O CARMELO DESCALÇO E O ESOTERISMO: PARTE 2 - O Castelo Interior ou Moradas de S. Teresa D'Ávila
05/01/2025
Autora: Julienne McLean
Tradução: Prof. Gabriel Sapucaia
Rumo à União Sagrada: A Jornada Mística da Alma
Prefácio
Gostaria de apresentar os escritos espirituais, experiências e orientações da santa e mística cristã, Santa Teresa de Ávila, que viveu na Espanha do século XVI. Meu objetivo é explorar seus escritos sob várias perspectivas inclusivas.
Primeiramente, buscarei situar alguns de seus escritos em um amplo contexto espiritual e histórico, a fim de demonstrar conexões e inter-relações entre as tradições místicas cristã, sufista e judaica. Em segundo lugar, abordarei com certo detalhe os escritos de Santa Teresa sobre as sete moradas da alma, contidos na obra-prima mística O Castelo Interior, escrita no final de sua vida.
A busca do místico pela união com Deus tem sido tradicionalmente simbolizada por uma jornada ou passagem por sete câmaras interiores – expressas como moradas, estações, palácios ou salões – que sempre fizeram parte de um padrão mais abrangente de simbolismo religioso adotado por cristãos, judeus e muçulmanos ao longo da história.
Cada tradição mística fala sobre a "jornada em Deus" – do intenso anseio por Deus e da devoção da alma a Ele – de entrega e purificação, de renúncia e abandono resolvidos na união pelo Amor. Diz-se que todos os místicos se reconhecem mutuamente porque vêm do mesmo país. Contudo, por trás da multiplicidade de formas religiosas, ideias e expressões dessa jornada, há apenas um Deus e apenas uma "jornada em Deus".
Há conexões e semelhanças notáveis entre as experiências, ideias e escritos de Santa Teresa e as tradições místicas judaica e sufista. Para explorar algumas dessas conexões, será útil examinar a fase inicial da tradição mística judaica conhecida como tradição Merkabah, juntamente com trechos do Zohar, que pertencem à tradição cabalística medieval, a respeito dos sete Salões do Céu. Em seguida, farei referência a escritos iniciais dos místicos e poetas sufistas sobre as sete estações do coração.
Tradição Merkabah
Na tradição mística judaica, desde os tempos antigos – através da tradição Merkabah e Hekhalot até a Cabala medieval e aos dias atuais – há um tema constante que se refere ao místico que viaja até o Trono de Deus por meio do reino mitológico ou espiritual dos sete céus.
A fase mais antiga do misticismo judaico, antes de sua cristalização na Cabala medieval, é a mais longa – do século I a.C. ao século X d.C. – e é conhecida como tradição Merkabah, misticismo do Carro ou do trono. Ela se desenvolveu a partir de especulações sobre as visões proféticas do Antigo Testamento, principalmente em Gênesis, Ezequiel, Isaías e Reis. Tipicamente, durante esse período inicial, o visionário ou místico era levado ao reino celestial e percebia o Santo ou Rei Divino sentado em um trono, sustentado por um carro em um firmamento de cristal, cercado por fogo, pelos querubins e pelas quatro criaturas viventes.
A primeira apresentação abrangente da mística Merkabah, ou do Carro, está contida nos escritos visionários conhecidos como os livros Hekhalot. Essa literatura, datada do século III ao X, elabora os temas essenciais das visões proféticas do Antigo Testamento. Principalmente, baseia-se nos primeiros capítulos de Gênesis e Ezequiel. Esses escritos visionários consistem em descrições de certos hekhalot, ou salões ou palácios celestiais.
O desejo mais profundo do místico era alcançar esse reino, durante a ascensão aos céus, para contemplar o esplendor da Shekinah e a majestade do Santo. O gnóstico, ou místico, percorria uma série de sete câmaras, ou palácios, concebidos como uma série de círculos concêntricos, e na sétima e mais interior câmara encontrava o trono da Glória Divina de Deus.
