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O CARMELO DESCALÇO E O ESOTERISMO: PARTE 5 - A simbologia mística muçulmana em São João da Cruz e Santa Teresa de Jesus

10/01/2025

Giovanni Maria Bertini – Universidade de Turim (Itália)

Tradução: Prof. Gabriel Sapucaia

A simbologia mística muçulmana em São João da Cruz e Santa Teresa de Jesus

O fascinante tema da influência exercida pelos místicos orientais, em sua maioria árabes e persas, sobre os escritores espirituais espanhóis foi apresentado e estudado pela professora porto-riquenha Luce López Baralt em um extenso ensaio publicado na Nueva Revista de Filología Hispánica da Cidade do México (tomo XXX, número 1, 1981, pp. 21-91). De fato, muitos pesquisadores dedicaram-se ao estudo do mundo místico muçulmano em sua relação com os místicos ibéricos.

Na própria Espanha, o precursor dos arabistas interessados pelo aspecto místico foi Pascual Gayangos (1809-1897), que publicou Las dinastías musulmanas en España. Seu exemplo foi seguido por Francisco Codera y Zaidín, autor de obras como Estudios críticos de historia árabe (1933), Decadencia y desesperación de los almorávides en España (1899) e Tratado de numismática arábigo-española (1882-1893).

Outros nomes de destaque incluem Julián Ribera Tarango, com obras como Los libros sobre la enseñanza entre los musulmanes españoles (1893), Bibliófilos y bibliotecas de la España musulmana (1896) e Orígenes de la filosofía de Raimundo Lulio (1899), além de Miguel Asín Palacios (1871-1944), cuja produção acadêmica é fundamental nesse campo. Entre seus trabalhos mais importantes estão Algazel, dogmática, moral, ascética (1901), sua tese doutoral, La espiritualidad de Algazel y su sentido cristiano (1934) e Averroísmo teológico de Santo Tomás de Aquino (1904).

No último estudo, Asín Palacios esclarece a dívida dos filósofos escolásticos para com o pensamento árabe. Sua obra La escatología musulmana en la «Divina Comedia» (1919 e 1944) gerou acaloradas polêmicas ao argumentar, de seu ponto de vista, a influência da filosofia árabe na Divina Comédia de Dante Alighieri. Outro trabalho relevante é El Islam cristianizado, que abriu caminho para La espiritualidad de Algazel y su sentido cristiano.

Por fim, não podemos deixar de mencionar outros arabistas espanhóis de destaque, como Maximiliano Alarcón, Millás Vallicrosa, Gómez García, Seco de Lucena e Oliver Asín.

Também em outros países, a atenção voltada para a espiritualidade oriental no Ocidente suscitou diversos estudos que revelaram as raízes árabes presentes na própria cultura europeia. Entre muitos, podemos destacar obras como Essai sur les origines du lexique technique de la mystique musulmane (Paris, 1914 e 1922) de Louis Massignon; Poetas y místicos del Islam (México, 1945) de Reinhold A. Nicholson; The Oldest Persian Treatise on Sufism (Londres, 1976, tradução de Kashf al-Mahjub de Al-Hujwiri); e Trilogie islamienne (Teerã-Paris, 1961) de Henri Corbin, entre outras.

Sem dúvida, a doutora López Baralt apresenta um panorama detalhado sobre a influência que, ao longo dos séculos (os primeiros registros remontam ao século IX), ocorreu nas relações espirituais entre Oriente e Ocidente. Após longa experiência neste campo específico da ascese e da mística, culminando na publicação de San Juan y el Islam (pela Editorial do Colégio do México), a estudiosa porto-riquenha reuniu, com rigor bibliográfico exemplar e séria documentação, as evidências textuais dos intercâmbios entre místicos espanhóis e orientais.

Entre os símbolos encontrados nos escritos de São João da Cruz, que a pesquisadora identificou com possíveis antecedentes muçulmanos, destacam-se nove símbolos, enquanto seis são os encontrados nas obras de Santa Teresa de Jesus. É importante reconhecer que a doutora López Baralt utilizou todo o material previamente conhecido sobre o tema, mas o mérito de seu ensaio reside principalmente na síntese e nas conclusões obtidas a partir de um vasto material reunido com inteligência e dedicação, com o intuito de elucidar as influências das supostas fontes orientais nos místicos espanhóis.

Ao abordar o primeiro símbolo de possível influência oriental em São João da Cruz, "O vinho e a embriaguez mística", nota-se o método eficaz empregado pela pesquisadora. Esse símbolo deriva, primeiramente, do Cântico dos Cânticos e, possivelmente, de textos sufis, nos quais, assim como nos escritos do místico espanhol, a imagem do vinho representa o êxtase. Segundo López Baralt, escritores orientais como Burini e Nabulusi comentaram um verso do místico Ibn al-Farid: "Bebemos em memória do Amado um vinho que nos embriagou antes mesmo da criação da vinha...". No vocabulário técnico dos sufis, "o vinho, com seus nomes e atributos, simboliza o que Deus infundiu na alma em termos de conhecimento, desejo e amor". Além disso, afirma-se: "O vinho significa a bebida do amor de Deus, produzida pela contemplação dos belos nomes de Deus. Este amor gera embriaguez e esquecimento de tudo o que existe no mundo."

