As aventuras de Philby no exterior
Após o retorno de Philby à Inglaterra, no verão de 1934, sua vida como toupeira soviética (que tinha os nomes de código SÖHNCHEN, TOM e STANLEY) iria tomar um rumo algo diferente do caminho seguido por Burgess e Blunt.
O supervisor soviético de Philby havia decidido que o melhor modo de ele servir a Moscou seria trocar seu chapéu comunista por um fascista e iniciar uma carreira como correspondente de imprensa no exterior, onde pudesse utilizar seus talentos linguísticos.
Philby aceitou então um emprego mal remunerado como editor-assistente e colunista para uma publicação de esquerda "fichada", Review of the Reviews, enquanto fazia cursos de língua na London School of Oriental Studies[196]. Quando essa publicação deixou de circular, em 1935, a transformação de Philby de "homem de esquerda" em "homem de direita" era suficiente para lhe permitir ser admitido na Confraria anglo-alemã e aspirar ao cargo de editor-chefe de um novo jornal comercial anglo-alemão, aspiração que, no entanto, nunca se concretizaria[197].
Quando a Guerra Civil Espanhola eclodiu, em 1936, Philby recebeu sua credencial de correspondente de imprensa de vários jornais britânicos, incluindo o London General Press[198]. Ele partiu da Inglaterra em 3 de fevereiro de 1937, supostamente para cobrir as operações da frente como repórter, mas na verdade para organizar localmente o assassinato do general Francisco Franco, chefe da oposição ao Frente Popular[199].
No entanto, Franco não foi assassinado; mas, num irônico revés dos acontecimentos, Philby conseguiu se fazer condecorar com a cruz vermelha espanhola de mérito militar por atos de bravura, que Franco pessoalmente prendeu na peito do agente soviético[200].
Em 1939, quando explodiu a Segunda Guerra Mundial, Philby foi enviado ao corpo expedicionário britânico na França como correspondente de guerra experiente. Ele se esforçou para se colocar nas boas graças dos serviços britânicos, fornecendo informações valiosas sobre várias iniciativas alemãs, informações que o NKGB lhe havia fornecido precisamente para esse fim[201].
Embora a lealdade de Philby para com Moscou tenha sido afetada pelo Pacto de Não-Agressão germano-soviético e pelas purgas stalinistas que levaram à execução de alguns de seus antigos amigos do NKGB, ele permaneceu fiel ao comunismo e continuou em direção ao caminho que o tornaria um "mestre espião" a serviço da União Soviética.
Em julho de 1940, Philby ingressou na Seção D do SIS, onde estava sob os comandos de Burgess. Pouco depois, foi formada uma nova agência de sabotagem e subversão, a Special Operations Executive (SOE), que absorveu a Seção D. Burgess foi demitido, mas Philby permaneceu devido à influência do coronel Valentine Vivian, velho amigo de seu pai e agente de contraespionagem na Seção V. O SOE foi encarregado de realizar operações clandestinas contra os nazistas na Europa ocupada.
Em setembro de 1941, Philby foi designado para a Seção V do MI6, onde assumiu a responsabilidade das operações clandestinas de contraespionagem na Península Ibérica e nas ilhas do Atlântico[202].
Enquanto isso, ele havia transmitido aos soviéticos uma lista quase completa dos agentes do MI6 operando em todo o mundo, bem como os quadros e manuais organizacionais e operacionais globais do MI6[203]. Entre os relatórios mais bizarros, ou mesmo esotéricos, redigidos por Philby, havia um que abordava as orgias homossexuais, a toxicomania e os rituais de feitiçaria ocorrendo na alta sociedade britânica[204].
No tocante à vida social, a estrela de Philby não parava de subir, como demonstra o convite que recebeu para se associar ao Athenaeum, um dos clubes mais prestigiados da Inglaterra, que era favorável a Whitehall e à elite clerical inglesa[205].