Tradição Cabalística
Os séculos XII e XIII foram o período formativo para o crescimento criativo da Cabala, particularmente na Espanha e na Provença. O Zohar – o grande comentário místico e espiritual judaico que epitomiza a Cabala espanhola – foi compilado no final do século XIII por Moisés de Leon, mas é geralmente aceito como obra de vários autores. Os autores do Zohar basearam-se em uma ampla gama de fontes e certamente fizeram referência a materiais provenientes do fluxo anterior do misticismo judaico, que é reavaliado e reinterpretado.
O Zohar é escrito em forma pseudo-epigráfica, descrevendo os ensinamentos do Rabino Simeão ben Yohai, que viveu na Palestina no século II. No texto, a experiência visionária é colocada na boca do mestre que, ao libertar momentaneamente sua alma do corpo, experimentou uma magnífica revelação na forma dos sete Palácios do Paraíso, juntamente com seus contrapartes, os Sete Palácios do Inferno. O que é revelado é um sistema que se baseia nos ensinamentos anteriores de Hekhalot para seu simbolismo essencial, ao mesmo tempo que mostra a influência da tradição cabalística em desenvolvimento e as novas ideias sobre o mistério do carro.
É muito evidente no texto o movimento de afastamento das preocupações sobrenaturais ou mágicas dos escritos anteriores da tradição Merkabah, com maior ênfase na oração, meditação, contemplação mística e no desenvolvimento de qualidades éticas e morais, frequentemente mencionadas como pré-requisitos para a compreensão dos segredos dos sete palácios.
É dito que as orações de uma pessoa justa e sincera são levadas de um palácio ou morada para o próximo pelos serafins, até serem apresentadas diante do Rei dos Reis e transformadas em joias para sua coroa. No Zohar, os sete salões são habitados por hostes de espíritos, luzes, rodas, serafins e anjos, que irradiam Luz e estão interligados. Os salões celestiais atuam como uma espécie de ponte entre as forças de emanação e o cosmos material. O objetivo dos palácios celestiais é preservar a Shekinah, cuidando tanto dos mundos superiores quanto do nosso próprio mundo.
No Zohar, o Primeiro Salão do Céu é descrito como um "pavimento de safira sob Seus pés", onde se diz que sua "Luz, que nunca repousa, é como a luz do sol na água, que ninguém pode dominar, exceto pela devoção que o justo demonstra na oração que adentra o salão." O Segundo Salão do Céu é chamado de essência do Céu, ou o Resplendor. O Terceiro Salão do Céu é descrito como o mais claro e puro dos salões inferiores, sendo chamado de Salão do Esplendor. O Quarto Salão é o Salão do Mérito. O Quinto Salão é o Salão do Amor, que, segundo o texto, "tem existência perpétua e está oculto no mistério dos mistérios para aquele que precisa nele se apegar." O Sexto Salão é o Salão da Benevolência (Tishby, 1949, p. 597–611).
O Zohar descreve o Sétimo Salão Celestial como sendo:
"sem forma visível, sendo o mais elevado e misterioso de todos, envolto por um véu que o separa de todas as outras esferas e mansões... É então que todos os espíritos, como luzes menores, se fundem com a grande luz divina e, ao adentrarem o véu do Santo dos Santos, são inundados pelas bênçãos que dele procedem como águas de uma fonte inesgotável e sempre fluente. Nesta mansão está o grande Mistério dos Mistérios, o mais profundo, mais sublime e além de toda a compreensão e entendimento humanos, a Vontade eterna e infinita." (Green, 1989, p. 92).
Em contraste com o objetivo dos primeiros místicos da tradição Merkabah, a condição ideal agora buscada pelo místico era uma união amorosa ou comunhão com a Divindade, uma fusão harmoniosa das vontades humana e Divina, culminando em êxtase e simbolizada pelo "Beijo de Amor." Este "Beijo," que une a alma a Deus, é geralmente atribuído ao sétimo palácio e é dito ser de tal intensidade que pode levar a alma a deixar o corpo e unir-se a Deus, chegando até a causar a morte física.
Santa Teresa também fala de experiências extáticas intensas em que a alma parece ser arrebatada do corpo e elevada à comunhão com a Divindade; e caracteriza essas experiências como traumáticas o suficiente para envolver o perigo de morte. Santa Teresa também descreve, assim como o Zohar, o Beijo com o qual o Rei Divino consuma o Matrimônio Espiritual na sétima morada de seu "castelo interior."
