Segunda Chaga
A FERIDA NA MÃO DIREITA DA SANTA IGREJA: A FORMAÇÃO INSUFICIENTE DO CLÉRIGO
“APENAS GRANDES HOMENS PODEM FORMAR GRANDES HOMENS”
- A Pregação e a Liturgia foram as duas grandes escolas abertas ao povo Cristão durante o período mais glorioso da história da Igreja. O ser humano inteiro foi interpelado pela Palavra de Deus e pelas palavras da Liturgia que falavam à mente, pela eficácia dos rituais, símbolos e ações dos Sacramentos, especialmente da Eucaristia, que tocavam os corações. Os pregadores da Palavra eram homens santos que preenchiam seus ouvintes com sua própria abundância espiritual transbordante.
- Temos uma descrição da Eucaristia tal como era celebrada nos primeiros tempos da Igreja, contendo os dois elementos fundamentais, as palavras e os atos: "APÓS O PÔR DO SOL, AQUELES QUE VÊM DAS CIDADES OU DAS CAMPANHAS REÚNEM-SE PARA UMA CELEBRAÇÃO COMUM. E LÁ, LEEM-SE AS MEMÓRIAS DOS APÓSTOLOS OU OS ESCRITOS DOS PROFETAS, TANTO QUANTO É POSSÍVEL. QUANDO O LEITOR TERMINA, AQUELE QUE PRESIDE FAZ UM DISCURSO, EXORTANDO INSTANTE OS SEUS OUVINTES A PRATICAREM ESTES BELOS ENSINAMENTOS EM SUAS VIDAS. EM SEGUIDA, TODOS SE LEVANTAM E RECITAM AS ORAÇÕES. QUANDO AS ORAÇÕES TERMINAM, TROCAMOS O BEIJO. ENTÃO ALGUÉM TRAZ O PÃO E UM CÁLICE DE VINHO MISTURADO COM ÁGUA. AQUELE QUE PRESIDE OS PEGA E OFERECE LOUVOR E GLÓRIA AO PAI, AO FILHO E AO ESPÍRITO SANTO, E DURANTE UM TEMPO CONSIDERÁVEL RENDENDO GRAÇAS (EM GREGO EUCHARISTIAN) POR TERMOS SIDO JULGADOS DIGNOS DESTES PRESENTES, TODOS OS ASSISTENTES SE UNEM À ACLAMAÇÃO DIZENDO AMÉM. QUANDO AQUELE QUE PRESIDE RENDE GRAÇAS E A ASSISTÊNCIA RESPONDE, AQUELAS PESSOAS QUE CHAMAMOS DIÁCONOS DÃO AQUELES QUE ESTÃO PRESENTES O PÃO "EUCARISTIZADO" E PEGAM PARA AQUELAS QUE ESTÃO AUSENTES. PARALELAMENTE, OS BENFEITORES DOAM O QUE QUISEREM. O QUE É RECOLHIDO É CONFIADO AQUELA QUE PRESIDE, A QUAL AJUDA COM ISSO OS ÓRFÃOS E AS VIÚVAS..." (São Justino, 150 d.C.).
- Os sacerdotes vêm destas fervorosas comunidades Cristãs, que participavam plenamente da liturgia e haviam assimilado o poder do Evangelho em suas vidas. Este fato permite explicar como alguns membros excepcionais de tais comunidades foram elevados, a pedido geral, do humilde estado de leigo ao de bispo em poucos dias: veja, por exemplo, São Ambrósio, São Alexandre, São Martinho, São Pedro Crisólogo. Eles eram membros apreciados de sua comunidade Cristã e todos conheciam seu zelo e fervor nas assembleias.
- Segundo os mesmos critérios, nosso próprio clero não é melhor que nossos fiéis. É a comunidade que gera os sacerdotes; uma boa comunidade Cristã gerará bons sacerdotes, uma comunidade Cristã morna gerará sacerdotes mornos.
