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O CARMELO DESCALÇO E O ESOTERISMO: PARTE 16 - Teresa de Ávila e a Mística Hebreia

10/02/2025

Autor: José Verdu
Tradução: Prof. Gabriel Sapucaia

Teresa de Ávila, o Talmude e a Mística Hebraica

Las Moradas (O Castelo Interior) é a obra mística de Santa Teresa de Jesus na qual ela descreve os estágios pelos quais a alma deve passar para alcançar a união com a divindade.

Concluída em 1577, Las Moradas foi a última obra escrita por Santa Teresa de Jesus. O livro foi redigido a pedido de seu discípulo Jerónimo Gracián, durante o período em que ela se refugiou em Toledo, fugindo da perseguição dos Carmelitas Calçados. Baseando-se em sua própria experiência espiritual, a religiosa explica as sete etapas (moradas) que a alma deve atravessar para alcançar um verdadeiro encontro com a divindade. A alma é descrita como um castelo de cristal ou diamante, no qual se entra por meio da oração, passando de uma morada a outra.

Teresa de Ávila, cujo nome de nascimento era Teresa Sánchez de Cepeda Dávila y Ahumada, costumava assinar apenas como Teresa de Ahumada até iniciar sua reforma religiosa, quando passou a se chamar Teresa de Jesus.

Seu pai, Alonso Sánchez de Cepeda, descendia de uma família judia convertida (judeoconversa). Alonso teve duas esposas. Com a primeira, Catalina del Peso y Henao, teve dois filhos: María e Juan de Cepeda. Com sua segunda esposa, Beatriz Dávila y Ahumada (parenta de várias famílias nobres de Castela), que faleceu quando Teresa tinha cerca de 12 anos, teve outros dez filhos: Hernando, Rodrigo, Teresa, Juan (de Ahumada), Lorenzo, Antonio, Pedro, Jerónimo, Agustín e Juana.

Os escritos e experiências de Santa Teresa de Ávila sobre as sete moradas da alma encontram paralelo na tradição mística judaica. No Zohar (Livro do Esplendor), essa concepção aparece como Os Sete Recintos Celestiais, que representam os sete estados espirituais do mundo de Beriah do Coração. O Zohar foi escrito por Moshé ben Sem Tob de León (1240-1305), rabino e filósofo, sendo uma das obras centrais da mística judaica. Moisés de León, em 1295, deixou de viajar e se estabeleceu em Ávila, residindo na casa do rico e influente Yuçaf de Ávila. Foi ali que encontrou a tranquilidade necessária para concluir a redação do Zohar, onde permaneceu até sua morte, ocorrida em 1305, na cidade vizinha de Arévalo, para onde havia viajado a fim de se encontrar com outro teólogo hebreu.

Santa Teresa era de ascendência judaica. Seu avô foi um judeu convertido de Toledo, processado pela Inquisição e julgado por apostasia em 1485, pouco antes da expulsão dos judeus da Espanha. Essa herança judaica pode ter influenciado sua obra Las Moradas, uma vez que diferentes textos do Talmude mencionam ensinamentos sobre sete céus e sete terras.

Essas tradições judaicas descrevem os níveis do mundo espiritual em sete estações, sete recintos ou sete moradas. Não é surpreendente que diferentes tradições místicas utilizem imagens semelhantes para descrever a jornada espiritual. A primeira morada se relaciona com a devoção e a busca da alma; a segunda, com o processo de purificação; a terceira, com a prova de sinceridade para com Deus; a quarta, com o início da presença do Espírito Santo na alma; a quinta, com a morada da santidade; a sexta, com a morada da santificação; e a sétima, com a morada da unificação.

Este trabalho místico foi o mais importante de Santa Teresa, sua obra-prima escrita no fim da vida. Também conhecida como O Castelo Interior, a obra simboliza a alma humana e a jornada mística que percorre sete níveis do mundo espiritual, avançando da primeira à sétima morada, onde ocorre a união espiritual com Deus.

A Escola Talmúdica de Ávila

Ávila abrigou uma das mais importantes academias talmúdicas dos séculos XIII e XIV, um centro de estudos que influenciou fortemente tendências messiânicas. Foi nessa cidade que Moshé ben Sem Tob de León, rabino e sábio itinerante, se estabeleceu após viver em Guadalajara. Em Ávila, ele escreveu e revisou seu Sefer ha-Zohar (Livro do Esplendor), uma das três obras fundamentais da mística cabalística, juntamente com o Talmude e a Bíblia. O primeiro manuscrito do Zohar foi difundido a partir de Ávila.