Tradição Sufi
Há uma longa tradição na literatura mística islâmica de descrever a experiência religiosa em termos de sete castelos concêntricos. Muitos textos, alguns datando do século IX, utilizam essa imagem, que em alguns casos apresenta semelhanças impressionantes com as sete moradas de Santa Teresa.
No século XVI, um desses textos é o livro místico conhecido como Nawadir, uma compilação de histórias e pensamentos religiosos atribuídos a Ahmad al-Qalyubi, onde são descritos sete castelos, cada um dentro do outro. Nesse texto, a alma que aspira à contemplação é concebida como se movendo ou evoluindo por sete graus de perfeição, que se assemelham a castelos ou moradas concêntricas, e no sétimo e mais interior habita Deus, onde a união extática é alcançada. No Nawadir, os castelos são descritos da seguinte forma:
"Deus colocou para cada filho de Adão sete castelos, dentro dos quais Ele está, e fora dos quais Satanás ladra como um cão. Quando o homem permite que uma brecha seja aberta em um deles, Satanás entra por ela. O homem deve, portanto, vigiar com o maior cuidado e guardar os castelos, especialmente o primeiro deles, pois enquanto este permanecer íntegro e firme em seus alicerces, não há mal a temer. O primeiro dos castelos, que é de pérola branquíssima, é a mortificação da alma sensível. Dentro dele, há um castelo de esmeralda, que é a pureza e a sinceridade de intenção. Dentro deste, há um castelo de porcelana brilhante e reluzente, que é a obediência aos mandamentos de Deus, tanto os positivos quanto os negativos. Dentro deste castelo, há um castelo de rocha, que é a gratidão pelos dons Divinos e a entrega à vontade Divina. Dentro deste castelo, há ainda outro, de ferro, que é entregar tudo nas mãos de Deus. Dentro deste, há um castelo de prata, que é a fé mística. E dentro deste, há um castelo de ouro, que é a contemplação de Deus – glória e honra a Ele! Pois Deus – louvado seja! – disse: 'Satanás não tem poder sobre aqueles que creem e confiam em Deus.'" (Lopez – Baralt, 1992, p. 108).
O documento sufi mais antigo a apresentar tratados sobre os sete castelos concêntricos data do século IX. É o Maqamat al-qulub ou "Estações do Coração", de Abu l-Hasan Nuri de Bagdá. Nesse texto, Nuri ilustra o caminho que a alma deve percorrer para alcançar Deus e emprega o símbolo dos sete castelos concêntricos para fazê-lo. É extraordinário como Nuri prefigura precisamente o Nawadir e utiliza metáforas religiosas semelhantes às que Santa Teresa elaboraria oito séculos depois. Em ambos, o caminho místico da alma é concebido como as sete moradas ou câmaras sucessivas representadas por castelos ou mansões concêntricos, onde, nos estágios iniciais, a alma aspirante é mortificada até que o castelo ou mansão mais interior seja alcançado, onde Deus é finalmente possuído. Aqui, Nuri descreve "Os Castelos do Coração do Crente":
"Sabei que Deus – louvado seja! – criou no coração dos crentes sete castelos cercados por muralhas. Ele ordenou que os crentes habitassem dentro desses castelos e colocou Satanás do lado de fora, latindo para eles como Deus ladra. O primeiro castelo fechado é de coríndon e é o conhecimento místico de Deus – louvado seja! – e em torno desse castelo há um castelo de prata, que é a fidelidade em palavra e ação; e em torno desse castelo há um castelo de ferro, que é a entrega à vontade divina – bendita seja a Divindade! – e em torno desse castelo há um castelo de bronze, que é o cumprimento dos mandamentos de Deus – louvado seja! – e em torno desse castelo há um castelo de alúmen, que é guardar os mandamentos de Deus, tanto os positivos quanto os negativos; e em torno desse castelo há um castelo de argila cozida, que é a mortificação da alma sensível em cada ação." (Lopez – Baralt, 1992, p. 111–112).