- Rosmini lamentava que as comunidades Cristãs de sua época foram negligenciadas pelo clero ao ponto de que as liturgias já não eram compreendidas, que o conhecimento da Palavra era mínimo, e que o povo de Deus foi relegado ao papel de espectadores na celebração dos Sacramentos, incapazes de participar devido a uma grande ignorância. Que tipo de clero poderia emergir de comunidades tão fracas? "O primeiro estágio do sacerdócio é o Cristão em si mesmo": um Cristão fraco se tornará candidato ao sacerdócio, sem compreender a liturgia nem a Palavra de Deus, atraído pelo privilégio de uma posição superior na sociedade, não pelo amor a Deus e ao seu povo; um tal candidato fará um sacerdote fraco, que consequentemente dirigirá congregações mais fracas e instruirá novos candidatos ainda mais fracos. "COMO PODEMOS EMPREENDER A INSTRUÇÃO E A FORMAÇÃO AO SACERDÓCIO EM UMA TRADIÇÃO REALMENTE EMINENTE DE CANDIDATOS TÃO MAL PREPARADOS? ELES IGNORAM OS ELEMENTOS BÁSICOS QUE DEVEM CONHECER? ELES NÃO TÊM NENHUMA IDEIA DO TIPO DE SABER QUE SE ESPERA DE UM SACERDOTE, NENHUMA IDEIA DO QUE ESTÃO SE COMPROMETENDO COMO CANDIDATOS AO SACERDÓCIO. A POBREZA E A MISÉRIA DAS IDEIAS QUE SUSTENTAM A PREPARAÇÃO E A FORMAÇÃO DOS ECLESIÁSTICOS MODERNOS PRODUZEM SACERDOTES IGNORANTES DA NATUREZA DA LAICIDADE CRISTÃ, DO SACERDÓCIO CRISTÃO E DOS VÍNCULOS SAGRADOS QUE OS RELACIONAM. MINISTROS DE CORAÇÃO MESQUINHO E ESPÍRITO ESTREITO, ELES SE TORNAM SACERDOTES E DIRIGENTES DE IGREJAS, FORMANDO SACERDOTES AINDA MAIS FRACOS E INDIGNOS QUE ELES MESMOS".
- Para Rosmini, esta situação lamentável remonta aos tempos sombrios da história Européia, a partir do final do século sexto. Ele acredita que os primeiros seis séculos constituem a idade de ouro da vida da Igreja; as incessantes invasões de bárbaros do Norte e do Leste trouxeram gradualmente mudançãs significativas em muitos aspectos da vida da Igreja, incluindo a formação para o sacerdócio. Eis sua análise histórica:
- Os sacerdotes da Igreja dos primeiros tempos foram formados pelos melhores homens que ela possuía. O "seminário" da Igreja nos primeiros tempos era a casa do Bispo. Os sacerdotes e diáconos viviam com seu bispo em uma comunidade de fé e amor. Eles aprendiam com seu bispo o amor pelas Escrituras, o zelo ardente pela Igreja, a preocupação pelos pobres. Santo Agostinho foi o educador de um grande número de sacerdotes e bispos que residiam com ele em sua casa. O mesmo se dá com Atanásio, Alexandre, Sixto, Jerônimo, Irineu, Panteno, Hermas: eles formaram grandes sacerdotes e bispos, tendo sido formados por outros grandes bispos. "Apenas grandes homens formam grandes homens", diz Rosmini. Os Apóstolos iniciaram o trabalho: Timóteo, Tito, Marcos, Evódio, Clemente, Inácio, Policarpo, todos bispos da Igreja primitiva, foram educados pelos próprios Apóstolos. Irineu, por sua vez, foi formado por Policarpo: "LEMBRO-ME ATÉ DO LUGAR ONDE O BEATO POLICARPO SE SENTAVA PARA PREGAR A PALAVRA DE DEUS. LEMBRO-ME COM PRECISÃO DA GRAVIDADE COM QUE ELE SE DESLOCAVA, SUA SANTIDADE EM TUDO QUE FAZIA, A DIGNIDADE DE SEUS TRAÇOS E SUA POSTURA, OS MÚLTIPLOS ENCORAJAMENTOS QUE ELE OFERECIA A SEU POVO. POSSO QUASE OUVIR A MANEIRA COMO ELE RELATAVA SUAS CONVERSAS COM SÃO JOÃO E OS OUTROS QUE VIRAM JESUS". Esses santos bispos se ocupavam pessoalmente da formação dos sacerdotes, e os educavam pela santidade de suas vidas e seu profundo conhecimento das Escrituras. A santidade de suas vidas garantia tanto a unidade dos sacerdotes com seus bispos quanto o ensino das mesmas doutrinas.
