ARTIGO II - Pode-se pedir uma outra vantagem pelo dinheiro emprestado?
QUANTO AO SEGUNDO, ASSIM SE PROCEDE: parece que pelo dinheiro emprestado, pode-se pedir uma outra vantagem.
- Com efeito, cada um pode licitamente procurar indenizar-se de seus prejuízos. Ora, por vezes, sofrem-se prejuízos emprestando dinheiro. Logo, será lícito, além do dinheiro emprestado, pedir ou mesmo exigir alguma outra vantagem em compensação do prejuízo.
- ALÉM DISSO, por certo dever de honestidade, todos estão obrigados a dar uma compensação a quem lhes faz um benefício, como se diz no livro V da Ética. Ora, quem empresta dinheiro ao que está necessitado, presta-lhe um benefício e merece gratidão. Portanto, quem toma emprestado tem um dever natural de dar certa compensação ao benfeitor. Ora, não parece ilícito obrigar-se a cumprir o que se deve em virtude do direito natural. Logo, não parece ilícito se alguém, ao emprestar dinheiro a outrem, o obrigue a dar uma compensação.
- ADEMAIS, como há presentes oferecidos pela mão, assim há outros que se fazem por palavras e por obséquio. É o que explica a Glosa comentando o livro de Isaías: "Feliz aquele que sacode as mãos para livrar-se de todo presente". Ora, é lícito receber um serviço ou um louvor daquele a quem se emprestou dinheiro. Logo, será igualmente permitido receber qualquer outro presente.
- ADEMAIS, existe a mesma relação entre um dom e outro dom que entre um empréstimo e outro empréstimo. Ora, pode-se receber dinheiro pelo dinheiro que se deu. Logo, pode-se também receber outro empréstimo em retribuição pelo dinheiro emprestado.
- ADEMAIS, aliena mais o seu dinheiro quem transfere a sua propriedade a quem toma emprestado, do que quem o confia a um negociante ou a um artífice. Ora, é lícito auferir lucro do dinheiro confiado ao negociante ou ao artífice. Logo, também o é pelo dinheiro emprestado.
- ADEMAIS, pelo dinheiro emprestado, pode-se receber um penhor cujo uso poderia ser vendido por determinado preço; tal se dá, quando se penhora um campo ou uma casa habitada. Logo, pode-se também auferir lucro de um dinheiro emprestado.
- ADEMAIS, acontece, às vezes, que alguém vende mais caro as suas coisas ou compra mais barato as alheias, em razão de um empréstimo. Ou se aumenta o preço pela demora no pagamento, ou se diminui com a sua presteza. Nesses casos, parece haver uma retribuição pelo dinheiro emprestado. Ora, isso não parece manifestamente ilícito. Logo, parece lícito esperar ou mesmo exigir alguma vantagem pelo dinheiro emprestado.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, no livro de Ezequiel, proclama-se, entre as condições para alguém ser justo: "Não receber juros nem outra coisa de acréscimo."
Respondo. Segundo o Filósofo, "considera-se como dinheiro tudo aquilo cujo valor se pode estimar em dinheiro." Portanto, como peca contra a justiça quem, por contrato tácito ou expresso, receber dinheiro pelo empréstimo de dinheiro ou de qualquer outra coisa que se consome pelo próprio uso, como já foi explicado, assim também incorre em pecado semelhante quem, por contrato tácito ou expresso, receber qualquer outra coisa cujo valor possa ser estimado em dinheiro. Se, no entanto, recebe algo semelhante, não por exigi-lo ou por uma espécie de obrigação tácita ou expressa, mas como dom gratuito, não peca. Com efeito, mesmo antes do empréstimo, podia receber um dom gratuito, nem piora de condição por ter concedido um empréstimo. — É lícito, porém, exigir como compensação do empréstimo o que não se mede pelo dinheiro, como a benevolência e o amor para com quem emprestou ou retribuições semelhantes.
