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Anthony Blunt – Uma vida « traiçoeira »

No dia 5 de maio de 1928, Anthony Frederick Blunt, estudante de graduação no Trinity College e com apenas dezenove anos, foi admitido no santo dos santos da sociedade dos « Apóstolos » sob o número 273, tornando-se o primeiro homem do círculo de espiões de Cambridge (que contaria com cinco) [101]. Os predecessores imediatos de Blunt na « linha apostólica » da sociedade foram Alister Watson e Philip Dennis Proctor, ambos espiões soviéticos ou chamados a se tornar [102].

Anthony Blunt nasceu em 26 de setembro de 1907 na pequena cidade provincial de Bournemouth (Hampshire) em uma família rica da classe média alta, profundamente ligada à Igreja da Inglaterra (ou Igreja Anglicana). Seu avô paterno havia sido bispo sufragâneo de Hull. Seu pai, o Reverendo Arthur Stanley Vaughan Blunt, um clérigo anglicano bem conhecido, foi nomeado em 1912 capelão de St. Michael, a igreja da Embaixada Britânica em Paris, onde Sir Francis Bertie era Embaixador [103]. Foi em Paris que o jovem Anthony desenvolveu uma paixão pela Arte francesa do Renascimento, que cultivaria por toda a sua vida.

Segundo Miranda Carter, uma das biógrafas mais próximas da época de Blunt, as aspirações do pequeno garoto à fama vieram do lado materno de sua família. Sua mãe, Hilda Violet Master Blunt, pertencia à família Masters, proprietários de terras em Barrow Green, cuja origem remontava ao século XVI. Ela tinha como primo o Conde de Strathmore, pai da futura Rainha Elisabeth II [104].

Na constelação familiar dos Blunt, o « pequeno Anthony » era o mais fraco da ninhada e o favorito de sua mãe, escreve Carter. Hilda era louca por seu filho de olhos azuis, tão brilhante, tão encantador, cuja saúde « delicada » exigia cuidados adicionais e particularmente atenciosos. Por sua vez, Anthony desenvolveu uma afeição que duraria a vida toda por seu irmão mais velho Wilfrid, com quem compartilhava – além dessa afeição – um « temperamento artístico » nascente. Isso deixava tristemente de lado Christopher, seu irmão mais novo, indica Carter [105].

Quando cada um dos meninos Blunt atingiu a idade para ser internado, Anthony foi enviado de volta à Inglaterra para estudar em Marlborough, uma das « Grandes Escolas » britânicas, onde estavam matriculados os filhos de clérigos [106]. Ele chegou a essa prestigiada escola particular em janeiro de 1921, aos quatorze anos, pronto para iluminar a instituição com sua cultura brilhante e seu apego ao ditado « Nobreza obriga » [NdT: em francês no texto]. Infelizmente! Foi um duro despertar para o jovem descobrir que em Marlborough, a atletismo era tudo, e que ele não tinha aptidão física ou temperamental para os esportes organizados. Além disso, os alunos que atuavam como « prefects » [NdT: aluno responsável, que antigamente tinha o direito de administrar punições corporais] dominavam todos os aspectos da vida escolar.

Robert Cecil, ex-colega de Blunt, relatou que ele sabia superar o sistema atendendo às necessidades sexuais dos alunos mais velhos e dos « prefects » [107]. Seu testemunho foi corroborado por outros ex-alunos de Marlborough, incluindo o acadêmico John Hilton, que observou que em seu último ano de estudos, Blunt teve várias aventuras homossexuais sérias e se constituiu uma "equipe" de favoritos, às vezes chamados de « Os Eleitos » [108]. Com Blunt e o futuro poeta Louis MacNeice, outro filho de pastor, Hilton formou um trio que cultivava a « estética wildéenne » [NdT: em homenagem ao escritor homossexual Oscar Wilde], por trás da qual os três meninos conseguiam mascarar seu repúdio à herança religiosa [109]. Hilton descreveu o comportamento de Anthony durante os últimos anos que passou em Marlborough como o de « um hedonista austero [...] vivendo para a satisfação de seus sentidos, ao mesmo tempo em que apreciava a estima dos outros e procurava se ancorar em um sistema de detalhes eruditos » [110]. Em uma idade relativamente jovem, Anthony era, aparentemente, um rebelde que havia encontrado sua causa.

Alguns contemporâneos de Blunt lembraram que ele era conhecido por seu caráter vingativo e suas vinganças pessoais. Outros insistiram em sua frieza reptiliana. Todos concordam que ele era excessivamente pretensioso em relação às suas capacidades intelectuais, que, por sinal, eram notáveis. Há uma palavra que nunca saiu dos lábios dos amigos de Blunt – que eram poucos – ou de seus inimigos para descrever seu caráter: a palavra « amável ». Ele era um ser egoísta e egocêntrico.