No verão de 1944, o espião soviético Kim Philby foi nomeado chefe de um novo serviço de inteligência, a Seção IX do MI6, encarregada do contraespionagem antisoviética! Com Philby em posições de destaque, as chances de interceptar espiões soviéticos eram praticamente nulas, a menos que o NKVD quisesse deliberadamente sacrificar alguns deles. Philby tornou-se um homem muito perigoso.
Em agosto de 1945, o coronel do KGB Constantin Volkov, novo cônsul da União Soviética na Turquia, foi à embaixada britânica em Istambul e pediu asilo em troca de uma compensação. Em troca, ele se ofereceu para revelar os nomes de dois espiões soviéticos posicionados no Foreign Office britânico (Burgess e Maclean) e de um membro do contraespionagem britânico (Philby), entre outras informações. Volkov foi detido enquanto membros da embaixada chamavam Londres. Os serviços de inteligência britânicos foram alertados acerca dessa defeção, e Steward Menzies, diretor do MI6, encarregou Philby de "interrogar" Volkov. Após alertar os serviços secretos soviéticos, Philby atrasou sua chegada à Turquia para dar ao SMERSH soviético tempo para sequestrar Volkov e trazê-lo de volta à URSS, onde Stálin ordenou sua execução[206]. O SMERSH é um acrônimo derivado de "smert’ shpionam" (morte aos espiões)[207]. Pouco após sua chegada a Istambul, Philby informou devidamente seus superiores no MI6 que o caso havia falhado.
Alguns meses depois, em 20 de novembro de 1945, Philby informou seus contatos no NKGB que Elizabeth Bentley, um dos principais agentes soviéticos na América, havia virado para o Ocidente e estava nas mãos do FBI[208].
Em agosto de 1949, após passar dois anos como chefe de estação na Turquia, onde o MI6 o havia designado para coletar informações soviéticas em relação a interesses britânicos de petróleo no Oriente Médio, Philby e seus patrões soviéticos vislumbraram sua primeira chance de dar um grande golpe: Philby foi informado de que seria enviado para Washington, D.C., como agente de ligação do MI6 com a CIA e o FBI.
Antes de deixar Londres em direção à América, Philby recebeu informações detalhadas sobre o código VENONA, o segredo mais bem guardado dos serviços de inteligência aliados durante a Guerra Fria. Como o VENONA é frequentemente mencionado neste capítulo, uma breve explicação de sua história, escopo e importância deve ser útil ao leitor.
Em fevereiro de 1943, a Agência de Inteligência Eletrônica do Exército dos Estados Unidos (SSA) iniciou um projeto altamente restrito e secreto que mais tarde receberia o nome de código VENONA. O objetivo desse projeto era decifrar os telegramas diplomáticos soviéticos que o exército coletava desde 1939, ano em que Stálin e Hitler assinaram seu Pacto de Não-Agressão. Infelizmente, a complexidade do sistema de decodificação em duas partes só permitiu à SSA ler esses telegramas a partir de 1946, ou seja, após o fim da guerra. Somente então a SSA se deu conta de que, dos 750.000 telegramas interceptados, que se acreditava serem todos portadores de dados comerciais e diplomáticos banais, pouco menos da metade eram, na verdade, comunicados secretos soviéticos, ou seja, mensagens trocadas entre, por um lado, o NKVD (a polícia secreta soviética) e o GRU (o serviço de inteligência militar soviético), e por outro, seus agentes ativos nos Estados Unidos e no resto do mundo[209].
Hoje, sabe-se que antes mesmo de receber o relatório de Philby sobre o VENONA, os soviéticos tinham colocado uma toupeira na SSA. Seu nome era William Weisband, e ele era um agente do NKGB (nome de código ZHORA)[210]. Isso significa que, em 1949, os soviéticos já estavam mudando seu código. No entanto, eles não podiam fazer nada com os telegramas enviados antes da mudança, ou seja, entre 1940 e 1948. Contudo, esses telegramas revelavam os nomes de códigos de centenas de americanos que espionaram ou estavam espionando para a União Soviética antes, durante e após a Segunda Guerra Mundial, e a maioria deles havia sido recrutada pelo Partido Comunista dos Estados Unidos[211].