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Terceira Chaga

A ferida no lado da santa Igreja: a desunião dos Bispos

Os seis laços de ouro

A palavra "colegialidade" tem sido frequentemente ouvida desde o Concílio Vaticano II. O que isso significa? É uma doutrina moldada pelo Vaticano II segundo a qual os bispos formam um colégio que, unido sob a cabeça, o Papa, governa a Igreja. "A ORDEM DOS BISPOS É O SUCESSOR DO COLÉGIO DOS APÓSTOLOS EM SEU PAPEL DE ENSINANTES E PASTORES, E É NISSO QUE SE PERPETUA O COLÉGIO APOSTÓLICO. SEMPRE EM UNIÃO COM SUA CABEÇA, O PONTÍFICE SUPREMO, ELES EXERCEM PLENA AUTORIDADE SOBRE A IGREJA UNIVERSAL." (Lumen Gentium, 22). As tensões entre a primazia do papa e a colegialidade dos bispos sempre foram muito fortes. De forma significativa, o Vaticano II queria ressaltar que os bispos são realmente "vigários e legados de Cristo" e não "vigários do Papa". No entanto, muito recentemente, em 1996, o Arcebispo aposentado John Quinn se queixou de que a cúria papal frequentemente considerava a si mesma superior ao colégio dos bispos, dificultando assim o desenvolvimento da colegialidade. Atualmente, existem poucas estruturas colegiais, exceto por um Concílio Ecumênico. O Sínodo dos Bispos, criado por Paulo VI, é apenas um simples conselho do Papa: "Não é um órgão colegial de direção para a Igreja universal" (Ratzinger).

Essa união dos bispos entre si e com o Papa para formar um Colégio ainda não é efetiva. Muitos acreditam que precisamos de um Vaticano III para definir como realizar essa unidade perfeita dos bispos entre si e com o Papa, de modo que ela demonstre sua "plena autoridade sobre a Igreja universal". É indiscutível que enormes progressos foram feitos para curar essa "ferida" desde a época de Rosmini: os bispos se reúnem com mais regularidade em todos os níveis, muitos deles começam a se conhecer melhor; graças às Conferências Episcopais nacionais, documentos comuns são aprovados e divulgados. Mas os bispos sentem que cada um deles é responsável, não apenas por seu próprio diocese, mas pela Igreja universal? Existem estruturas que lhes permitem governar juntos a Igreja universal, sempre sob a liderança do Papa? Eles ensinam todos a mesma doutrina, a mesma liturgia, o mesmo código ético?

Rosmini afirma que a "colegialidade" ou a união de todos os bispos era praticada pelos bispos e Papas nos seis primeiros séculos da Igreja. Foi apenas quando os bispos entraram na arena política que a ferida da desunião e do conflito envenenou a Igreja. Aqui está sua análise histórica:

  1. JESUS, antes de sua paixão e morte, orou ao Pai para estabelecer seus apóstolos em perfeita unidade. A unidade na natureza divina da Santa Trindade é a fonte da unidade no Episcopado da Igreja.
  2. Os Apóstolos zelaram pela sua unidade e pela unidade de suas igrejas. Sua unidade interior era garantida pela comunhão de doutrinas e sacramentos; sua unidade exterior pelos fortes laços entre os Apóstolos e seu chefe, Pedro, e depois por seus sucessores.
  3. Embora dispersos entre as nações, os bispos eram conscientes de formar um só corpo dotado da mais alta autoridade. Seus corações e suas mentes eram dominados por esse grande conceito de unidade, e eles usavam todos os meios possíveis para se conectar entre si. Todos mantinham exatamente a mesma fé, o mesmo amor mútuo.
  4. Como essa perfeita unidade era realizada? Rosmini menciona "seis laços de ouro" que unem os bispos em perfeita unidade.
  • Os bispos se conheciam pessoalmente entre si. Tito, Timóteo, Policarpo, Inácio, Irineu, João Crisóstomo, Gregório de Nyssa, Gregório de Nazianzo foram bispos que conheciam pessoalmente muitos outros santos bispos mesmo antes de serem nomeados. Era bem conhecido que a casa de Santo Agostinho era a casa na qual muitos futuros bispos foram formados. Esses grandes bispos formaram outros grandes bispos e mantiveram seus profundos laços de amizade e amor cristão.

