XIX. OS DEMÔNIOS DO PAGANISMO ANTIGO
Na antiguidade, apenas os judeus praticavam a Religião do Verdadeiro Deus. Todas as outras nações, que a Escritura reúne sob o nome de Gentios, praticavam a religião pagã. O paganismo da gentilidade estava sob a dependência de Satanás.
Antes da vinda de Nosso Senhor à terra, Satanás exercia uma incontestável principado sobre os reinos e sobre a religião. E é com justiça que ele era chamado o Príncipe deste Mundo. São João fala daquele
"que é chamado o diabo e Satanás e que seduziu toda a terra (universum orbem)" (Apoc. XII, 9).
Não é que Deus quisesse positivamente e expressamente esse estado de coisas, mas porque Ele o tolerava, por razões misteriosas que se reúnem sob o nome de "mistério da iniqüidade". Pois há o que Deus quer, e há o que Ele tolera. Como um Deus pode tolerar o que Ele não quer? Isso se deve ao fato de Ele nos deixar nosso livre-arbítrio.
No entanto, o paganismo das nações não era uma religião homogênea. Era feito de correntes e elementos diversos, onde o principado de Satanás não pesava igualmente em todos os lugares. Os textos do Antigo Testamento nos apresentam os ídolos do paganismo, ora como representações das paixões humanas, ora como demônios divinizados.
Os ídolos são demônios divinizados. O texto mais famoso e mais formal é o seguinte:
"Todos os deuses das nações são demônios" (Sl. XCV, 5).
Poderíamos citar muitos outros trechos, talvez não tão lacônicos, mas igualmente formais. Eis alguns deles.
Conhecemos o paganismo principalmente pelas repreensões que Deus dirige ao povo judeu. Ele os repreende justamente por adorarem às vezes os ídolos das nações e dá as razões de suas repreensões:
"Os hebreus se misturaram com as nações e aprenderam suas obras. Eles serviram seus ídolos, que se tornaram uma armadilha para eles. Eles sacrificaram seus filhos e suas filhas a demônios" (Sl. CV, 35-37).
Encontramos no Deuteronômio um trecho no mesmo sentido:
"O povo de Deus abandonou o Deus que o formou e desprezou a rocha de sua salvação. Eles excitaram a inveja de Deus com deuses estrangeiros; eles o irritaram com abominações; eles sacrificaram a demônios que não são Deus, a deuses que eles não conheciam, deuses novos, que vieram recentemente, diante dos quais seus pais não tremiam" (Deut. XXXII, 15-17).
No momento da Vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, o paganismo permaneceu como havia sido desde os tempos antigos, e São Paulo dá aos ídolos a mesma definição que os livros do Antigo Testamento:
"Eu digo que o que os gentios sacrificam, eles o imolam a demônios e não a Deus. Ora, eu não quero que vocês estejam em comunhão com os demônios. Vocês não podem beber ao mesmo tempo do cálice do Senhor e do cálice dos demônios. Vocês não podem participar da mesa do Senhor e da mesa dos demônios" (I Cor. X, 20-21).
Eis um segundo texto onde o mesmo julgamento é expresso sob outra forma:
"Não vos prendais ao mesmo jugo com os infiéis. Pois qual é a sociedade entre a Justiça e a iniquidade? Ou o que tem em comum a Luz com as trevas? Qual é a concórdia entre Cristo e Belial?... Qual é a relação entre o Templo de Deus e o das ídolos?*" (II Cor. VI, 14-16).
Em seguida, São Atanásio, no século IV, ao celebrar a vitória da Religião de Jesus Cristo, ainda confirma essa assimilação dos ídolos aos demônios:
"Todas as nações abandonam os ídolos e reconhecem o Verdadeiro Deus, Pai de Cristo. Os prestígios dos demônios são destruídos e apenas o Verdadeiro Deus é adorado em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo."
Mas dissemos que a Escritura também define às vezes os ídolos dos gentios como representações das paixões humanas. De fato, o paganismo comportava uma certa construção filosófica porque havia pensadores que queriam coordená-lo. Os gentios instruídos haviam divinizado as poderosas paixões humanas e lhes haviam erguido estátuas. É por isso que o escritor sagrado pode reprovar-lhes o culto à obra de suas mãos. São Paulo, por exemplo, condena àqueles:
"que têm trocado o Deus Verdadeiro pelo engano e que têm adorado a criatura em preferência ao Criador" (Rom. I, 25).
Os profetas, muito antes, falavam da mesma maneira:
"Tu tomaste tuas joias feitas do Meu ouro e da Minha prata que Eu te tinha dado, e fizeste delas imagens de homens (paixões humanas divinizadas)... e puseste diante delas o Meu óleo e o Meu incenso" (Ez. XVI, 17-18).
O óleo e o incenso que Me são destinados, mas que tu desvias em benefício das "imagens de homens".
"A terra deles está cheia de ídolos. Eles se prostram diante da obra de suas mãos, diante do que seus dedos fabricaram" (Is. II, 8).
Agora precisamos notar que entre os "demônios" e as "paixões humanas", não há diferença. Pois as paixões são os demônios interiores do homem. E os demônios, astros errantes, não são outra coisa senão "paixões errantes". Assim, o paganismo realizava essa conivência humano-demoníaca da qual falamos. E resume-se fielmente o paganismo dizendo que ele divinizou os vícios e os adorou.
Dissemos que o paganismo não era homogêneo e que nele encontrávamos diversos correntes onde a influência de Satanás pesava de forma diferente. Deus, de fato, permanece o mestre do paganismo assim como é o mestre de tudo. Satanás é apenas um ministro. E não apenas ele é ministro, mas também é imitador de Deus. Desde então, não nos surpreendemos ao descobrir, no próprio seio do paganismo, ainda que demoníaco, uma preparação evangélica.
O mesmo São Paulo que condena a frequentação dos cultos idólatras, dando como motivo que os sacrifícios lá são oferecidos a demônios, esse mesmo São Paulo é o primeiro a reconhecer a "preparação evangélica" que se operou no seio do paganismo.
Ele sabia reprovar aos gentios o desprezo por Deus:
"...porque, tendo conhecido a Deus, não O glorificaram como Deus, nem Lhe deram graças; antes se perderam em seus vãos raciocínios, e seu coração insensato se encheu de trevas" (Rom. I, 21).
Mas São Paulo também soube, ao chegar a Atenas, compreender o que Deus tinha feito para preparar os gentios a receber a evangelização:
"Paulo, em pé no meio do Areópago, disse: Athenienses, em tudo vejo que sois notavelmente religiosos. Pois, passando e olhando o que é do vosso culto, encontrei até um altar com esta inscrição: Ao deus desconhecido. Aquilo que adorais sem conhecer, é isso que eu vos anuncio" (Atos XVII, 22-23).
Os primeiros bispos evangelizarão os gentios levando em conta essa dupla natureza do paganismo. Entre tantos carismas com que Deus os havia provido, o discernimento dos espíritos foi um dos mais necessários, pois tiveram que desentranhar, na antiga religião pagã, tão enraizada nos gentios, o que devia ser rejeitado como pertencente ao demônio e o que devia ser conservado como anunciando "o deus desconhecido". Deus não permitiu que os demônios pervertessem totalmente a religiosidade natural, nem que abolissem completamente a Tradição Primordial, nem que fizessem esquecer totalmente o anúncio de um Salvador.