QUANTO AO 1º, portanto, deve-se dizer que, em contrato com quem toma emprestado, aquele que empresta pode sem pecado estipular uma indenização do prejuízo que lhe advém por se privar de um bem que lhe pertence; o que não é vender o uso do dinheiro, porém evitar o próprio prejuízo. E pode acontecer que quem toma o empréstimo evite maior dano do que quem empresta; nesse caso, quem toma emprestado, com o proveito que aufere, recompensará o prejuízo do outro. - Mas a compensação do prejuízo decorrente de não mais ter lucro do dinheiro emprestado não pode ser estipulada em contrato; pois, não se pode vender o que ainda não se tem e cuja obtenção se pode impedir de várias maneiras.
QUANTO AO 2º, deve-se dizer que, de dois modos, se pode recompensar um benefício: Primeiro, como dívida de justiça, à qual se está obrigado por um contrato estipulado. E esse dever mede-se pela grandeza do benefício recebido. Por conseguinte, quem recebeu dinheiro emprestado ou qualquer coisa semelhante das que se consomem pelo uso, só estará obrigado a restituir o que recebeu em empréstimo, e seria contrário à justiça obrigar-se a devolver mais. - Segundo, pode alguém estar obrigado a recompensar um benefício por um dever de amizade; e, então, levar-se-á em conta mais o afeto do benfeitor do que a importância do benefício. Tal dever não pode constituir objeto de uma obrigação civil, pois esta impõe necessidade e impede a espontaneidade da recompensa.
QUANTO AO 3º, deve-se dizer que quem espera ou exige pelo dinheiro que emprestou a compensação de um presente em serviços ou palavras, como se houvesse a obrigação de um contrato tácito ou expresso, seria o mesmo que exigir à maneira de presente um serviço manual, pois uns e outros podem ser apreciados em dinheiro, como acontece com quem aluga os seus serviços prestados pelo trabalho ou por palavras. Mas se o presente em palavra ou em trabalho é oferecido não como pagamento de uma dívida, porém como expressão de reconhecimento, que não se avalia em dinheiro, é lícito aceitá-lo, exigi-lo e esperá-lo.
Quanto ao 4º, deve-se dizer que o dinheiro não pode ser vendido por quantidade maior do que a que foi emprestada. É preciso restituir o quanto se recebeu. Nem se há de exigir ou esperar nada, a não ser um sentimento de benevolência, que não se avalia em dinheiro, e de onde pode resultar um empréstimo espontâneo. No entanto, seria contrário a essa benevolência espontânea obrigar a quem tomou emprestado a se comprometer a emprestar no futuro, pois tal compromisso é susceptível de apreciação pecuniária. Assim, embora seja permitido a quem empresta tomar simultaneamente emprestado ao seu devedor, este não pode ser obrigado a fazer-lhe um empréstimo.
QUANTO AO 5º, deve-se dizer que quem empresta dinheiro transfere o domínio deste a quem o toma emprestado. Este o guarda, respondendo pelo risco de perdê-lo e está obrigado a restituí-lo integralmente. Por isso, quem emprestou não pode exigir mais do que o emprestado. Ao contrário, quem confia o seu dinheiro a um comerciante ou a um artífice, a modo de sociedade, não lhes transfere a propriedade de seu dinheiro, que continua sendo seu, e é com o risco desse mesmo proprietário que o comerciante ou o artífice trabalham com o dinheiro. Portanto, o proprietário pode licitamente reclamar uma parte do lucro, como procedendo de coisa sua.
QUANTO AO 6º, deve-se dizer que se alguém, para garantia do que lhe foi emprestado, penhora um objeto cujo valor pode ser apreciado em dinheiro, quem emprestou deve computar o uso da coisa penhorada ao ser-lhe restituído o empréstimo. Ao contrário, se pretendesse que o uso desse objeto lhe fosse concedido gratuitamente, seria como se recebesse juros pelo empréstimo, o que seria usurário, a menos que se trate de um desses objetos cuja utilização se costuma conceder entre amigos, sem exigir retribuição, como um livro que se empresta.
QUANTO AO 7º, deve-se dizer que vender um objeto acima do justo preço, porque se concede um maior prazo para o pagamento, é usura manifesta, pois esse prazo tem o caráter de um empréstimo. Por conseguinte, tudo quanto se exige acima do justo preço em razão desse prazo é como juros pelo empréstimo. - De igual sorte, se o comprador quer comprar abaixo do justo preço, sob pretexto de que pagará antes da entrega, comete pecado de usura, pois também essa antecipação do pagamento tem o caráter de empréstimo, cujos juros são constituídos pela soma que se diminui do justo preço da compra feita. - Se, porém, se abaixa voluntariamente o justo preço, para obter antes o dinheiro, não há pecado de usura.