No século XII, o famoso poeta místico persa Farid ad-din Attar escreveu sobre os sete vales do Caminho em seu poema épico A Conferência dos Pássaros. Attar descreveu os estágios enfrentados pelo peregrino em sua "jornada em Deus", o que, novamente, revela semelhanças notáveis com as descrições de outros mestres e místicos. Ele descreveu como uma jornada extremamente perigosa – "De todo o exército que partiu, quantos poucos sobreviveram... nem um em cada mil almas chegou – em cada cem mil, uma sobreviveu" ('Attar, 1984, p. 214).
O primeiro estágio é o Vale da Busca; o início da purificação interior, da busca e da renúncia ao "mundo, ao poder e a tudo o que se possui" (ibid., p. 167). O Vale do Amor segue, onde ele descreve um desejo mais profundo, uma entrega e um ardor interior no coração do peregrino – "O amante é um homem que arde e queima, cujo rosto está febril, que em frenesi anseia." As faculdades da mente e da razão sozinhas são cada vez mais frustradas – "O amor aqui é fogo; sua espessa fumaça nubla a mente – quando o amor chega, o intelecto foge" (ibid., p. 172).
O terceiro estágio é o Vale da Compreensão do Mistério. Essa apreensão mais profunda dos mistérios espirituais, enfatiza Attar, é diferente para cada peregrino, dependendo de "suas qualidades e estado específicos." Barreiras interiores e véus começam a ceder, abrindo caminho para uma percepção e discernimento espirituais mais profundos, de modo que "quando a luz do Sol da Verdade clareia o ar superior, cada peregrino vê que é bem-vindo lá" (ibid., p. 180). O Vale do Desapego vem em seguida, onde há uma separação crescente das identificações e apegos mundanos. Attar escreve sobre uma entrega e renúncia ainda maiores do Eu a Deus, onde "todas as pretensões, toda luxúria por significado desaparecem" e uma perspectiva muito mais grandiosa e universal da vida emerge – "se todas as estrelas e céus viessem à ruína, seriam como a queda de uma folha seca" (ibid., p. 185).
O Vale da Unidade é então atravessado.
Por meio de uma longa renúncia e transformação interior, a diferença e a diversidade parecem se dissolver – "os muitos aqui se fundem em um; uma forma envolve o multifário e denso enxame" (ibid., p. 191).
O sexto vale é o Vale da Perplexidade. Aqui, a plenitude do Amor domina o coração do peregrino de forma ainda mais completa, deixando-o ainda mais confuso e incerto – "meu coração está vazio, mas cheio de Amor; meu próprio amor é para mim incrível" (ibid., p. 197).
O local final é o Vale da Pobreza e do Nada, onde o peregrino está "manco e surdo, a mente se foi; você entra em um esquecimento obscuro" que "as palavras não podem expressar" (ibid., p. 203). Ele escreve que "Aquele que se afunda neste mar é abençoado e, na perda de si mesmo, alcança o descanso eterno" (ibid.) e conclui:
Primeiro, perca a si mesmo, depois perca
esta perda e então
Retire-se de tudo o que
perdeu novamente –
Vá em paz e
progrida passo a passo
Até alcançar os reinos
do Nada;
Mas, se você se apegar a qualquer
traço mundano,
Nenhuma notícia chegará a você
daquele lugar prometido.
('Attar, 1984, p. 205)
Santa Teresa de Ávila
Agora pretendo explorar os escritos de Santa Teresa sobre as sete moradas da alma, contidos em O Castelo Interior. Esta foi sua obra mais madura sobre a vida mística, e ela a considerava a melhor. É nesta obra que Teresa fala com maior autoridade sobre suas próprias experiências interiores e discorre sobre espiritualidade com uma segurança e maturidade que não se encontram em seus outros escritos. Parece haver muitos elementos comuns com as tradições místicas judaica e sufista, no que diz respeito à expressão da jornada mística como uma passagem por sete câmaras interiores do coração e da alma.
Em primeiro lugar, gostaria de fornecer alguns detalhes pessoais de sua vida para situá-la em um contexto histórico. Teresa era de ascendência judaica, sua família paterna originária de Toledo. Ela nasceu em 1515, em uma família nobre castelhana, e faleceu em 1582. Canonizada quarenta anos após sua morte, foi conhecida popularmente em vida como a Santa Madre. Sua criação foi típica para uma mulher de sua família e posição: frequentou uma escola de convento e foi chamada para a vida religiosa desde cedo, ingressando em um convento carmelita aos 21 anos.
