Skip to main content

Artigo I - É pecado receber juros pelo dinheiro emprestado?

QUANTO AO PRIMEIRO ARTIGO, ASSIM SE PROCEDE: parece que não é pecado receber juros pelo dinheiro emprestado.

  1. Com efeito, ninguém peca seguindo o exemplo de Cristo. Ora, o Senhor diz de si mesmo: "De volta, eu o receberia com juros", isto é: o dinheiro emprestado. Logo, não é pecado receber juros pelo dinheiro emprestado. 
  2. ALÉM DISSO, o Salmo proclama: "A lei do Senhor é imaculada'', precisamente por proibir o pecado. Ora, na lei divina se autoriza certa espécie de usura, como se lê no livro do Deuteronômio: "Não exigirás de teus irmãos juro algum nem por dinheiro nem por víveres nem por coisa alguma; podes exigi-lo do estrangeiro". Mais ainda, há uma promessa pela observância da lei nestes termos: "Darás emprestado a muitas nações e não tomarás emprestado de nenhuma." Logo, receber juros não é pecado.
  3. ADEMAIS, nas coisas humanas, a justiça é determinada pelas leis civis. Ora, estas permitem cobrar juros. Logo, essa prática não parece ser ilícita.
  4. ADEMAIS, não seguir os conselhos evangélicos não constitui pecado. Ora, o Evangelho, entre outros conselhos, dá este: "Emprestai, sem nada esperardes por isso." Logo, receber juros não é pecado.
  5. ADEMAIS, receber pagamento pelo que não se está obrigado a fazer não parece ser, em si mesmo, pecado. Ora, quem tem dinheiro não está obrigado, em qualquer caso, a emprestá-lo ao próximo. Logo, lhe será lícito, às vezes, receber uma retribuição pelo empréstimo.
  6. ADEMAIS, as moedas de prata e os vasos de prata têm a mesma natureza. Ora, é lícito receber um pagamento pelo empréstimo de vasos de prata. Logo, será permitido receber um preço pelo empréstimo de moedas de prata. Portanto, a usura não é por si pecado.
  7. ADEMAIS, qualquer um pode receber licitamente o objeto que o proprietário lhe dá livremente. Ora, quem toma emprestado oferece livremente juros a quem lhe empresta. Logo, este pode licitamente recebê-los.

EM SENTIDO CONTRÁRIO, está dito no livro do Êxodo: "Se emprestares a alguém de meu povo, a um pobre que vive ao teu lado, não o apertarás como um cobrador, nem o oprimirás com juros."

RESPONDO. Receber juros por um dinheiro emprestado é, em si mesmo, injusto, pois se vende o que não existe. O que constitui manifestamente uma desigualdade contrária à justiça. Para evidenciá-lo, devemos considerar que o uso de certos objetos se confunde com o seu consumo. Consumimos o vinho para nossa bebida e o trigo para nosso alimento. O uso de tais coisas não se deve separar de sua própria realidade, mas a quem se concede o uso se concede o próprio objeto. Por isso, o empréstimo dessas coisas transfere o domínio sobre elas. Quem pretendesse vender o vinho separadamente do uso dele, venderia a mesma coisa duas vezes ou venderia o que não existe. Portanto, pecaria manifestamente por injustiça. Pela mesma razão, comete injustiça quem empresta vinho ou trigo, exigindo duas compensações: uma, a restituição da própria coisa; e a outra, o preço de seu uso, chamado usura.

Ao invés, há outras coisas cujo uso não se confunde com o consumo delas. Assim, o uso de uma casa consiste em habitá-la, não em destruí-la. Pode-se fazer uma cessão distinta do uso e da propriedade. Transfere-se, por exemplo, a outrem o domínio de uma casa, reservando para si o uso por certo período, ou inversamente, cede-se o uso da casa e conserva-se para si o domínio. Por conseguinte, pode-se receber o preço pelo uso da casa, e, além disso, reclamar de volta a casa emprestada, como se pratica no arrendamento ou na locação de um imóvel.

Mas o dinheiro foi principalmente inventado, segundo o Filósofo, para facilitar as comutações; e, assim, o uso próprio e principal do dinheiro é ser consumido ou despendido, pois se gasta nas comutações. Por isso, é, em si mesmo, ilícito perceber um preço pelo uso do dinheiro emprestado, o que se chama usura. E como se está obrigado a restituir tudo o que é injustamente adquirido, deve-se restituir o que foi recebido como usura.

