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Kim Philby – O mestre espião

De todos os traidores de Cambridge, Harold Adrian Russell Philby – dada sua parentela e suas origens – certamente teria sido eleito como "o mais capaz de ter sucesso" na carreira de espião.

Nascido no Dia de Ano Novo de 1912 em Ambâla, na Índia, onde seu pai, Sir John Philby, era um alto funcionário do governo indiano, Philby era chamado de "Kim", como o jovem herói de Kipling. Quando Sir John, cedendo ao seu desejo de liberdade, renunciou à fé protestante para seguir Maomé, seguindo o exemplo do escritor D.H. Lawrence, sua esposa Dora assumiu a educação de Kim e de suas três irmãs. As ausências prolongadas de Sir John – que pareciam não incomodar sua esposa – aliadas ao seu rígido senso de disciplina e à falta de calor em relação aos filhos quando estava em casa, criaram tensões familiares que deixaram uma marca indelével em seu filho. Sensível e sério, Kim desenvolveu desde cedo uma gagueira que carregaria por toda a vida. A influência negativa do pai sobre o filho se reflete também no cinismo egocêntrico que passou a caracterizar as relações de Philby com seus contemporâneos, especialmente com as mulheres, assim como na sua duplicidade e no seu instinto de sobrevivência a todo custo, qualidades necessárias a todo bom espião[142].

No dia 18 de setembro de 1924, Kim, então com doze anos, ingressou na escola de Westminster, a famosa alma mater de seu pai. Ele se destacou, conquistando o Prêmio Marshall Memorial em História, e mostrou-se também bastante competente em esportes. No entanto, ele permanecia afetivamente vulnerável. Suas dificuldades de fala tornaram-se uma fonte de crescente e considerável constrangimento. Sua antipatia pelas práticas da religião protestante na escola aumentou seus conflitos religiosos e morais internos. Como novo aluno, ele sofreu exploração sexual por parte dos mais velhos e dos "prefects" – em Westminster, "Fui 'quebrado' e 'atormentado'" [NdT: tradução do jogo de palavras muito crudo entre os verbos ingleses "to bugger" e "to bug"], ele admitiu posteriormente[143]. Porém, o que é talvez mais revelador é a acusação feita contra o jovem Philby durante seu terceiro ano em Westminster, quando um de seus tutores, chamado Luce, informou às autoridades da escola que ele tinha desenvolvido uma propensão à desonestidade, ou seja, que mentia ou trapaceava em matérias sérias[144]. De fato, Philby já havia conquistado junto a seus colegas uma reputação de duplicidade. Essa questão acabou sendo negligenciada, provavelmente devido à influência de Sir John, e Philby foi autorizado a permanecer em Westminster. Ele passou no exame de admissão no ano seguinte e conseguiu ao mesmo tempo duas bolsas, uma para o Christ Church College, em Oxford, e outra para o Trinity College, em Cambridge[145]. Por insistência de seu pai, ele escolheu Trinity. Ele tinha dezessete anos quando chegou a Cambridge, na primavera de 1929.

Embora Kim tenha sido inicialmente atraído por uma carreira política, os resultados decepcionantes que obteve em seus exames de história o forçaram, em outubro de 1931, a substituir a disciplina de história pela de economia[146]. Ele continuou, no entanto, a se interessar por política. Dadas as afinidades de Sir John com o socialismo, não deve surpreender que seu filho tenha se inclinado cada vez mais à esquerda, adotando os audaciosos e revolucionários princípios do marxismo. Foi assim que Philby se juntou naquele verão à Sociedade Socialista da Universidade de Cambridge, antes de se tornar um de seus líderes.

Através de Dennis Holmes Robertson (destinado a ser nomeado cavaleiro um dia), que era seu professor de economia e também um membro clandestino do círculo de acadêmicos homossexuais de Cambridge, Philby foi apresentado ao conquistador mais procurado do campus, Guy Burgess. Os dois homens formaram uma amizade intensa, que foi reforçada pela entrada de Philby no grupo dos "Apóstolos" em 1932, ano em que Burgess também havia ingressado[147]. Embora Philby não fosse homossexual, é razoável pensar que, dado o ardor com que Guy perseguia suas presas sexuais, e considerando também o temperamento aventureiro de Kim, sua rebeldia contra as convenções vigentes e sua propensão para beber, os dois homens podem ter vivido juntos uma breve aventura em Cambridge[148].

No verão de 1933, logo após se formar no Trinity College (com menção honrosa em economia), Philby fez uma solicitação para ser designado ao Ministério das Relações Exteriores. No outono seguinte, ele viajou para a Europa, onde mesclou suas idílicas experiências com seu crescente interesse pelo Komintern[149]. Por sugestão do professor Maurice H. Dobb, recrutador marxista de Cambridge, Philby se encontrou em Paris com dirigentes comunistas, incluindo Willi Münzenberg, recrutador do NKVD[150]. O comitê de Paris indicou contatos comunistas em Viena, onde ele conheceu e – em 23 de fevereiro de 1934 – casou-se com Alice Friedman, carinhosamente chamada de "Litzi", uma judia polonesa de vinte e três anos, divorciada e membro de vários grupos revolucionários, incluindo o Movimento Socialista Sionista e os Socialistas Revolucionários, que atuavam contra o governo Dollfuss[151]. Litzi confirmou o compromisso marxista de Kim.

Philby se encontrou com Dobb logo após seu retorno à Inglaterra, em abril do ano seguinte. Além disso, visitou a sede do Partido Comunista da Grã-Bretanha (na King Street, em Londres); lá, declarou seu desejo de ingressar no Partido, mas pediram que ele esperasse. Pouco depois, ele foi colocado em contato com "Otto", que foi encarregado de estudar seu caso e supervisioná-lo. Informaram-lhe que, em nenhuma circunstância, ele deveria se inscrever no Partido, pois isso dificultaria seu ingresso no Ministério das Relações Exteriores. Assim, Philby se tornou um espião e um agente infiltrado soviético.

Uma das primeiras missões de Philby foi espionar seu próprio pai, que os soviéticos suspeitavam ser um agente britânico. Philby examinou cuidadosamente os documentos de Sir John em sua residência, em Londres[152]. Ao mesmo tempo, ele começou a elaborar sua lista de recrutamentos potenciais. Na parte inferior dessa lista estava o nome de Guy Burgess, e entre os nomes colocados no topo, estava o de Donald Maclean.