Teresa considerava parte de seu destino reformar a Ordem Carmelita. Muitas ordens religiosas, em meados do século XVI, estavam se tornando cada vez mais decadentes, com maior interesse e apego ao status social e econômico do que à vida espiritual mais profunda. Era a véspera da Reforma e o início de mudanças religiosas massivas em toda a Europa.
Aos 46 anos, após 20 anos em um mosteiro carmelita, Teresa iniciou suas reformas fundando a ordem dos Carmelitas Descalços. Isso envolveu grandes dificuldades, exigindo profunda fé e confiança na ajuda e orientação divina, sendo auxiliada por São João da Cruz. Essencialmente, foi um retorno aos ideais e práticas originais dos eremitas do Monte Carmelo, na Galileia: uma vida mais rigorosa de oração, solidão e simplicidade na vida espiritual.
O Castelo Interior
Sua obra-prima mística, O Castelo Interior, foi escrita em 1577, cinco anos antes de sua morte. Ela foi ordenada a escrevê-la por seus confessores, contra sua vontade. Originalmente, era destinada apenas às mulheres de sua própria ordem e foi escrita ao longo de três meses no mosteiro dos Carmelitas Descalços em Toledo.
Santa Teresa descreve o progresso espiritual entre as sete moradas que, em resumo, representam três principais estágios na vida de interiorização e oração.
- As três primeiras moradas concentram-se no que podemos fazer para nos mover em direção às moradas interiores onde Deus habita – crescer no amor ao próximo, renunciar ao julgamento dos outros, buscar o autoconhecimento, praticar a humildade e interiorizar o desejo por Deus.
- A quarta morada é um estágio de transição, onde a alma começa a responder ao toque divino e Deus começa a tomar o controle.
- As moradas mais interiores são onde Deus purifica progressivamente a alma à Sua semelhança, culminando no estado de matrimônio espiritual.
Este percurso místico reflete sua profunda fé e experiência, tornando-se um legado espiritual que transcende gerações, inspirando aqueles que buscam uma relação mais íntima com Deus.
Primeira Morada
Santa Teresa descreve a alma como um "castelo feito de um único diamante, ou de um cristal muito claro, no qual há muitos quartos, assim como no Céu há muitas moradas" (Santa Teresa, 1946, p. 201).
A primeira morada é a morada da devoção, onde a alma começa a despertar para a vida espiritual por meio da devoção, do desejo por Deus e do despertar do amor nas profundezas do coração. Nesses primeiros estágios da jornada mística, Teresa constantemente enfatiza a importância da humildade, do autoconhecimento, da oração, da reflexão e da meditação.
O autoconhecimento é o crescimento lento e meticuloso da consciência sobre nosso estado físico, emocional e psicológico, assumindo responsabilidade por ele. Ela discute as enormes dificuldades, obstáculos e resistências que surgem nesses estágios iniciais: o afastamento das aparências e dos sentidos físicos, do que pode ser visto e ouvido externamente, rumo à vida interior de renúncia.
A primeira morada é o início do afrouxamento de milhares de apegos e identificações do ego, levando ao enfrentamento de mentiras internas, enganos, dúvidas e confusões. É o lugar de relembrar de onde viemos, para onde estamos indo e despertar para uma dimensão diferente da Existência. Não é um processo intelectual.
É o despertar do amor e da relação com a totalidade da criação como uma força vital consciente. É essencial, nesses primeiros estágios, manter-se próximo a professores e mentores espirituais. A alma ainda não é forte o suficiente nas moradas exteriores para se defender sozinha; ela precisa de proteção, orientação e do cultivo da esperança e da fé.
Segunda Morada
A segunda morada é a morada da purificação. É o lugar do lento morrer do pequeno eu, ou ego pessoal, para que uma perspectiva mais universal possa crescer. É uma zona invisível, frequentemente experimentada como um abismo, mas que é a janela para outra dimensão. É um lugar de abandono, de desapego, de perseverança e da necessidade constante de maior humildade. Frequentemente é vivenciada como uma morte do ego, ou noite escura da alma, e pode ser extremamente dolorosa. Não é possível embarcar nessa jornada sem a sensação de estar se tornando mais leve e deixando para trás toda bagagem desnecessária.
