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APÊNDICE II

As duas correntes, mística e humanista da Reforma, participam do mesmo princípio individualista, pois têm um fundamento comum, o neo-agostinismo, construído em reação ao tomismo, a partir das teorias platônico-agostinianas refutadas por São Tomás.

Observemos brevemente essas teorias refutadas e retomadas no neo-agostinismo: o homem entendido como uma união de duas substâncias, de dois seres autossuficientes: uma substância material, o corpo, e uma substância espiritual, a alma — a alma identificada aos seus poderes (volição, intelecção, etc.) — a alma corrompida pelo pecado original — finalmente, a alma, e apenas a alma, é o homem, de onde resulta a afirmação de uma acentuada independência da alma em relação ao corpo e a das ideias inatas ou, no mínimo, independentes do trabalho dos sentidos, e por fim a da iluminação divina da inteligência: a alma mais conhecida que o corpo (e, portanto, que o mundo), pois a alma se conhece a si mesma pelo contato de sua inteligência com sua natureza inteligível (o Cogito de Descartes não tem outra origem), e Deus mais conhecido que a alma, porque Deus está presente à alma e é eminentemente inteligível; o mundo inteligível apenas para Deus (não é inteligível ao homem senão por meio das ideias inatas e da iluminação divina da inteligência – o que inclinará a sustentar que o mundo, não sendo cognoscível, em suma, não sendo em si, é um puro efeito da vontade divina, portanto, é arbitrário: é Ockham, Lutero, etc.), matéria dotada de atualidade e atividade próprias – matérias espirituais ou, no mínimo, comum aos espíritos e aos corpos; multiplicidade das formas nos compostos; criação no tempo julgada metafisicamente necessária; fusão, enfim, da filosofia e da teologia, da razão e da fé, em uma sabedoria única, teológica ou mística.

Assim, desde o princípio, esse neo-agostinismo, que se estenderá até nossos dias, se afastará do tomismo na questão capital e, de certo modo, preliminar, em filosofia, da autonomia das criaturas, pensantes ou não pensantes, em relação ao divino. As razões das coisas não estão nas coisas; elas estão em Deus, sob a forma das Ideias, e, quanto às criaturas pensantes, a causa próxima de seu conhecimento não é a inteligência, mas a iluminação que lhe vem de Deus. (Deus presente à alma = Deus imanente ao pensamento, dirão em breve os místicos).

Preocupados em manter o primado do divino na ordem intelectual, eles o fazem, assim, passar do plano metafísico, onde está em seu lugar, para o plano psicológico, onde se substitui ao humano. É assim que os defensores desse "neo-agostinismo", desejosos de não submergir no misticismo irracional e panteísta que ele engendra, de separar a filosofia e a teologia, a razão e a fé, chegam simplesmente a suprimir o primado do divino na ordem intelectual, sem, contudo, modificar em nada – como o faz o tomismo – essa ordem: o que não tem outro resultado senão o de confiar ao homem a ordem intelectual do espírito puro: são Lutero, Descartes, Kant, Hegel, etc.

Ora, essa atitude não resolve em nada o problema do conhecimento humano, visto que se continua a negar que esse conhecimento comece pelos sentidos e que o mundo seja inteligível em si, de modo que a afirmação segundo a qual o mundo é inteligível apenas para Deus se torna necessariamente "o mundo é inteligível pela inteligibilidade que o pensamento individual lhe atribui". Como, no fim, não cair no ateísmo? Se o mundo, de fato, não é inteligível em si, não tem, portanto, para a inteligência, existência em si; logo, Deus é inútil, visto que não se pode considerá-lo como a fonte tanto do ser quanto da inteligibilidade de todas as coisas: é, como dissemos, a negação radical da metafísica e o naufrágio da inteligência no ceticismo universal e, no fim, no ateísmo.