Por outro lado, poetas persas como Jalaluddin Rumi, Saadi e Hafiz dedicaram inteiros poemas ao louvor dessa bebida.

O segundo símbolo analisado, "A noite escura da alma", remete a fontes como Sebastián de Córdoba, Garcilaso de la Vega e, de modo mais direto, à "treva luminosa" do Pseudo-Dionísio, que descreve uma experiência íntima e pessoal composta por fatores metafisicamente divididos entre o humano e o divino. Para outros críticos, a "noite escura" refere-se à purificação da alma, mas também é reconhecido que a "escuridão divina" é uma categoria distinta. Essa escuridão, provocada pelo excesso de luz, implica um conhecimento transcendental de Deus, que não pode ser alcançado pela razão discursiva.

O arabista Asín Palacios já havia considerado a possibilidade de uma fonte comum para explicar as coincidências entre a mística cristã e muçulmana. No entanto, a hipótese de que São João e Santa Teresa tenham sido influenciados por figuras como o Mancebo de Arévalo ou a Moura de Granada, residentes na Andaluzia durante o período dos dois carmelitas, carece de evidências documentais e testemunhais. Para a professora López Baralt, é mais provável que ambos tenham tido acesso às traduções de textos dos primeiros místicos orientais, o que explicaria a origem dos símbolos muçulmanos em seus escritos.

Outro símbolo relevante é "A chama de amor viva e as lâmpadas de fogo", que encontra precedentes no livro Hierarquias Celestes do Pseudo-Dionísio. Esse símbolo aparece em diversas culturas, como o judaísmo, o helenismo, o gnosticismo, o sincretismo e o cristianismo. No contexto da espiritualidade muçulmana, destaca-se Shihab al-Din Suhrawardi (†1191), conhecido por sua Filosofia da Iluminação. Suhrawardi e outros místicos, como Al-Ghazali, enfatizam que a iluminação interior permite à alma contemplar a unidade de Deus.

Avicena, filósofo e asceta persa, também reconhece o êxtase gerado pelas "chamas brilhantes do conhecimento direto de Alá", consolidando a luz como símbolo central na mística oriental e ocidental.

Segundo o místico Ibn Arabi, de Múrcia (século X), o coração é o tabernáculo de Deus. Se aceitarmos a conclusão do processo de iluminação da alma descrito pela estudiosa porto-riquenha, podemos afirmar que ele culmina, em São João da Cruz, na transformação da alma em Deus. A literatura mística muçulmana parece ajudar, como sugere o artigo em questão, a desvendar o mistério da composição de São João.

A contribuição apresentada por López Baralt não se limita à comparação entre mística oriental e ocidental, mas busca identificar as origens e o desenvolvimento da obra sublime do místico espanhol. Contudo, isso não diminui a originalidade de sua obra, que depende principalmente de sua inspiração pessoal, mesmo que tenha assimilado indiretamente algum influxo cultural dos místicos orientais.

O símbolo da água ou da fonte mística interior também possui antecedentes muçulmanos. Em Ibn Arabi e Al-Ghazali, encontramos referências semelhantes às de São João, associadas ao esforço da oração, representado pelo árduo transporte de água espiritual por meio de canais e arcaduces, em contraste com a fonte espontânea da contemplação.

López Baralt menciona ainda Raimundo Lúlio e sua obra Libro de caballerías de Platir, dirigida a Nuri de Bagdá (século IX), que enfatiza a imagem da água mística da alma. Segundo este místico muçulmano, quando a água flui no coração do gnóstico, revela os segredos de um Deus eterno.

O símbolo da "Subida do Monte", amplamente explorado por escritores espirituais espanhóis como Diego de Estella, Francisco de Osuna e Bernardino de Laredo, apresenta similaridades com os orientais. Shihab al-Din Suhrawardi, em El relato del exilio, examinado por Corbin, descreve uma "geografia visionária" relacionada ao tema. Na literatura árabe, O Livro da Escada de Maomé é outro exemplo que desenvolve a teoria da montanha espiritual, um tema conhecido e tratado muito antes de Bernardino de Laredo, autor de La subida del Monte Sión. Raimundo Lúlio, profundamente influenciado pela cultura árabe, pode ser considerado um elo entre os sufis e os cristãos.

Tanto para cristãos quanto para muçulmanos, a subida do monte está associada à autoaniquilação, revelando um ponto de comunhão universal entre os dois mundos.