Teresa enfatiza a necessidade fundamental de trabalhar com companheiros – seja em grupo ou em comunidade. Não é possível fazer essa jornada sozinho. Grande parte do processo de purificação ocorre em nossos relacionamentos com os outros e com o mundo externo. Nesta morada, a alma experimenta maior separação e exílio de Deus, mas, de fato, está em menos perigo do que em outros estágios. Quanto mais a alma busca seu Divino Esposo, mais Ele a busca e a chama para Si.
A alma desenvolve uma compreensão e esperança crescentes porque este é o início de uma experiência interior direta e da renúncia a Ele. A alma agora entrou no caminho espiritual e se depara com toda a sua vida, enfrentando e reconhecendo todos os aspectos de sombra e escuridão. Há uma completa reavaliação da vida e de todos os valores internos, sendo necessária uma perspectiva muito mais objetiva e honesta sobre si mesma e sobre a vida.
Terceira Morada
A terceira morada é a morada da sinceridade, onde a alma está em jornada e sendo testada cada vez mais profundamente. Os testes interiores tornam-se mais sutis e menos baseados em aparências e no que o mundo exterior pode ver. Esses testes são fundamentados na maturidade psicológica e espiritual, na sinceridade da alma e na sua determinação em continuar a jornada. A crescente disposição para se entregar, desapegar e confiar na Vontade e Providência Divinas faz parte desse processo. A força desse desejo e a firmeza da decisão são os principais critérios para cruzar o limiar com sucesso. A alma é pura e sincera em sua vida emocional e espiritual na medida em que sente sua nulidade, ignorância e completa dependência de Deus.
Quarta Morada
Aqui encontramos a morada da transição e transformação, onde Deus começa a assumir o controle. A alma começa a experimentar algo muito diferente, como se estivesse sendo arrebatada para um mundo distinto, para algo totalmente Outro, que ocorre sem esforço e apenas pela graça.
Teresa enfatiza o combustível essencial para essa jornada. Ela afirma que as faculdades racionais devem diminuir à medida que a capacidade de amar e ser amado aumenta. É importante entender que não se trata de um amor pessoal, mas de outro nível de Amor – o amor por Deus, pela nossa fonte divina do Ser, que é a constante origem de transformação em nossa vida interior.
Esse processo intenso de transformação pode gerar muitas sensações diferentes. Frequentemente, há um senso de profunda alegria e êxtase, mais poderoso e interno do que qualquer outra coisa já sentida; sentimentos de amor profundo podem brotar da essência do ser, ou uma sensação de intoxicação, de total e completo assombro.
Teresa usa a famosa metáfora das águas celestiais para descrever esses estados de Ser. Ela nos conta como essas águas espirituais fluem das moradas mais interiores, de Deus:
"Quando essa água celestial começa a fluir desta fonte de que estou falando – ou seja, das nossas profundezas mais interiores –, ela se espalha dentro de nós, causando uma dilatação interior e produzindo sentimentos inefáveis, de forma que a própria alma não consegue compreender tudo o que recebe ali. A fragrância que experimenta, poderíamos dizer, é como se, nessas profundezas interiores, houvesse um braseiro onde se lançassem doces perfumes; a luz não pode ser vista, nem o lugar onde ela habita, mas a fumaça perfumada penetra toda a alma e, muito frequentemente, os efeitos se estendem até o corpo. Observe – e compreenda-me aqui – que nenhum calor é sentido, nem fragrância percebida: é algo mais delicado que isso. Só o descrevo dessa forma para que possa ser entendido." (Santa Teresa, 1946, p. 238)
O Espírito Santo está se dissolvendo e sendo infundido no centro da alma, algo que ocorre fora do tempo e espaço ordinários. É o início do Esponsal do Espírito com a alma. Não é possível compreender o que está acontecendo apenas com faculdades psicológicas comuns, pois tudo parece paradoxal e milagroso. O centro de gravidade da alma começa a ser absorvido em outro nível de Ser e conhecimento, tornando-se cada vez mais centrado em uma perspectiva universal e na vida espiritual maior.
Teresa sempre testava a sinceridade e autenticidade das experiências espirituais, enfatizando a necessidade de discernimento constante e auto-observação, com a intenção consciente de agir retamente.
