de engenharia, como poços, reservatórios, rodas d'água ou oásis, quanto um princípio metafísico, pois "ela estimula a imaginação como um símbolo polivalente que expressa muitas coisas" (Jaffray, 2008, n.p.).

4. Conclusões

A água, de fato, estimula a imaginação e se desdobra de forma proteica para significar muitas coisas diferentes nas obras de Teresa de Jesús e Ibn 'Arabi: vida, caminho, combustível para a oração, conhecimento, morte, processo, origem e sopro divino, entre muitas outras. Em seus inúmeros livros dedicados ao caminho espiritual e às experiências de amor por Deus e com Deus, ambos inscrevem diversas versões e formas de água que oferecem aos leitores e interlocutores espirituais maneiras de imaginar e compreender, intelectualmente e somaticamente, esse amor divino.

A água, então, não é apenas um elemento a ser administrado, controlado ou conhecido racionalmente; como aponta Lawson, ela é um sinal e elemento cuja permeação e fluxo constante permitem que "todas as várias oposições sejam resolvidas, dissolvidas e até invertidas. Em resumo, a simetria temível de nossas vidas é mostrada como efêmera, enquanto a substância de nossas vidas, walāya, é mostrada como atemporal e permanente" (Lawson, 2016, p. 48).

Esse significado atemporal e permanente da água certamente compartilha terreno simbólico e semântico com os aspectos teológicos e legais do Batismo, o Sacramento cristão projetado para trazer a vida divina a um crente e assegurar uma presença permanente de Deus em sua alma. Ibn 'Arabi também menciona o aspecto ritual da ablução como um meio de purificar e preparar o corpo para receber Deus. Esses são enfoques ritualizados e institucionalizados da água que, sem dúvida, ocupam um lugar importante nas crenças desses dois místicos.

No entanto, a água também é fonte de vida, conhecimento, poesis, beleza e um caminho para experimentar e expressar o amor a Deus e o amor de Deus por eles. Como tal, a água é nexo, estrutura, vínculo, origem e canal do e para o caminho espiritual. Humildade e piedade são os átomos que constituem esse elemento, assim como o são as relações com outros, como os confessores, as freiras e Deus no caso de Teresa de Jesús, ou com os profetas, os membros de suas comunidades e Deus no caso de Ibn 'Arabi.

Essa relacionalidade é marcada por um desejo de comunicar a centralidade da água, da oração e do conhecimento em termos de beleza. Embora suas obras sejam escritas em forma narrativa, as páginas anteriores mostram os benefícios de lê-las como poesis, pois a beleza é parte integral do acontecimento da água como caminho espiritual e da jornada espiritual de um crente. Rimas, estruturas, padrões, números e relações entre sinais e pessoas compõem o aspecto sistemático dessas vertentes espirituais.

Ao permitir que a vida do corpo e do espírito negocie o divino e o humano, walāya e wilāya, umidade e secura, uma pedra preciosa e outra, um profeta e outro, ou um segmento do jardim e outro em movimento constante, fluindo como e com a água, os leitores podem captar uma parte substancial de sua mensagem.

Muito trabalho ainda precisa ser feito para compreender plenamente o impacto e o significado da água em relação aos jardins, à profecia, à amizade, à autoridade, à santidade, aos sacramentos, aos rituais, entre outros, tanto no misticismo cristão/espanhol quanto no sufi. Espera-se que o crescimento experimentado nos estudos andalusinos nas últimas décadas continue a revelar descobertas sobre as formas de transmissão do misticismo sufi andalusino e seu contínuo em períodos históricos posteriores na Península Ibérica.

Até lá, as evidências fornecidas por esses textos místicos oferecem prova de um diálogo textual baseado em imagens fornecidas por seus autores para alimentar sua busca espiritual e a de seus leitores.

A presença e o significado da água nas obras desses dois e de outros místicos podem ser interpretados como um convite para afrouxar as rédeas de argumentos estritamente nacionais, religiosos, históricos ou filológicos, um sinal em seus textos que, quando lidos em diálogo, podem contribuir para uma melhor compreensão dos grandes caminhos espirituais que construíram.

Ao lado do Cristo de la Cepa, do pássaro, dos sete castelos concêntricos ou mansões e de inúmeros outros sinais e símbolos místicos que conectam o misticismo cristão/espanhol ao sufi, a água mostra outro exemplo de como esses grandes legados espirituais se informam mutuamente. Com quatro caminhos, ou uma e muitas águas, cada crente pode encontrar sua própria maneira de chegar a Deus e de caminhar com Ele.

Com Ibn 'Arabi, concluo recitando do Fusūs:

"Se o crente entendesse o significado da frase 'a cor da água é a cor do recipiente', ele admitiria a validade de todas as crenças e reconheceria Deus em todas as formas e em todos os objetos de fé."[17]

Que possamos deixá-las fluir juntas.

[1] A importante coletânea de ensaios editada por Richard Pym sobre vários aspectos da moralidade estabelece uma crítica radical às leituras convencionais da história espanhola como plenamente alinhada a este poderoso quadro retórico de virtudes e moral exclusivamente católicas. Segundo Pym (2006), o tom imperativo e o registro de documentos oficiais—como as Recopilaciones e a série de éditos, publicados e entregues por pregoneros (arautos) em toda a Península para tornar essas leis conhecidas de todos os cidadãos—não "se mapeavam sem problemas na complexa topografia da vida cotidiana, ou na experiência imediata dos espanhóis", onde abundavam vozes de ceticismo, subversão, ironia, sobrevivência e outras formas de resistência (p. ix).