A conexão mística entre Santa Teresa de Ávila e Moisés de León torna essa cidade um ponto de encontro entre culturas, revelando semelhanças profundas e fascinantes entre a tradição cristã e a judaica.

Moisés de León

Nascido na cidade de León, de onde deriva seu sobrenome, Moisés de León dedicou-se desde muito jovem ao estudo da religião hebraica, o que o levou a viajar constantemente pelas principais aljamas (bairros judeus) da Península Ibérica. Além disso, exerceu a função de rabino. Sabe-se, por exemplo, que residiu por algum tempo em Guadalajara.

A partir dos 30 anos, começou a publicar obras – cerca de 25 ao longo de sua vida – que se tornaram fundamentais para o judaísmo. Sua obra mais conhecida é o Livro do Esplendor (Sefer ha-Zohar), um dos textos centrais da Cabala. Trata-se de uma espécie de narrativa na qual são apresentados comentários sobre diversos trechos bíblicos. Para reforçar sua autenticidade e dar a impressão de que fora escrito por um rabino da Antiguidade, o texto foi redigido em aramaico.

No entanto, a jornada de Moisés de León pelas comunidades judaicas da Espanha também tinha um caráter apostólico e de difusão de dogma. Na época, duas correntes disputavam a interpretação do judaísmo: de um lado, os ortodoxos, que defendiam uma leitura literal das Escrituras – posição amplamente apoiada pelas classes mais ricas; de outro, aqueles que promoviam a exaltação da pobreza e da natureza como meio de aproximação com Deus, ideia mais popular entre as camadas humildes da sociedade e adotada por Moisés de León, que se tornou cidadão de Ávila por adoção.

Em 1295, ele deixou de viajar e se estabeleceu em Ávila, onde passou a residir na casa do rico e influente Yuçaf de Ávila. Foi nesse ambiente que encontrou a tranquilidade necessária para concluir a redação do Zohar. Permaneceu na cidade até sua morte, em 1305, que ocorreu circunstancialmente na cidade vizinha de Arévalo, para onde havia viajado a fim de se encontrar com outro teólogo hebreu.

Sua escolha por Ávila não foi casual. A cidade possuía uma das três comunidades judaicas mais importantes do reino, com uma população hebraica numerosa e influente, o que reduziu significativamente a perseguição que judeus sofriam em outras regiões. Além disso, o ambiente de convivência entre judeus, cristãos e muçulmanos que existia em Ávila influenciou seus escritos.

Ávila e sua Herança Judaica

Ainda hoje, Ávila preserva vestígios de seu passado judaico. Do ponto de vista urbanístico, as antigas juderías (bairros judaicos) são identificadas pelo traçado intrincado de suas ruelas estreitas. A comunidade judaica local chegou a representar cerca de 20% da população da cidade, o que fez com que se dispersassem por várias áreas. Nos últimos anos antes da expulsão, sua presença era mais concentrada ao sul, na região da Igreja de San Juan. Seus negócios, comércios e oficinas se situavam no centro da cidade, dentro das muralhas. Há registros aproximados da localização de suas sinagogas e das casas de alguns de seus rabinos. Além disso, foram preservadas inscrições judaicas e, mais recentemente, foi descoberto o cemitério judeu da cidade, que hoje é considerado a maior necrópole hebraica da Espanha.

A documentação histórica revela que, em Ávila, muitas das medidas antissemitas impostas na Península Ibérica no final da Idade Média não foram aplicadas rigorosamente. A comunidade judaica era numerosa, contava com membros influentes e mantinha boas relações de convivência. Em alguns momentos, chegaram a ser promulgados decretos que protegiam os judeus da cidade. No entanto, a crescente perseguição contra os judeus em toda a Espanha culminou no infame Edito de Expulsão de 1492, que determinou a saída de todas as comunidades judaicas do reino. Ávila preserva até hoje a única cópia oficial da ordem enviada a partir de Granada para o Reino de Castela. Com isso, a cidade perdeu uma parte significativa de sua população e de sua dinâmica social e econômica.

Como homenagem a Moisés de León, um charmoso jardim localizado junto à Puerta de la Malaventura – região onde grande parte da comunidade hebraica se estabeleceu antes da expulsão – recebeu seu nome.