Quinta Morada
A quinta morada é a da santidade. Os escritos de Teresa sobre esta morada ocupam quase metade de O Castelo Interior, devido à orientação espiritual cuidadosa e aos conselhos necessários nesses estágios mais profundos. A transformação interior torna-se mais intensa e profunda, à medida que nosso coração se rende ainda mais para ser infundido e penetrado pela Luz Radiante e Presença Divina. Teresa descreve isso como uma "morte deliciosa, um arrebatar da alma de todas as atividades que pode realizar enquanto está no corpo, uma morte cheia de deleite, pois, para se aproximar de Deus, a alma parece ter-se afastado tanto do corpo que não sei se tem vida suficiente para conseguir respirar" (Santa Teresa, 1946, p. 248).
Teresa fala das enormes dificuldades de lidar, às vezes, com a intensidade de tal transformação e mudança interior, especialmente no esforço de conter ou sustentar essas experiências, quando as águas espirituais transbordam e encontram um ego e corpo frequentemente frágeis e vulneráveis. É muito difícil compreender ou ter qualquer perspectiva sobre o que realmente está acontecendo até que o processo tenha sido concluído, pois a profundidade do coração está em outra dimensão, no reino espiritual do Ser. Pode ser descrito apenas como um caso de amor muito intenso, de pura alegria, reverência e liberdade, onde cada célula do nosso ser está se unindo e conectando às células de um Ser maior.
Quais são as características de uma verdadeira experiência mística? Teresa sugere vários indicadores. Ela afirma que permanece uma certeza absoluta depois, o que só é possível se houver uma experiência direta de Deus. Tal experiência carrega um peso de autoridade e poder ao longo do tempo, impossível de esquecer. É como se algo fosse queimado ou permanentemente impresso no ser, mudando tudo. A experiência psicológica e a imaginação não podem proporcionar a profundidade de transformação e reverência que o contato com o Espírito Santo confere. Há uma grande paz interior e alegria, juntamente com um senso de humilde gratidão por ter sido grandemente abençoado.
Ela diz que não é possível entrar nesses reinos espirituais apenas com nosso esforço. Nossa vontade está sendo rendida à Vontade Divina, algo concedido pela graça e providência. Nosso coração está mudando completamente, tornando-se mais vazio, amplo, humilde e com uma perspectiva mais universal.
Teresa usa a famosa metáfora do bicho-da-seda para descrever a transformação espiritual. A alma, em seu estado latente e adormecido, é como um bicho-da-seda que passa por morte e renascimento em um lugar escuro e envolto por um casulo por muito tempo, até ser transformada em uma nova espécie, uma borboleta, em um nível completamente diferente de Ser. Não se pode subestimar o quanto de dor, agonia e sofrimento – frequentemente acompanhados de grandes dificuldades, solidão e renúncia – é experimentado nesse processo de morte e renascimento.
Sexta Morada
Teresa escreveu mais de 60 páginas sobre a sexta morada da santificação. Nelas, aborda os crescentes testes, provações, obstáculos e oposições, internos e externos, que se tornam mais fortes e, ao mesmo tempo, mais sutis, exigindo discriminação constante. A severidade e intensidade de tais provas não podem ser subestimadas – todos os místicos falaram sobre perseguições, zombarias, doenças graves e solidão intensa nesses momentos. A necessidade de vigilância, cautela e atenção é constante.
Ela fala longamente, com paixão, sobre o Amor Divino de Deus pela alma e da necessidade de renúncia por parte da alma a esse grande Amor que o Santo tem por sua Esposa. Muitos místicos falam de se sentirem quebrados, feridos no coração, enquanto outros descrevem estarem em chamas, com um fogo queimando por todo o seu ser, ou de serem atravessados no coração por raios de luz cegante.
O Amor Divino desperta a alma por meio de seus sentidos interiores, não pelos sentidos físicos exteriores. A alma começa a ver Deus por meio da visão interior, a ouvir Seu chamado Divino ou a perceber aquele delicado sabor interior, o doce perfume do Espírito Santo. A alma é desposada pelo Santo de diferentes maneiras. A graça espiritual é concedida pelo Espírito Santo como um sinal do Esponsal, preparando-a para se tornar Sua Esposa. É um Caso de Amor com o Divino – inexplicável, misterioso e compreendido de maneiras incompreensíveis.