Latim
Ad secundum sic proceditur. Videtur quod aliquis possit pro pecunia mutuata aliquam aliam commoditatem expetere. Unusquisque enim licite potest suae indemnitati consulere. Sed quandoque damnum aliquis patitur ex hoc quod pecuniam mutuat. Ergo licitum est ei, supra pecuniam mutuatam, aliquid aliud pro damno expetere, vel etiam exigere Praeterea, unusquisque tenetur ex quodam debito honestatis aliquid recompensare ei qui sibi gratiam fecit, ut dicitur in V Ethic. Sed ille qui alicui in necessitate constituto pecuniam mutuat, gratiam facit, unde et gratiarum actio ei debetur. Ergo ille qui recipit tenetur naturali debito aliquid recompensare. Sed non videtur esse illicitum obligare se ad aliquid ad quod quis ex naturali iure tenetur. Ergo non videtur esse illicitum si aliquis, pecuniam alteri mutuans, in obligationem deducat aliquam recompensationem.
Praeterea, sicut est quoddam munus a manu, ita est munus a lingua, et ab obsequio, ut dicit Glossa Isaiae XXXIII, beatus qui excutit manus suas ab omni munere. Sed licet accipere servitium, vel etiam laudem, ab eo cui quis pecuniam mutuavit. Ergo, pari ratione, licet quodcumque aliud munus accipere.
Praeterea, eadem videtur esse comparatio dati ad datum et mutuati ad mutuatum. Sed licet pecuniam accipere pro alia pecunia data. Ergo licet accipere recompensationem alterius mutui pro pecunia mutuata.
Praeterea, magis a se pecuniam alienat qui, eam mutuando, dominium transfert, quam qui eam mercatori vel artifici committit. Sed licet lucrum accipere de pecunia commissa mercatori vel artifici. Ergo licet etiam lucrum accipere de pecunia mutuata.
Praeterea, pro pecunia mutuata potest homo pignus accipere, cuius usus posset aliquo pretio vendi, sicut cum impignoratur ager vel domus quae inhabitatur. Ergo licet aliquod lucrum habere de pecunia mutuata.
Praeterea, contingit quandoque quod aliquis carius vendit res suas ratione mutui; aut vilius emit quod est alterius; vel etiam pro dilatione pretium auget, vel pro acceleratione diminuit, in quibus omnibus videtur aliqua recompensatio fieri quasi pro mutuo pecuniae. Hoc autem non manifeste apparet illicitum. Ergo videtur licitum esse aliquod commodum de pecunia mutuata expectare, vel etiam exigere.
Sed contra est quod Ezech. XVIII dicitur, inter alia quae ad virum iustum requiruntur, usuram et superabundantiam non acceperit.
Respondeo dicendum quod, secundum philosophum, in IV Ethic., omne illud pro pecunia habetur cuius pretium potest pecunia mensurari. Et ideo sicut si aliquis pro pecunia mutuata, vel quacumque alia re quae ex ipso usu consumitur, pecuniam accipit ex pacto tacito vel expresso, peccat contra iustitiam, ut dictum est; ita etiam quicumque ex pacto tacito vel expresso quodcumque aliud acceperit cuius pretium pecunia mensurari potest, simile peccatum incurrit. Si vero accipiat aliquid huiusmodi non quasi exigens, nec quasi ex aliqua obligatione tacita vel expressa, sed sicut gratuitum donum, non peccat, quia etiam antequam pecuniam mutuasset, licite poterat aliquod donum gratis accipere, nec peioris conditionis efficitur per hoc quod mutuavit.
Recompensationem vero eorum quae pecunia non mensurantur licet pro mutuo exigere, puta benevolentiam et amorem eius qui mutuavit, vel aliquid huiusmodi.