Em outubro de 1926, Blunt ingressou no Trinity College de Cambridge com uma bolsa de Marlborough. Quando ele não conseguiu obter uma menção honrosa em matemática, voltou-se para as línguas modernas e se especializou em francês [111]. Enquanto isso, seu interesse pela arte rapidamente cresceu, embora nesse campo ele encontrasse outra razão para frustração. Blunt era muito inteligente, mas segundo o grande artista Christopher Hughes, « ele mesmo tinha poucos talentos artísticos » [112]. Criativamente impotente, ele curou as feridas de seu ego ferido tornando-se posteriormente historiador da arte, crítico de arte e revolucionário cultural.

Um de seus amigos mais próximos era Knox Cunningham (a quem estava destinado ser condecorado), que estudou no Fettes College em Edimburgo e depois no Clare College em Cambridge. Cunningham viria a ter uma carreira política de destaque no Parlamento, tornando-se Secretário particular do Primeiro Ministro Harold Macmillan de 1959 a 1963. Ele também ocupou uma posição importante na Ordem de Orange e na Província maçônica de Gloucester, bem como em diversos cargos unionistas do Ulster, na Irlanda do Norte. Segundo o escritor bissexual e irlandês Robin Bryans, que usou o pseudônimo Robert Harbinson e fez parte da alta elite homossexual de Londres no meio dos anos 1940, Cunningham era conhecido por ser uma « mulher » que gostava « de se deixar levar por jovens meninos » [113]. Bryans informou que Cunningham manteve contato com Blunt após seus anos em Cambridge e que costumava visitar Blunt em Londres [114].

Em 1928, as relações que Blunt mantinha com Clive Bell e Roger Fry, críticos de arte que eram membros do grupo Bloomsbury, assim como com Andrew Gow, professor no Trinity College que era autoridade em arte, abriram para ele os prestigiados círculos artísticos de Londres [115]. Ao mesmo tempo, sua pertença ao grupo dos « Apóstolos » deu-lhe acesso à sociedade secreta e à rede homossexual mais influente de Cambridge [116]. O fato de que Blunt era então um marxista autêntico foi confirmado por várias fontes confiáveis, incluindo Louis MacNeice [117].

Em 1932, Blunt foi eleito professor assistente no Trinity College. Ele permaneceu, portanto, no campus, onde lecionava francês, e começou uma carreira de história da arte, com uma paixão particular pela obra do pintor francês Nicolas Poussin.

Em 1933 ou 1934, antes, durante ou logo após uma viagem universitária a Moscou, Blunt foi oficialmente recrutado pelos soviéticos como agente assalariado [118]. Recebeu os nomes de código YAN, JOHNSON e TONY [119].

Não se pode evitar uma pitada de ironia ao considerar que se Blunt tivesse apenas se aventurado a sair do hotel para fazer um pouco de « paquera » homossexual durante sua estadia em Moscou, ele poderia ter percebido que as « oportunidades » eram escassas, exceto, é claro, pelos « corvos » masculinos formados pelo KGB, que visitavam regularmente os banheiros e outros lugares frequentados por homossexuais estrangeiros. Essa baixa disponibilidade de jovens moscovitas do sexo masculino deve-se ao fato de que, no início de 1933, Stálin havia dado ao OGPU (polícia política) a autorização para prender homossexuais em Moscou para enviá-los como mão de obra escrava para « campos de trabalho » penitenciários, como aquele conhecido como « Terceira Linha de Divisão das Águas », no canal que liga o mar Branco ao mar Báltico, onde cerca de três mil homossexuais moscovitas estavam detidos [120].

No entanto, nada indica que Blunt tenha expressado qualquer objeção às purgas anti-sodomitas ordenadas por Stálin em Moscou, uma vez que a notícia se tornou pública no mundo clandestino da homossexualidade londrina. Também não há indícios de que os encontros homossexuais em Moscou, Londres ou Cambridge tenham contribuído de alguma forma para obrigar Blunt a trair seu país. Ele traiu apenas pelo prazer de trair.

Graças aos seus numerosos protetores e amigos influentes, entre os quais se encontrava o muito mundano "locomotiva" Victor Rothschild, Blunt viu crescer sua influência no campo da arte. De 1937 a 1939, fez parte da equipe do Warburg Institute da Universidade de Londres, um centro de pesquisa artística "progressista" e "revolucionário", e escreveu seu primeiro livro sobre a arte do Renascimento, Artistic Theory in Italy, 1450-1600, que dedicou a seu amigo próximo Guy Burgess.