  • Os bispos, mesmo os mais isolados, correspondiam continuamente, embora não dispusessem dos nossos meios de comunicação. As cartas dos bispos eram lidas respeitosamente nas assembleias. Os Apóstolos escreviam para suas igrejas, e os outros bispos seguiam seus exemplos: Clemente, Inácio, Sotero, Atanásio, João Crisóstomo, etc. Particularmente comoventes são as cartas escritas por Inácio a várias igrejas quando foi levado a Roma para ser martirizado (aos Efésios, Magnésios, Tralianos, Romanos, Filadélfios e Esmirnenses). Na sua carta à igreja de Roma, São Dionísio escreve: "HOJE CELEBRAMOS O DIA DO SENHOR E LEMOS SUA CARTA. CONTINUAREMOS A LÊ-LA PARA NOSSO ENSINO, COMO FAZEMOS COM AS CARTAS QUE CLEMENTE NOS ENVIA." Sete cartas desse grande bispo nos chegaram, escritas a diferentes igrejas: aos Romanos, Lacedemônios, Atenienses, Nicodêmienses, habitantes do Ponto, da Creta e de Gnossos.

  • Os bispos se visitavam mutuamente com caridade, ou movidos pelo zelo pelas questões da Igreja. Sua devoção se aplicava mais à Igreja universal do que suas próprias igrejas os investiam. Eles eram conscientes de ser bispos da Igreja Católica, e percebiam que um diocese não poderia ser separada do corpo inteiro dos fiéis. Cada Igreja local incorporava a totalidade do que a Igreja realmente é, mas seus bispos eram conscientes da necessidade fundamental de estar em união com os outros bispos e com o bispo de Roma.

  • As Assembleias e Concílios, especialmente os concílios provinciais, se reuniam com frequência. Os bispos de uma província buscavam mutuamente seus pareceres, para esclarecer um ponto de doutrina, encontrar soluções comuns. Os bispos consultavam frequentemente seus sacerdotes e fiéis, prestando conta de seu governo. O consentimento dos fiéis em todas as áreas era tão valorizado que, se rejeitassem um bispo, não eram obrigados a aceitá-lo e outra pessoa adequada era nomeada em seu lugar. São Cipriano escrevia a seus sacerdotes: "No início do meu episcopado, decidi não tomar nenhuma decisão sem solicitar seu parecer e o dos fiéis".

  • O bispo metropolitano tinha autoridade sobre os bispos de uma província, embora sedes mais importantes reunissem várias províncias e metropolitanos sob sua autoridade. Essa organização permitia a uniformidade da doutrina e da prática e fortalecia os laços entre as igrejas e os bispos.

  • A autoridade universal do Papa, que era a rocha-fundamento da unidade da Igreja universal. Para todas as suas necessidades importantes, os bispos e as igrejas do mundo todo recorriam a ele como um pai, um juiz, um professor, um chefe, o centro e a fonte comum. Roma era considerada o supremo trono onde era visível no sucessor de São Pedro a sã doutrina e a unidade da Igreja na terra. O Papa era o símbolo da unidade da Igreja universal, e os bispos realizavam continuamente peregrinações a Roma para orar sobre a tumba de São Pedro e prestar contas ao Papa.