[2] Enfatizo "misticismo espanhol" para questionar a percepção de que a literatura e a história desses místicos sejam exclusivamente espanholas, o que pode parecer significar que foram produzidas em, ou que só sejam significativas para, um sentido religioso ou linguístico exclusivo, um espírito nacionalista ou um tom e registro imperial. Esses textos foram produzidos na Espanha, na maior parte, por figuras monásticas católicas; entretanto, como tem se tornado evidente, o espírito e as letras de seu legado estão longe de ser monolíngues, monoculturais ou inspirados por um único dogma. Sem dúvida, chamá-los de místicos andalusinos não seria totalmente correto, dadas as mudanças políticas trazidas pela capitulação do Reino Nasrida de Granada após 1492. Para descolonizar a expressão, o presente estudo emprega intencionalmente a expressão "místicos espanhóis" como figuras que inscrevem a memória histórica de al-Andalus em suas obras literárias e teológicas.

[3] Cynthia Robinson (2006, 2013) e Conde Solanes (2020) estão entre os muitos estudiosos que analisaram o solo fértil medieval sobre o qual a sobrevivência desse pluralismo religioso e espiritual se fundamenta. O trabalho de Robinson mostra como tradições espirituais ibéricas, como a do "Cristo de la Cepa" (figura devocional de Cristo esculpida em madeira de videira), foram forjadas em al-Andalus pela influência de místicos sufis do século IX, como Abū 'l-Mughīth al-Husayn bin Mansūr al-Hallāj e Sahl al-Tustarī, da Pérsia, e 'Abd Allah b. Masarra, de Córdoba. Conde Solanes também aponta que práticas devocionais sustentadas como esta revelam a existência de legados "preservados na Espanha medieval por monges beneditinos e dominicanos cuja principal missão era converter almas judaicas e muçulmanas ao cristianismo" (Conde Solanes, 2020, p. 4). O sistema devocional estruturado por árvores de amor e conhecimento, sinais-chave do jardim espiritual e artístico andalusino, e sua influência nas práticas devocionais castelhanas são explorados em profundidade por Robinson (2006).

[4] Os debates recentes sobre as origens do misticismo sufi em al-Andalus tornam ainda mais difícil a leitura do cenário das práticas cripto-religiosas na Espanha do século XVI. Consulte The Rise of the Andalusī Mu'tabirūn de Yousef Casewit (Casewit, 2017, pp. 57–90). O modelo de aprendizado profundo e teologia comparativa de Francis X. Clooney (Clooney, 2010) através de fronteiras inspirou boa parte do pensamento por trás deste estudo comparativo; os erros, claro, são todos meus.

[5] Para uma análise da água em cosmogonias heterodoxas islâmicas e cristãs do período otomano, veja Stoyanov (2001).

[6] Muḥyī al-Dīn Muḥammad ibn 'Alī ibn al-'Arabī (560/1165–638/1240) é referido aqui pelo nome mais comum, Ibn 'Arabi, e Teresa de Cepeda y Ahumada (1515–1582), mais conhecida como Santa Teresa de Ávila, é nomeada aqui por seu pseudônimo, Teresa de Jesús, e doravante chamada apenas de De Jesús. Sobre os nomes de Teresa de Jesús e sua importância crítica, consulte Carrión (1994, pp. 43–67).

[7] Citado em Jafray (2008, n.p.).

[8] Doravante citado como Vida (De Jesús, 1995). O primeiro número de página entre parênteses corresponde à versão original em espanhol, citada a partir da edição do Padre Silverio de Santa Teresa O.C.D. (De Jesús, 1915); salvo indicação em contrário, as citações em inglês são da tradução de Edgar A. Peers (De Jesús, 1995).

[9] Para uma amostra representativa das análises literárias e espirituais de Teresa de Jesús favorecendo esses ápices, que constituem a vasta maioria da recepção de sua obra até há um século, ver Ricard (1965), Dickens (1970) e García de la Concha (1978). Para uma bibliografia mais completa dessas vertentes de recepção, ver Carrión (1994).

[10] Liz Herbert McAvoy (2014a, 2014b) e Naoë Kukita Yoshikawa (2014) oferecem críticas feministas importantes à tradição do hortus conclusus na literatura do Norte da Europa.

[11] A representação da água no Castelo Interior oferece a possibilidade de uma leitura teológica comparativa com os edifícios e jardins de La Alhambra. Ver Carrión (2017).

[12] Manuela Ceballos argumenta que a questão das fronteiras, especialmente a compreensão clara da porosidade dessas fronteiras, é crucial para a interpretação das obras de místicos sufis e cristãos de al-Andalus e do Norte da África (Ceballos, 2016).

[13] Doravante citado como Bezels. Salvo indicação em contrário, as citações em inglês são da tradução de Binyamin Abrahamov.

[14] Para uma análise filosófica comparativa da água como vida no taoísmo e no sufismo, ver Izutsu (1984, pp. 141–151).

[15] Vincent Cornell examina profundamente a importância crítica desses "gêmeos fraternais semânticos que coexistem simbioticamente, como yin e yang" para entender a santidade no Marrocos (Cornell, 1998, p. 1).

[16] Sobre o coração dos fiéis como o Trono do Todo-Misericordioso, ver Nasr (2002).

[17] Citado na introdução sobre Ibn 'Arabi no site da The Muhyiddin Ibn Arabi Society. Disponível em: https://ibnarabisociety.org/introduction-muhyiddin-ibn-arabi/. Acesso em: 11 out. 2020.


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