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VII. O ABANDONO DAS MORADIAS

Conhecemos, pela Epístola de São Judas, uma das formas da revolta dos anjos. É importante notar cuidadosamente porque suas consequências são vistas na terra e em todos os tempos, nos comportamentos dos homens e nos agrupamentos humanos que o demônio inspira.

Ao falar dos anjos caídos que Jesus mantém acorrentados para o dia do Julgamento, São Judas faz referência a uma circunstância particularmente importante de sua rebelião. Ele menciona:

"esses anjos que não conservaram a sua posição original, mas abandonaram a sua própria morada" (Judas,V-6).

São Judas expressa aqui duas ideias, ligadas mas distintas: pelo termo "posição original", ele indica a deserção de sua função; e pelo termo "morada", a ideia de abandonar sua residência. Os anjos revoltados não se contentaram mais com os principados que Deus lhes confiou; eles ambicionaram mais alto. Então, abandonaram sua morada, ou seja, se excluíram da hierarquia angelical e formaram um partido que contestava os poderes do Verbo Encarnado, exigindo substituí-lo por um espírito puro que não tivesse nada a ver com a matéria.

No linguajar humano, poderíamos dizer que os maus anjos, no início de sua revolta, "saíram às ruas". Eles invadiram os pátios do céu para se engajar numa verdadeira manifestação de desobediência e reivindicação.

Por que esse abandono dos principados e moradas pode nos interessar hoje? Porque marcou permanentemente a psicologia demoníaca. O demônio agora persistirá na lógica desse abandono primordial. Ele se encontra sem função e sem um lugar designado. Com ele, todos os anjos revoltados se tornaram estrelas errantes. Esta forma de rebelião se tornou para eles uma característica adquirida e definitiva:

"Estrelas errantes, para as quais estão reservadas as densas trevas da escuridão para a eternidade" (Jude, XIII).

Eles praticam o errar como seu modo de exercer poder: estar presente em todos os lugares "procurando a quem devorar". Um dos primeiros versículos do livro de Jó descreve este comportamento errante em termos concretos:

"Então Yahweh disse a Satanás: De onde vens? Satanás respondeu a Yahweh, dizendo: De percorrer a terra e de andar por ela." (Jó I, 7)

Os espíritos caídos são seres errantes. A peregrinação é o destino dos inquietos. Após o assassinato de Abel, Caim foi condenado por Deus à errância:

"…serás errante e fugitivo sobre a terra." (Gênesis IV, 12)

Os demônios, de idade em idade, vão comunicar esse gosto pela ubiquidade aos homens que têm sob sua influência. O espírito gyrovague denota uma influência maligna; não é outra coisa senão o horror e o medo de se confrontar consigo mesmo. É o sintoma das consciências que não estão em paz. É uma forma dessa inquietação indelével que atormenta os espíritos rebeldes, sejam anjos ou homens.

Muitas vezes, os problemas começam pela falta de residência: antigamente pela ausência dos bispos em suas catedrais, hoje pela ausência das mães em seus lares.

O sábio das Escrituras, ao contrário, "permanece debaixo de sua figueira", ou seja, contenta-se com sua posição e sua morada. Não aspira a estar em todos os lugares ao mesmo tempo porque não deseja controlar tudo. Ele possui o espírito de estabilidade que favorece a contemplação e proporciona a companhia de Deus. Na cristandade da Idade Média, muitos mosteiros adicionavam ao três votos usuais o voto de estabilidade.