QUANTO AO 1º, portanto, deve-se dizer que a usura, nessa passagem, se toma em sentido metafórico. Designa o acréscimo dos bens espirituais que Deus exige, querendo que progridamos sempre no uso dos bens que dele recebemos. O que redunda em utilidade nossa, não sua.

QUANTO AO 2º, deve-se dizer que foi proibido aos judeus cobrar juros de seus irmãos, isto é, de outros judeus. O que dá a entender que perceber juros de quem quer que seja é um mal em si. Pois, devemos considerar todo homem como próximo e irmão, sobretudo na lei evangélica à qual todos são chamados. Por isso, no Salmo se declara de maneira absoluta, falando do justo: "Ele não empresta seu dinheiro a juros." E no livro de Ezequiel se acrescenta: "Não recebeu juros." A autorização de receber juros dos estrangeiros não foi concedida como lícita, mas apenas como permitida para evitar mal maior, isto é, para que, levados pela cobiça a que eram propensos, como testemunha Isaías, não viessem a cobrar juros dos mesmos judeus, adoradores de Deus. - Quanto à recompensa prometida: "emprestarás com juros a muitas nações", a expressão é tomada em sentido geral de emprestar simplesmente, como em outra passagem do livro do Eclesiástico: "Muitos sem malícia deixaram de emprestar com juros, isto é, não emprestaram." Promete-se, portanto, aos judeus como prêmio a abundância de riquezas que lhes permita emprestar aos outros.

QUANTO AO 3º, deve-se dizer que as leis humanas deixam impunes alguns pecados, por causa das imperfeições dos homens, pois se impediriam muitas vantagens, coibindo todos os pecados com penas rigorosas. Por isso, a lei humana tolera os juros, não por considerá-los conforme à justiça, mas para não impedir os proveitos de muitos. Daí se dispor no próprio direito civil: "As coisas que se consomem pelo uso não são suscetíveis de usufruto, nem em virtude do direito natural nem do civil." E acrescenta: "O Senado não estabeleceu o usufruto dessas coisas, nem podia fazê-lo, mas constituiu um quase usufruto," isto é, permitiu os juros. E o Filósofo, guiado pela razão natural, declara: "a aquisição usurária de dinheiro é o que há de mais alheio à natureza."

QUANTO AO 4º, deve-se dizer que nem sempre se está obrigado a emprestar; sob esse aspecto, trata-se de um conselho. Mas, não buscar lucro do empréstimo é objeto de preceito. - Poder-se-ia considerar como conselho em comparação com os dizeres dos fariseus, que tinham por justa certa forma de usura; nesse sentido, o amor dos inimigos é também um conselho. - Ou ainda, no lugar citado, se trataria não da esperança de lucro usurário, mas da confiança que se deposita em um homem; pois, não devemos emprestar dinheiro ou praticar algum bem, por esperança em um homem, mas, sim, em Deus.

QUANTO AO 5º, deve-se dizer que quem não está obrigado a emprestar pode receber uma compensação pelo que fez, mas nada mais pode exigir. Ora, é compensado segundo a igualdade da justiça, se lhe for dado tanto quanto emprestou. Por isso, se exige mais pelo usufruto de uma coisa que não tem outro uso senão o consumo de sua substância, exige o preço de algo que não existe. Portanto, essa exação é injusta.

QUANTO AO 6º, deve-se dizer que o uso principal dos vasos de prata não é o seu consumo; por isso, pode-se licitamente vender o uso deles, guardando o domínio da propriedade dos mesmos. Ao invés, o uso principal das moedas de prata está em serem gastas nas comutações. Por isso, não é permitido vender o uso e ao mesmo tempo exigir a restituição do que foi emprestado. Deve-se, no entanto, notar que o uso secundário dos vasos de prata pode ser a comutação. E, então, não seria lícito vender esse uso. Igualmente, pode haver outro uso secundário, se as moedas de prata fossem emprestadas em vista de serem exibidas ou para servir de penhor. Tal uso do dinheiro poderia ser licitamente vendido.