A sexta morada, então, é o lugar da santificação, o lugar do angelical, da música das esferas. Para os imaturos, despreparados e ingênuos, é um lugar imponente e aterrorizante. Aqui, Teresa diz, são necessários grande coragem, fé, confiança e uma renúncia e entrega ainda mais profundas à Vontade Divina para entrar nesses reinos. Ela também enfatiza a importância vital de um ritmo físico e emocional diário na vida ordinária para sustentar e suportar com segurança tais estados interiores de transformação.
Sétima Morada
Teresa escreve que a sétima e mais interior morada é diferente de todas as anteriores. É o estado de união mística, de gnose direta. No âmago de nosso coração, não há separação entre a Luz radiante que emana do Santo e todo o nosso ser. Eles estão fundidos, derretidos em Um só. Ela afirma que o matrimônio espiritual "poderia ser comparado à água que cai do céu em um rio ou fonte, onde as águas estão unidas, e não seria mais possível separá-las ou dividir a água do rio daquela que caiu dos céus. Ou como um pequeno riacho que deságua no mar – não há possibilidade de separá-los." (Santa Teresa, 1945, p. 109).
É como se o coração ouvisse e percebesse diretamente, sendo infundido pelos recônditos mais profundos dos mistérios de Deus e pelo esplendor de Sua Luz Divina. Teresa declara que "esses são os toques de Seu Amor, tão suaves e penetrantes. Quando você recebe esses impulsos, lembre-se de que eles vêm desta morada mais interior onde Deus habita em nossa alma, e louve-O grandemente, pois certamente esta mensagem ou ordem do Rei é Sua própria, escrita com tanto amor e de uma maneira que revela Seu desejo de que você, somente você, leia a escrita e saiba o que Ele está pedindo de você" (Santa Teresa, 1945, p. 113).
Nesse estado de União, tudo ocorre sem esforço e no Silêncio, onde Teresa descreve sua própria experiência: "Aqui, o entendimento não precisa se agitar nem buscar por mais nada; o Senhor, que o criou, deseja agora que ele descanse, e apenas por uma pequena fresta observe o que está passando na alma. Esta visão pode ser perdida às vezes, ou pode ser permitido vê-la, mas apenas por um intervalo muito curto, porque os poderes e faculdades estão agora suspensos; simplesmente não estão funcionando, mas permanecem como que maravilhados." (Santa Teresa, 1945, p. 114).
O matrimônio espiritual é consumado com o Beijo que une a alma a Deus: "Deus concede esses estados sublimes e íntimos interiores quando Ele liga a alma a Si mesmo, com aquele Beijo que a noiva pede."
Ela conclui seu tratado espiritual com palavras finais de sabedoria:
*"Não construam torres sem alicerces, pois o Senhor não considera tanto a grandeza de nossos feitos, mas o Amor com que são realizados, e quando fazemos tudo o que podemos, Sua Majestade tornará possível que façamos mais e mais.
Embora eu tenha descrito não mais do que sete moradas, em cada uma delas há muitas – abaixo, acima e aos lados – com fontes encantadoras, jardins e coisas tão deleitáveis, que você desejará gastar-se em louvar o grande Deus, que criou a alma à Sua imagem e semelhança."*
(Santa Teresa, 1945, p. 120-121).
Referências
- Attar, Farid ad-din. (1984). Conference of the Birds. Tradução de Davis e Darbandi. Londres: Penguin.
- Green, D. (1989). Gold in the Crucible. Reino Unido: Element.
- Lopez-Baralt, L. (1992). Islam in Spanish Literature: From the Middle Ages to Present. Leiden: E.J. Brill.
- Teresa de Jesus, Santa. (1946). Complete Works of Saint Teresa of Jesus, Volume 2. Tradução e edição de E. Allison Peers. Londres: Sheed and Ward.
- Teresa de Jesus, Santa. (1945). The Interior Castle. Tradutor Anônimo. Londres: Sands and Co.
- Tishby, I. (1949). The Wisdom of the Zohar: An Anthology of Texts. Oxford: Oxford University Press.
© Julienne McLean