A idade de ouro da Igreja terminou após seis séculos. A mesma força destrutiva responsável pela formação insuficiente de sacerdotes foi também a causa da desunião entre os bispos: foi o fim do Império Romano e as incessantes invasões dos reinos bárbaros, com a instituição do sistema feudal. No colapso do antigo sistema, os bispos tornaram-se os intermediários entre o povo e os senhores bárbaros e foram forçados a entrar na arena política, adquirindo nesse ocasião poder, riquezas e privilégios. A "Cristianização" da Europa foi o resultado da presença e da influência dos bispos na administração pública, mas essa implicação teve consequências infelizes para a Igreja. Os bispos rapidamente aprenderam a amar seu novo status político, e se cercaram de cortesãos, homens de armas, e de todas as marcas exteriores que invejavam nos príncipes reais. Inventaram protocolos, títulos, construíram palácios, e geralmente se afastaram de seu clero inferior e do povo. A avareza, o ódio, os desentendimentos, os apetites, a licença se espalharam entre eles, tornando-os servís aos seus senhores que garantiam sua posição. "Eles se tornaram escravos de homens ricamente vestidos, em vez de apóstolos livres de um Cristo nu". A implicação dos bispos na política causou profundas dissensões entre eles. Rosmini menciona os esforços dos ambiciosos bispos de Constantinopla, de Ravena, dos antipapas, para obter mais poder para si mesmos e para seus próprios senhores políticos; [houve] o surgimento de igrejas "nacionalistas" dirigidas por bispos mais leais a seus soberanos do que ao Papa e aos Evangelhos.

A acumulação de riqueza e poder dos bispos era invejada não apenas pelo povo e pelo clero, mas logo atraiu a nobreza e os soberanos, muitos deles, em diferentes épocas da história, se apropriaram de todos os seus bens. A resposta dos bispos foi defender suas riquezas por meio de "excomunhões", mostrando a realidade de sua riqueza e trazendo para a Igreja os piores resultados.

Rosmini afirma que a fé católica poderia ter sido preservada em algumas nações se a Igreja tivesse sido libertada da riqueza que a colocava em perigo. "É REALMENTE POSSÍVEL ENCONTRAR UM CLERO IMENSAMENTE RICO O SUFICIENTE CORAJOSO PARA SE EMPOBRECER, OU MESMO TER SENSO COMUM SUFICIENTE PARA COMPREENDER QUE EMPOBRECER A IGREJA É SALVÁ-LA?"

A Igreja aspira à liberdade, não à riqueza. Liberados de toda interferência política, libertos de todo compromisso político e da riqueza, os Bispos, pobres e simples como os Apóstolos, se tornariam novamente um farol de comunhão entre eles e estariam prontos para prosseguir com vigor a pregação do Reino de Deus a todas as criaturas.

Mas para alcançar esse desengajamento político, a eleição dos bispos deve ser exclusivamente de competência da Igreja. Isso só pode ser alcançado quando a quarta ferida da Igreja for fechada.

Trecho de Lumen Gentium e do Decreto sobre os Bispos do Vaticano II

“Para que os próprios bispos possam ser um só e indivisível, Jesus colocou Pedro acima dos outros Apóstolos e deu a ele uma fonte permanente e visível e o fundamento da unidade da fé e da amizade.”
“A natureza colegial e o significado da ordem episcopal encontram sua origem na prática muito antiga pela qual os bispos nomeados ao redor do mundo estavam ligados entre si e com o bispo de Roma por laços de unidade, caridade e paz.”
“O Pontífice Romano é a fonte visível e perpétua e o fundamento da unidade dos bispos e dos fiéis... cada Bispo representa sua própria Igreja, mas todos juntos, em união com o Papa, representam a Igreja inteira.”
“Os Bispos estão unidos em um colégio ou corpo... A ordem Episcopal é o objeto da plena e suprema potência sobre a Igreja universal. Mas esse poder deve ser exercido apenas com o consentimento do pontífice romano.”
“Os Bispos devem sempre reconhecer que estão ligados entre si e devem demonstrar seu interesse por todas as igrejas.”
“Quando exerce seu ministério de pai e pastor, um bispo deve se apresentar em meio ao seu povo como servo. Que ele seja um bom pastor que conhece seu rebanho e que seu rebanho o conheça. Que ele seja um verdadeiro pai que se destaque no espírito de amor por todos.”
“Nos primeiros séculos da Igreja, os Bispos que dirigiam igrejas individuais eram profundamente influenciados pela caridade fraterna e pelo zelo pela missão universal que os apóstolos receberam. Assim, eles colocaram seus recursos em comum e unificaram seus projetos para o bem comum e o das igrejas individuais. Foi assim que foram estabelecidos sínodos, concílios provinciais... Este Santo Concílio deseja, essencialmente, que as veneráveis instituições dos sínodos e concílios floresçam com um novo vigor.”