QUANTO AO 7º, deve-se dizer que quem paga juros não o faz de maneira inteiramente livre, mas constrangido por certa necessidade. Com efeito, precisa do empréstimo, e quem dispõe do dinheiro não quer emprestá-lo sem juros.

Latim

Ad primum sic proceditur. Videtur quod accipere usuram pro pecunia mutuata non sit peccatum. Nullus enim peccat ex hoc quod sequitur exemplum Christi. Sed dominus de seipso dicit, Luc. XIX, ego veniens cum usuris exegissem illam, scilicet pecuniam mutuatam. Ergo non est peccatum accipere usuram pro mutuo pecuniae.

Praeterea, sicut dicitur in Psalm., lex domini immaculata, quia scilicet peccatum prohibet. Sed in lege divina conceditur aliqua usura, secundum illud Deut. XXIII, non faenerabis fratri tuo ad usuram pecuniam, nec fruges nec quamlibet aliam rem, sed alieno. Et, quod plus est, etiam in praemium repromittitur pro lege servata, secundum illud Deut. XXVIII, faenerabis gentibus multis; et ipse a nullo faenus accipies. Ergo accipere usuram non est peccatum.

Praeterea, in rebus humanis determinatur iustitia per leges civiles. Sed secundum eas conceditur usuras accipere. Ergo videtur non esse illicitum.

Praeterea, praetermittere consilia non obligat ad peccatum. Sed Luc. VI inter alia consilia ponitur, date mutuum, nihil inde sperantes. Ergo accipere usuram non est peccatum.

Praeterea, pretium accipere quo eo quod quis facere non tenetur, non videtur esse secundum se peccatum. Sed non in quolibet casu tenetur pecuniam habens eam proximo mutuare. Ergo licet ei aliquando pro mutuo accipere pretium.

Praeterea, argentum monetatum, et in vasa formatum, non differt specie. Sed licet accipere pretium pro vasis argenteis accommodatis. Ergo etiam licet accipere pretium pro mutuo argenti monetati. Usura ergo non est secundum se peccatum.

Praeterea, quilibet potest licite accipere rem quam ei dominus rei voluntarie tradit. Sed ille qui accipit mutuum voluntarie tradit usuram. Ergo ille qui mutuat licite potest accipere.

Sed contra est quod dicitur Exod. XXII, si pecuniam mutuam dederis populo meo pauperi qui habitat tecum, non urgebis eum quasi exactor, nec usuris opprimes.

Respondeo dicendum quod accipere usuram pro pecunia mutuata est secundum se iniustum, quia venditur id quod non est, per quod manifeste inaequalitas constituitur, quae iustitiae contrariatur. Ad cuius evidentiam, sciendum est quod quaedam res sunt quarum usus est ipsarum rerum consumptio, sicut vinum consumimus eo utendo ad potum, et triticum consumimus eo utendo ad cibum. Unde in talibus non debet seorsum computari usus rei a re ipsa, sed cuicumque conceditur usus, ex hoc ipso conceditur res. Et propter hoc in talibus per mutuum transfertur dominium. Si quis ergo seorsum vellet vendere vinum et seorsum vellet vendere usum vini, venderet eandem rem bis, vel venderet id quod non est. Unde manifeste per iniustitiam peccaret. Et simili ratione, iniustitiam committit qui mutuat vinum aut triticum petens sibi duas recompensationes, unam quidem restitutionem aequalis rei, aliam vero pretium usus, quod usura dicitur.

Quaedam vero sunt quorum usus non est ipsa rei consumptio, sicut usus domus est inhabitatio, non autem dissipatio. Et ideo in talibus seorsum potest utrumque concedi, puta cum aliquis tradit alteri dominium domus, reservato sibi usu ad aliquod tempus; vel e converso cum quis concedit alicui usum domus, reservato sibi eius dominio. Et propter hoc licite potest homo accipere pretium pro usu domus, et praeter hoc petere domum commodatam, sicut patet in conductione et locatione domus.

Pecunia autem, secundum philosophum, in V Ethic. et in I Polit., principaliter est inventa ad commutationes faciendas, et ita proprius et principalis pecuniae usus est ipsius consumptio sive distractio, secundum quod in commutationes expenditur. Et propter hoc secundum se est illicitum pro usu pecuniae mutuatae accipere pretium, quod dicitur usura. Et sicut alia iniuste acquisita tenetur homo restituere, ita pecuniam quam per usuram accepit.