- Essa idade de ouro termina com as invasões dos bárbaros que trazem o caos e a destruição em todos os lugares. As sociedades ruíram, e o povo se agrupou em torno de seus sacerdotes e bispos, que se tornaram os mediadores entre o povo e seus novos senhores bárbaros. A Igreja foi subitamente sobrecarregada de honras e riquezas recebidas com sua aprovação. Os bispos tornaram-se funcionários dos novos estados, possuindo grande poder e riqueza, não mais livres, mas subordinados a seus senhores. Eles se distanciaram de seus sacerdotes, que se dividiram entre clero alto e baixo, competindo entre si pela aquisição de riquezas. Os bispos deixaram de ser amados e seguidos como pastores, tornando-se temidos como soberanos, distantes, cercados de armas e cortesãos. A vida comum entre bispos e sacerdotes cessou, e o cuidado pastoral foi deixado ao clero inferior, atraído agora ao sacerdócio não por homens santos e por uma vida sagrada, mas pela avareza e pela ambição.
- Rosmini vê a Santa Providência guiando os eventos, mesmo que tais eventos provoquem feridas profundas à Igreja. A participação dos sacerdotes e dos bispos nas estruturas de governo de uma sociedade dominada pela crueldade e ignorância dos mestres bárbaros fez com que os princípios Cristãos de amor ao próximo, justiça social, direitos da pessoa, mansidão e preocupação pelos pobres e doentes fossem gradualmente absorvidos, transformando a sociedade de dentro para fora.
- Nem todos os sacerdotes e bispos acolheram com benevolência a oportunidade de poder e influência que a mudança política trouxe. Rosmini menciona a queixa de São Gregório Magno, que dirigiu a Igreja nesse período, inconsolável ao ver os perigos do novo mundo: "NOMEADO BISPO, RETORNO AO MUNDO. AS CONDIÇÕES MODERNAS ADICIONARAM À MINHA TAREFA DE PASTOR MAIS PREOCUPAÇÕES DO QUE NUNCA TIVE NA MINHA VIDA DE LEIGO... AS MASSAS DE NEGÓCIOS QUE ME SOBEM DE TODOS OS LADOS, E O FLORECER DE RIQUEZAS QUE ME SUBMERGE, ME DÃO TODAS AS RAZÕES PARA DIZER QUE CAÍ NAS ÁGUAS PROFUNDAS, E A INUNDAÇÃO QUE ME SUBMERSA NAS QUESTÕES DO MUNDO TORNA IMPOSSÍVEL PARA MIM, NÃO APENAS PREGAR OS MILAGRES DO SENHOR, MAS ATÉ MESMO MEDITÁ-LOS". A ironia da situação era que, embora os bispos muitas vezes valorizassem seu novo status, poder e riqueza, os soberanos convertidos dedicavam suas coroas à Igreja, e sua maior glória era serem filhos e tributários da Igreja. Nessa época, quase todos os tronos da Europa estavam ocupados por um santo.
- Abandonados por seus bispos que se tornaram mais príncipes e soberanos deste mundo do que chefes espirituais, e carecendo de formação adequada, os sacerdotes atingiram um nível de degradação tal que perderam a estima do povo e se dedicaram a fazer dinheiro por todos os meios, usando os bens sagrados em seu benefício. As vendas de relíquias, sacramentos e indulgências tornaram-se generalizadas, e o vício e a ignorância tornaram-se a norma.
- O Concílio de Trento tentou remediar essa situação terrível ao proporcionar a fundação de seminários onde os candidatos ao sacerdócio pudessem receber uma formação adequada. Infelizmente, faltava aos formadores a grandeza dos bispos dos primeiros tempos da Igreja: "COMPAREM OS PROFESSORES - DIZ ROSMINI - SE QUISEREM TER UMA IDÉIA DOS DISCÍPULOS! DE UM LADO, OS BISPOS, OU OS HOMENS MAIS FAMOSOS DA IGREJA; DO OUTRO, OS JOVENS PROFESSORES DOS NOSSOS SEMINÁRIOS. QUE CONTRASTE!". Os professores de seminários, diz Rosmini, não têm experiência de vida, de paróquia, de trabalho pastoral. Eles são eruditos, mas sem sabedoria; conhecem de cor as fórmulas e os resumos das doutrinas, mas não têm a compreensão verdadeira dos grandes mistérios da fé.
- Além disso, os textos usados nos seminários são úteis para a erudição, mas não para formar sacerdotes em um modo de vida centrado em Cristo e no seu ensino. Os textos utilizados são "INSIGNIFICANTES, BANAIS, SEM ATRAÇÃO, O PRODUTO DE ESPÍRITOS ESTREITOS", que provocam nos estudantes o ódio ao aprendizado e à vida!
