Guy Burgess – L "o espião vidente”
Em suas memórias autobiográficas, o espião de Cambridge Kim Philby escreveu sobre seu ex-colega de classe: "Ele [Burgess] é sem dúvida um dos muito raros indivíduos que se impuseram no serviço especial soviético [...] Era realmente um caso"[133]. Enquanto os soviéticos "manifestamente" queriam recrutá-lo, escreve Philby, ele mesmo estava convencido de que a inalterável capacidade de Burgess de "se tornar visível" comprometeria sua atuação como agente secreto. No entanto, Philby e "Otto", seu supervisor soviético, acabaram por concluir corretamente que seria melhor incluir Burgess em seu círculo de espiões do que deixá-lo por conta própria, especialmente porque, de qualquer forma, ele provavelmente acabaria prejudicando a operação. Assim, no verão de 1934, Guy Francis de Moncy Burgess entrou para os anais da história como sendo o membro mais "visível" do círculo de espiões de Cambridge. Seu nome de código era MÄDCHEN (em alemão, "garota").
Guy Burgess vinha de uma boa linhagem militar. Nascido em 1911 na famosa cidade portuária de Devonport (Plymouth), no sudoeste do país, Guy era o filho mais velho de um oficial da marinha, o capitão de corveta (Lt. Commander) Malcolm Kingsforth Burgess e de Evelyn Gillman Burgess. Ele tinha um irmão mais novo, Nigel[134].
Em janeiro de 1924, o jovem Burgess, com treze anos, acabara de entrar no colégio de Eton quando seu pai faleceu. Cerca de três anos depois, sua mãe se casou novamente, mas Guy, que era mimado e protegido, não se dava bem com seu padrasto, o coronel John R. Bassett D.B.O., oficial aposentado do exército britânico; assim, ele foi enviado para uma escola militar.
Pouco depois de seu décimo sexto aniversário, em conformidade com a tradição de sua família de marinheiros, Guy foi enviado ao Colégio da Marinha Real, em Dartmouth, mas nunca conseguiu se formar. Trinta e três meses após ingressar nesta instituição, ele saiu abruptamente e voltou a Eton, oficialmente por causa de problemas de visão. No entanto, a súbita saída e as circunstâncias que a cercaram alimentam a teoria de que Burgess foi discretamente expulso de Dartmouth por ter tentado seduzir outros cadetes em relações homossexuais.
Assim, ele retornou a Eton, onde o belo e brilhante Burgess conquistou os prêmios de história Rosbery e Gladstone, além de uma bolsa de história para o Trinity College de Cambridge, onde ingressou em outubro de 1930.
É claro que seu físico de Adônis, seu charme pessoal, sua inteligência aguçada, seu amor por jovens, além de seus sentimentos antifascistas e pró-marxistas – que ele exibia com orgulho – atraíram rapidamente a atenção dos "Apóstolos" infiltrados pelos soviéticos. Em 12 de novembro de 1932, ele foi iniciado na sociedade ao lado de seu amigo íntimo Victor Rothschild, um dos poucos cientistas que os "Apóstolos" jamais admitiram entre eles. Burgess também se afiliou à Sociedade Socialista da Universidade de Cambridge (CUSS), que os comunistas estavam lentamente controlando.
Em junho de 1934, Burgess viajou para a Alemanha. Ele estava em Berlim durante a purga política realizada por Hitler: a "noite das facas longas". Em seguida, Burgess juntou-se a um pequeno grupo de "turistas" de Cambridge que viajavam para Moscou, entre os quais estavam Anthony Blunt e o amigo de Burgess, Derek Blaikie, um comunista de Oxford que acabaria sendo morto durante a Segunda Guerra Mundial[135].
Um dos muitos relatos sobre a estadia de Burgess em Moscou é a longa reunião secreta que ele teve com Nikolai Bukharin, membro poderoso do Politburo soviético e editor-chefe do Izvestia[136]. Considerando tudo, é provavelmente em Moscou que Burgess e Blunt foram submetidos ao seu exame final pelos agentes de Stálin. Guy Burgess conseguiu se infiltrar entre os espiões de Cambridge.
Embora Burgess fosse politicamente fervoroso, sua maior paixão era... a paixão, ou seja, as relações homossexuais. A sedução era seu forte, especialmente com homens mais velhos que ele, embora qualquer homem que estivesse ao seu redor representasse, para ele, um alvo potencial de avanços sexuais.
Goronway Rees, um de seus colegas de classe em Cambridge, explicou que Guy via o sexo "como um mecanismo útil para fabricar prazer [...] e ele transou com a maioria de seus amigos em algum momento ou outro"[137]. Segundo Rees:
[Guy] era uma espécie de iniciador de outros alunos nos mistérios do sexo, função que ele exercia quase em um espírito de serviço público. As aventuras desse tipo não duravam muito, mas Guy possuía a arte de manter a afeição dos rapazes com quem havia se deitado, e também – curiosamente – a de manter sobre eles uma espécie de ascendente permanente: muito tempo depois de uma aventura ter terminado, ele continuava a ajudar seu ex-parceiro em sua vida sexual, muitas vezes perturbada e insatisfatória, ouvindo-o falar sobre suas dificuldades emocionais e, se necessário, ajudando-o a encontrar um parceiro apropriado. Para seus antigos parceiros, ele era, ao mesmo tempo, um pai, um confessor e um amante, a ponto de que muitos deles se tornavam seus devedores[138].
Entre as primeiras conquistas de Burgess em Cambridge estavam Anthony Blunt, que se apaixonou por ele, o bissexual afeminado Donald Maclean, que foi recrutado ao mesmo tempo que ele, e até mesmo Kim Philby, um notório conquistador, que o ajudou em seu recrutamento. Assim como Blunt, Burgess buscava aventuras com jovens da classe trabalhadora, que em seguida recomendava como parceiros para seus amigos homossexuais de Cambridge, a fim de ajudar esses últimos a se livrarem de seus complexos "burgueses"[139].
Jackie Hewit, que foi um dos amantes de Burgess, acabou indo e voltando entre a cama de Guy e a de Anthony depois que Burgess fugiu para Moscou. Quando os serviços de inteligência britânicos o interrogaram sobre suas relações com o desertor, ele disse que Guy havia guardado todas as suas cartas de amor, não como uma forma de chantagem, mas "para se provar a si mesmo seu poder de fazer os homens amá-lo"[140]. Certamente, o ingênuo Hewit não sabia se e como os supervisores de Burgess usavam suas cartas de amor, mas ele estava absolutamente certo ao colocar em destaque que as aventuras homossexuais de Burgess faziam parte do "jogo de poder" que ele exercia para manipular outros homens. Ele estava correto também ao dizer aos agentes do SIS que "Aos olhos dos agentes majoritariamente heterossexuais do MI5 e do MI6, a dinâmica do mundo 'gay' dos anos trinta deveria parecer um emaranhado incompreensível de ligações relacionais"[141]. Infelizmente para os britânicos, os soviéticos, eles, compreendiam a abrangência e a explorabilidade do Homintern a nível mundial e usaram esse conhecimento contra seus inimigos na Inglaterra, nos Estados Unidos e na Europa.