Ad primum ergo dicendum quod ille qui mutuum dat potest absque peccato in pactum deducere cum eo qui mutuum accipit recompensationem damni per quod subtrahitur sibi aliquid quod debet habere, hoc enim non est vendere usum pecuniae, sed damnum vitare. Et potest esse quod accipiens mutuum maius damnum evitet quam dans incurret, unde accipiens mutuum cum sua utilitate damnum alterius recompensat. Recompensationem vero damni quod consideratur in hoc quod de pecunia non lucratur, non potest in pactum deducere, quia non debet vendere id quod nondum habet et potest impediri multipliciter ab habendo.
Ad secundum dicendum quod recompensatio alicuius beneficii dupliciter fieri potest. Uno quidem modo, ex debito iustitiae, ad quod aliquis ex certo pacto obligari potest. Et hoc debitum attenditur secundum quantitatem beneficii quod quis accepit. Et ideo ille qui accipit mutuum pecuniae, vel cuiuscumque similis rei cuius usus est eius consumptio, non tenetur ad plus recompensandum quam mutuo acceperit. Unde contra iustitiam est si ad plus reddendum obligetur. Alio modo tenetur aliquis ad recompensandum beneficium ex debito amicitiae, in quo magis consideratur affectus ex quo aliquis beneficium contulit quam etiam quantitas eius quod fecit. Et tali debito non competit civilis obligatio, per quam inducitur quaedam necessitas, ut non spontanea recompensatio fiat.
Ad tertium dicendum quod si aliquis ex pecunia mutuata expectet vel exigat, quasi per obligationem pacti taciti vel expressi, recompensationem muneris ab obsequio vel lingua, perinde est ac si expectaret vel exigeret munus a manu, quia utrumque pecunia aestimari potest, ut patet in his qui locant operas suas, quas manu vel lingua exercent. Si vero munus ab obsequio vel lingua non quasi ex obligatione rei exhibeat, sed ex benevolentia, quae sub aestimatione pecuniae non cadit, licet hoc accipere et exigere et expectare.
Ad quartum dicendum quod pecunia non potest vendi pro pecunia ampliori quam sit quantitas pecuniae mutuatae, quae restituenda est, nec ibi aliquid est exigendum aut expectandum nisi benevolentiae affectus, qui sub aestimatione pecuniae non cadit, ex quo potest procedere spontanea mutuatio. Repugnat autem ei obligatio ad mutuum in posterum faciendum, quia etiam talis obligatio pecunia aestimari posset. Et ideo licet simul mutuanti unum aliquid aliud mutuare, non autem licet eum obligare ad mutuum in posterum faciendum.
Ad quintum dicendum quod ille qui mutuat pecuniam transfert dominium pecuniae in eum cui mutuat. Unde ille cui pecunia mutuatur sub suo periculo tenet eam, et tenetur integre restituere. Unde non debet amplius exigere ille qui mutuavit. Sed ille qui committit pecuniam suam vel mercatori vel artifici per modum societatis cuiusdam, non transfert dominium pecuniae suae in illum, sed remanet eius, ita quod cum periculo ipsius mercator de ea negotiatur vel artifex operatur. Et ideo licite potest partem lucri inde provenientis expetere, tanquam de re sua.
Ad sextum dicendum quod si quis pro pecunia sibi mutuata obliget rem aliquam cuius usus pretio aestimari potest, debet usum illius rei ille qui mutuavit computare in restitutionem eius quod mutuavit. Alioquin, si usum illius rei quasi gratis sibi superaddi velit, idem est ac si pecuniam acciperet pro mutuo, quod est usurarium, nisi forte esset talis res cuius usus sine pretio soleat concedi inter amicos, sicut patet de libro accommodato.
Ad septimum dicendum quod si aliquis carius velit vendere res suas quam sit iustum pretium, ut de pecunia solvenda emptorem expectet, usura manifeste committitur, quia huiusmodi expectatio pretii solvendi habet rationem mutui; unde quidquid ultra iustum pretium pro huiusmodi expectatione exigitur, est quasi pretium mutui, quod pertinet ad rationem usurae. Similiter etiam si quis emptor velit rem emere vilius quam sit iustum pretium, eo quod pecuniam ante solvit quam possit ei tradi, est peccatum usurae, quia etiam ista anticipatio solutionis pecuniae habet mutui rationem, cuius quoddam pretium est quod diminuitur de iusto pretio rei emptae. Si vero aliquis de iusto pretio velit diminuere ut pecuniam prius habeat, non peccat peccato usurae.