O símbolo do "Pássaro Solitário", que representa a alma apaixonada por Deus, também possui antecedentes orientais. Embora o símbolo completo, como apresentado nos Dichos de Luz y Amor e no Cântico Espiritual de São João, não seja encontrado na literatura mística cristã ocidental, há coincidências com a simbologia oriental. O místico persa Al-Bistami (século IX) descreve um pássaro cujas asas são de eternidade, enquanto Jalaluddin Rumi afirma que o pássaro "voa afastando-se de tudo o que é material e perecível". Para São João e os místicos muçulmanos, esse pássaro simboliza um conhecimento que transcende a razão. Kubra louva a Deus pelo "dom da linguagem dos pássaros". Subrawardi escreveu o Tratado do Pássaro, interpretado por Avicena e Al-Ghazali.

No entanto, há uma diferença significativa: enquanto para os orientais o pássaro navega no mar do conhecimento, para São João ele conhece apenas a Deus.

O motivo do "Combate Ascético", central em São João da Cruz e Santa Teresa, também encontra precedentes no Pseudo-Dionísio e, séculos depois, nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola. Entre os sufis, o tema aparece na "aleya", termo que significa luta. O cavaleiro espiritual, o "javanmardi", enfrenta esse combate ascético com coragem, partindo do castelo de sua alma. Ibn Abbad de Ronda menciona o que um mestre contemplativo, Nuri de Bagdá, diz: "Quão feliz é a alma que souber combater aquela besta", referindo-se à figura do Apocalipse, mencionada também por São João.

A "Alma como Jardim Místico" é outro símbolo presente em São João e entre os sufis. Ambos consideram a alma um jardim místico, estado de união descrito por Ibn Arabi e Nuri de Bagdá. Este último, em Maqamat al-Qulub, descreve as maravilhas desse jardim ou alma em união mística, dizendo: "Seja louvado Deus, pois na face da Terra há um jardim". Ele acrescenta: "Quem cheirar seu aroma não desejará o Paraíso. Esse jardim é o coração do místico."

Outros escritores orientais também mencionam detalhes sobre o jardim. Saadi descreve o vento que se espalha pela alma, simbolizando os sopros divinos que vivificam. Em São João da Cruz, essa imagem reaparece quando ele afirma: "A alma exala o perfume de suavidade ao Amado, que nela habita".

Enquanto para os sufis os lírios são a flor do desapego, para São João da Cruz as rosas revelam as misteriosas notícias de Deus. Isso demonstra quão próximos estão os sufis dos místicos espanhóis, tornando a hipótese de Asín Palacios sobre uma fonte comum entre orientais e ocidentais ainda mais plausível.

No estudo da doutora López Baralt, encontramos o símbolo de "As raposas da sensualidade e o cabelo como gancho espiritual". O último, em São João, apresenta reflexos da literatura sufista, embora seja evidente que a principal inspiração tenha sido o Cântico dos Cânticos. Para São João, as raposas representam os apetites sensuais da alma, uma interpretação que coincide com os sufis, que associam as raposinhas aos desejos carnais do espírito.

O motivo do cabelo como "gancho" espiritual também provém do Cântico dos Cânticos e é retomado por autores como Luís de León, que reconhece os cabelos como "um laço e cadeia que prendem o próprio rei Salomão". Na literatura oriental, o cacho de cabelo é descrito como um gancho, conforme afirmam os místicos Ibn Arabi e Sabastari.

Passando a Santa Teresa de Jesus, López Baralt identifica seis símbolos que apresentam afinidades com a imaginação muçulmana. Dentre eles, destacam-se "O bicho-da-seda" e "Os sete castelos concêntricos da alma".

O primeiro símbolo pode ter origem no mundo oriental, considerando que os árabes introduziram o bicho-da-seda na Andaluzia. O artigo menciona o místico persa Rumi (século XIII) como um dos grandes elaboradores dessa metáfora. É provável que Santa Teresa tenha conhecido esse símbolo oralmente, em conversas com pessoas que trabalhavam com seda, um produto comum na sociedade do século XVI.

O segundo símbolo, que compara a alma a um castelo a ser defendido contra os inimigos, pertence a uma tradição cristã anterior a Santa Teresa, como nas obras de São Bernardo de Claraval, Ludolfo da Saxônia, Raimundo Lúlio, Bernardino de Laredo e Francisco de Osuna. Contudo, no contexto do possível influxo muçulmano na simbologia mística cristã, Asín Palacios aponta para Ahmad Al-Ghazali e sua obra Sobre a Desnudação Espiritual, que menciona "círculos concêntricos". Trata-se de uma compilação anônima de pensamentos religiosos, destacando os sete castelos: "Dentro deles está Deus, e fora, Satanás, que ladra como um cão".

López Baralt encontrou um esquema simbólico semelhante aos sete castelos concêntricos da alma descritos por Santa Teresa em As Moradas. Esse esquema aparece na obra Moradas dos Corações, de Abul-Hasan al-Nuri de Bagdá (século IX). Tal obra pode ter iniciado uma tradição que se desenvolveu do século IX ao XVII. Teria Santa Teresa conhecido essa fonte? Não há provas conclusivas, mas os indícios apresentados são consistentes e dignos de consideração.