Ad primum ergo dicendum quod usura ibi metaphorice accipitur pro superexcrescentia bonorum spiritualium, quam exigit Deus volens ut in bonis acceptis ab eo semper proficiamus. Quod est ad utilitatem nostram, non eius.

Ad secundum dicendum quod Iudaeis prohibitum fuit accipere usuram a fratribus suis, scilicet Iudaeis, per quod datur intelligi quod accipere usuram a quocumque homine est simpliciter malum; debemus enim omnem hominem habere quasi proximum et fratrem, praecipue in statu Evangelii, ad quod omnes vocantur. Unde in Psalm. absolute dicitur, qui pecuniam suam non dedit ad usuram; et Ezech. XVIII, qui usuram non acceperit. Quod autem ab extraneis usuram acciperent, non fuit eis concessum quasi licitum, sed permissum ad maius malum vitandum, ne scilicet a Iudaeis, Deum colentibus, usuras acciperent, propter avaritiam, cui dediti erant, ut habetur Isaiae LVI.

Quod autem in praemium promittitur, faenerabis gentibus multis etc., faenus ibi large accipitur pro mutuo, sicut et Eccli. XXIX dicitur, multi non causa nequitiae non faenerati sunt, idest non mutuaverunt. Promittitur ergo in praemium Iudaeis abundantia divitiarum, ex qua contingit quod aliis mutuare possint.

Ad tertium dicendum quod leges humanae dimittunt aliqua peccata impunita propter conditiones hominum imperfectorum, in quibus multae utilitates impedirentur si omnia peccata districte prohiberentur poenis adhibitis. Et ideo usuras lex humana concessit, non quasi existimans eas esse secundum iustitiam, sed ne impedirentur utilitates multorum. Unde in ipso iure civili dicitur quod res quae usu consumuntur neque ratione naturali neque civili recipiunt usumfructum, et quod senatus non fecit earum rerum usumfructum, nec enim poterat; sed quasi usumfructum constituit, concedens scilicet usuras. Et philosophus, naturali ratione ductus, dicit, in I Polit., quod usuraria acquisitio pecuniarum est maxime praeter naturam.

Ad quartum dicendum quod dare mutuum non semper tenetur homo, et ideo quantum ad hoc ponitur inter consilia. Sed quod homo lucrum de mutuo non quaerat, hoc cadit sub ratione praecepti. Potest tamen dici consilium per comparationem ad dicta Pharisaeorum, qui putabant usuram aliquam esse licitam, sicut et dilectio inimicorum est consilium. Vel loquitur ibi non de spe usurarii lucri, sed de spe quae ponitur in homine. Non enim debemus mutuum dare, vel quodcumque bonum facere, propter spem hominis, sed propter spem Dei.

Ad quintum dicendum quod ille qui mutuare non tenetur recompensationem potest accipere eius quod fecit, sed non amplius debet exigere. Recompensatur autem sibi secundum aequalitatem iustitiae si tantum ei reddatur quantum mutuavit. Unde si amplius exigat pro usufructu rei quae alium usum non habet nisi consumptionem substantiae, exigit pretium eius quod non est. Et ita est iniusta exactio.

Ad sextum dicendum quod usus principalis vasorum argenteorum non est ipsa eorum consumptio, et ideo usus eorum potest vendi licite, servato dominio rei. Usus autem principalis pecuniae argenteae est distractio pecuniae in commutationes. Unde non licet eius usum vendere cum hoc quod aliquis velit eius restitutionem quod mutuo dedit. Sciendum tamen quod secundarius usus argenteorum vasorum posset esse commutatio. Et talem usum eorum vendere non liceret. Et similiter potest esse aliquis alius secundarius usus pecuniae argenteae, ut puta si quis concederet pecuniam signatam ad ostentationem, vel ad ponendum loco pignoris. Et talem usum pecuniae licite homo vendere potest.

Ad septimum dicendum quod ille qui dat usuram non simpliciter voluntarie dat, sed cum quadam necessitate, inquantum indiget pecuniam accipere mutuo, quam ille qui habet non vult sine usura mutuare.