Skip to main content

A Sophia

A gnose sempre buscou incluir a Mãe do Verbo em sua construção teosófica. Vamos ao fundo das coisas e digamos que Lúcifer não se contenta em suplantar o Cristo, ele também gostaria de suplantar sua Mãe. A Escritura nos adverte que o "suplantador" por excelência chegará a morder seus pés, se puder. A Sophia (a Sabedoria) dos gnósticos é a "virgem demoníaca". Ela é muito literalmente uma virgem louca. É uma Sabedoria em loucura. Não podemos, neste estudo restrito, traçar o histórico da Sophia através de todos os sistemas gnósticos dos primeiros séculos cristãos. Tomemos apenas o exemplo da construção elaborada por Valentim porque é uma das mais claras.

No topo do universo está o Abismo incriado, o Abismo não gerado, e seu duplo andrógino: o Silêncio. Este casal protótipo gera o "Intelecto" e seu duplo, a "Verdade". Eis já dois casais de dois éons cada: o casal "Abismo-Silêncio" e o casal "Intelecto-Verdade".

O Intelecto e a Verdade vão gerar o Verbo e a Vida, que por sua vez gerarão o "Homem" e a "Igreja". Eis mais dois novos casais que elevam a oito o número de éons superiores. Estes oito primeiros éons formam a Ogdóade.

Mas o Intelecto e a Verdade produzem novamente cinco casais de éons, o que forma a Década.

Tomado de emulação, o casal "Verbo-Vida", por sua vez, produz doze éons, igualmente dispostos em casais. É a Duodécada.

O Pleroma, ou seja, o universo celestial, está agora completo e conta com a Ogdóade, a Década e a Duodécada, o que totaliza 32 éons.

Ou, na última posição da Duodécada, encontra-se uma espécie de criança terrível, o éon sabedoria, a famosa "Sophia" dos gnósticos, que, por sua presunção, irá perturbar toda a bela ordem do Pleroma divino. A Sabedoria gnóstica não se contenta em admirar as maravilhas do Pleroma e a série de suas "emanações". Como boa gnóstica, ela quer conhecer tudo, elucidar tudo. Ela quer penetrar o Abismo não gerado. Pior que isso, ela vai tentar produzir sua própria emanação, sem recorrer à ajuda de seu éon masculino, um certo Theletos ("Voluntário"). Ela quer, a todo custo, imitar o Abismo não gerado e procriar sem esposo. Sua paixão é tal que ela consegue gerar um aborto ao qual dará o nome de Hachamoth e que todos os éons do Pleroma imediatamente detestarão.

Trata-se agora de reparar os erros da Sophia. Encontrar-se-á um retiro para esconder o aborto Hachamoth, enquanto o Abismo não gerado, como um digno Júpiter, encarrega o casal "Intelecto-Verdade" de emanar um novo par de éons. Será o Cristo e seu éon feminino, o Espírito Santo.

Então todos os éons do Pleroma, livres de Hachamoth que agora tem seu substituto, unem suas forças e, num esforço coletivo, produzem Jesus, o Grande Pontífice e Salvador.

Tal é a estrutura da mitologia valentiniana. Haveria muito a dizer sobre isso. Reteremos apenas dois traços:

  1. A Sophia, que acabamos de ver desempenhando o papel de "Virgem-Mãe", exerce, no Pleroma, uma função ao mesmo tempo grotesca e nefasta.

  2. O Cristo e Jesus são dois personagens diferentes (Encontramos essa mesma distinção até nos sistemas gnósticos mais recentes, por exemplo, no de R. Steiner).

Onde Valentim foi buscar todas essas elucubrações? Em seus predecessores, é claro, em particular em Simão o Mago, que já havia descrito um sistema semelhante. Mas ele também foi inspirado por seu "conhecimento intuitivo", ou seja, por sua mística. Em outras palavras, foram revelações que lhe mostraram tudo isso. Revelações singulares das quais não é preciso se perguntar de onde vêm. Como não identificar, nesse conhecimento mítico da "Sophia", o sarcasmo luciferino contra a Virgem-Mãe, da qual ele faz um personagem vaidoso, ridículo e malfazejo.

É assim que a Sabedoria começou sua carreira na gnose antiga. Hoje, os gnósticos inventaram entidades muito mais sutis. As metamorfoses da Sophia na gnose moderna exigiriam um estudo especial muito volumoso para ser incluído aqui. Devemos nos contentar em chamar a atenção para este problema que muitas vezes passa despercebido.

Na gnose moderna, o personagem da Sophia será substituído por noções mais abstratas. O duplo conceito de "Virgem" e "Mãe" será hipertrofiado. Em meio a uma exuberância lírica que pode ter bela aparência quando não se é muito exigente, os neo-gnósticos amplificarão desmedidamente o papel de Maria como esposa do Espírito Santo. Ao mesmo tempo, paradoxalmente, eles feminizarão esse mesmo Espírito Santo. E, de maneira geral, eles sexualizarão a geração do Verbo e a processão do Espírito Santo.

Mas fiquemos por aqui por enquanto. Inventariar, analisar e resumir todas as passagens e até mesmo todas as obras dos gnósticos modernos que se entregam a todas essas extrapolações teológicas, tudo isso exigiria um trabalho dedicado unicamente a este assunto.