- As Escrituras foram o sublime manual da Igreja dos primeiros tempos, que inspirou o conhecimento e a fé juntos. Os Padres da Igreja utilizavam as Escrituras para todo seu ensino, elas os nutriram a eles próprios e a seus discípulos com as águas vivas da Palavra de Deus. Os comentários mais importantes da Bíblia vêm desses santos homens, e verdadeiramente todas as grandes obras teológicas tiveram como autores santos bispos. As obras dos Padres tornaram-se, por consequência, os manuais dos candidatos ao sacerdócio, mas após séculos ensinando-as, com muito poucas contribuições novas, até mesmo o estudo dos Padres tornou-se maçante e repetitivo. A etapa seguinte foi a introdução dos Compêndios de doutrinas, a Suma, que se tornou terreno dos Escolaístas, após Santo Tomás de Aquino. Mas enquanto Santo Tomás era imensamente profundo e sólido, seus discípulos reduziram o estudo teológico a fórmulas áridas, definições abstratas que não falavam ao coração das pessoas. "A CIÊNCIA TEOLOGICA PROGRESSIONOU, MAS A SABEDORIA DIMINUIU, E AS ESCOLAS TOMARAM UM CARÁTER ESTREITO E LIMITADO QUE FORMOU ESTUDANTES QUE FAZIAM PARTE DE UMA CLASSE SEPARADA DOS OUTROS SERES HUMANOS". Os novos teólogos, diz Rosmini, escolheram textos ainda mais inadequados para formar os candidatos: "ESTES LIVROS FORAM JULGADOS COMO OS MAIS MISERÁVEIS E DEBILITADOS TRABALHOS ESCRITOS EM DEZOITO SÉCULOS DE HISTÓRIA DA IGREJA. ELES CARECEM DE ESPÍRITO, DE PRINCÍPIOS, DE ESTILO E DE MÉTODO". Não é surpreendente, portanto, que o aprendizado da teologia e a vida Cristã tenham se tornado tão distantes. Não há substância, nem alimento da alma em tais obras, e os estudantes podem se permitir aprender as definições sem ter dúvidas sobre o pobre nível moral de suas vidas.
- Quão diferente era a educação dos sacerdotes nos tempos antigos; a metodologia era então unir o conhecimento à virtude, adquirir a verdadeira sabedoria, estudar enquanto se vive uma vida santa, cada aspecto nutrindo o outro. Buscava-se imitar Cristo, Sua Palavra divina e Seus atos extraordinários eram aprendidos e vividos, e o amor a Deus, o amor à Igreja e pelos pobres buscados com o mesmo entusiasmo que o amor pelas Escrituras e por todo verdadeiro saber.
- Em resumo, existem quatro explicações para a educação medíocre do clero:
- Os candidatos ao sacerdócio vêm de comunidades Cristãs fracas;
- Os candidatos moles e fracos são educados por sacerdotes moles e fracos;
- A pobreza dos manuais utilizados para formar os sacerdotes;
- A ausência de método adequado, o divórcio entre o ensino e a vida moral;
Para Rosmini, o Episcopado deve "curar" esta ferida. Mas os Bispos devem agir em conjunto, concordar em todos os princípios e métodos. O conjunto dos Bispos deve ser como a luz sobre a montanha, dirigindo seus sacerdotes pelo exemplo de sua comum santidade e unidade. Infelizmente, esta unidade essencial entre os bispos é o que falta. A desunião entre os bispos é a mais grave ferida no corpo crucificado da Igreja.
Trecho do Decreto do Vaticano II sobre a Formação dos Sacerdotes:
“Este Santo Concílio proclama a extrema importância da formação dos sacerdotes”
“Um programa para a formação dos sacerdotes deve ser empreendido pelas conferências Episcopais”
“A tarefa de encorajar as vocações cabe a toda a comunidade Cristã, que deve cumpri-la primeiro por uma vida toda Cristã... As famílias que vivem no espírito de fé, amor e respeito são uma espécie de introdução ao seminário... As paróquias ricas de vitalidade incentivam as vocações entre os jovens”
“Os diretores de seminários e os professores devem ser escolhidos entre os melhores... Eles devem criar um lar que fortaleça em cada um a alegria de sua vocação. Com uma participação ativa e amorosa, os Bispos devem inspirar a serem, e se mostrarem, verdadeiros irmãos em Cristo junto a seus estudantes”
“A formação espiritual deve estar intimamente ligada à formação doutrinal e paroquial... Elas devem ser ensinadas a prestar atenção a Cristo, a viver perpetuamente na companhia do Pai, do Filho e do Espírito Santo”
“Os seminaristas devem compreender plenamente que não são chamados às dominâncias e honras, mas a se dar inteiramente ao serviço de Deus e ao ministério pastoral”
“O estudo das Sagradas Escrituras deve ser a alma de toda teologia”.