Segundo Charles Saumarez Smith, que resenhava livros para o The Observer, entre as críticas mais duras feitas contra Blunt estavam as de Rebecca West, que conheceu Blunt nos anos 30 e "o considerava um peso-mosca intelectual, um comunista notório que sempre usava uma gravata vermelha e frequentemente estava bêbado".

Quando a Inglaterra entrou na Segunda Guerra Mundial, Blunt se ofereceu como voluntário para se juntar ao exército britânico, foi nomeado oficial, serviu brevemente na polícia de segurança militar, que fazia parte dos serviços de inteligência militar, e depois recebeu a ordem dos soviéticos para entrar no MI5, ou seja, o serviço de segurança britânico.

Notará que, antes de ingressar no MI5, Blunt havia recorrido à influência de seu irmão Christopher para entrar em Minley Manor, em Hampshire, e lá seguir um curso de contraespionagem destinado ao pessoal militar. Naquele momento, seu superior era o coronel Shearer, que lhe disse que havia recebido do War Office (o serviço administrativo do ministério britânico da Guerra) ordens para que Blunt não fosse designado para tarefas de inteligência. No entanto, essas ordens foram anuladas depois que um alto funcionário intercedeu em favor do interessado. Esse alto funcionário não era outro senão Dennis Proctor (que mais tarde seria agraciado), também "Apóstolo" e agente soviético, que atuava como secretário privado do ex-primeiro-ministro Stanley Baldwin. Blunt também recebeu assistência de Victor Rothschild, que trabalhava para o MI5, e de Guy Burgess, que estava designado à Seção D do MI6.

O capitão Maxwell Knight, homossexual que ingressou no MI5 em 1925, alertou os funcionários do MI5 sobre esse "marica" Blunt, mas sua voz solitária foi ignorada. Infelizmente, Knight também não era um personagem inocente, dada sua relação secreta com o satanista Aleister Crowley. Por outro lado, Knight estava pessoalmente comprometido devido à sua paixão obsessiva por Tom Driberg (Lord Bradwell), amante de Burgess e membro do Parlamento, que foi por doze anos um agente agregado dos soviéticos.

Os "acordos" de Tom Driberg com os soviéticos remontavam-se ao dia em que solicitou os favores sexuais de um homem em um banheiro público durante uma de suas visitas a Moscou. Esse homem era um agente do KGB membro da segunda Direção principal do SCD. Depois que lhe foram mostradas fotografias de seus atos sexuais com "corvos" soviéticos, ele começou a trabalhar para Moscou sob o codinome AGENT ORANGE. Os soviéticos o utilizaram para coletar informações políticas sobre o Partido Trabalhista e promover medidas favoráveis a eles nos círculos políticos de sua esfera de influência. Além disso, o KGB tinha fotografias de encontros homossexuais entre Driberg e Guy Burgess.

Durante pelo menos os cinco anos que se passaram entre seu recrutamento e sua ativação por parte de seu supervisor soviético em 1939, Blunt já havia se demonstrado como um bom "caçador de cabeças" e recrutador para os soviéticos, embora, ao contrário de uma crença comum, ele não tivesse recrutado os outros três membros conhecidos do grupo de Cambridge, a saber, Guy Burgess, Donald Maclean e Harold "Kim" Philby.

Apesar de suas crescentes responsabilidades de trabalho e de suas atividades como agente duplo, Blunt conseguiu levar uma vida sexual satisfatória e relativamente notória; teve, em particular, uma série de aventuras com outros homossexuais de Cambridge da sua classe, incluindo John Lehmann, um estoniano que se tornou um mensageiro encoberto para os soviéticos, e Peter Montgomery, o amante de longa data de Blunt, primo do marechal Montgomery, o herói britânico da Segunda Guerra Mundial. Peter Montgomery se tornou diretor musical da BBC e, depois, oficial de inteligência do exército durante a guerra. O leitor deve lembrar seu nome, já que falaremos em detalhe sobre Peter Montgomery e seu irmão Hugh ao final deste capítulo.

Quanto a seus parceiros sexuais, no entanto, Blunt preferia os de classe trabalhadora que se ofereciam como gigolôs, que eram intelectualmente e socialmente inferiores e sobre os quais ele poderia, portanto, exercer seu desejo de poder e dominação. Esse desejo de poder era uma característica de caráter que não passou despercebida pelos "caçadores de cabeças" soviéticos de Cambridge, que encontraram no jovem Blunt todas as características de um traidor eficaz: uma inteligência superior, mas "subestimada", uma ambição implacável, um solipsismo supremo, a homossexualidade, que é um vício explorável, assim como a capacidade de compartimentalizar sua vida e desempenhar múltiplos papéis. Longe das sutilezas da psicanálise, David Pryce-Jones, autor de críticas no New Criterion, pode ter resumido melhor a essência do "ser" de Blunt em uma frase contundente e definitiva: "Blunt era um completo desperdício."