IX - Não tem desculpa
Pecador ingrato, aprendei hoje que se vós vos condenais, não é pois a Deus que é preciso responsabilizar, mas a vós e à vossa própria vontade. Para vos convencerdes disso, descei até as portas do abismo: de lá vos farei vir alguém desses infelizes reprovados que queimam no inferno, a fim de que ele vos explique essa verdade. E aqui está um: "Dizei-me, quem és tu? - Eu sou um pobre idólatra, nascido em uma terra desconhecida; eu nunca escutei falar
nem do céu nem do inferno, nem do que eu sofro agora. - Pobre infeliz! Vai-te, não és tu que procuro". Que algum outro venha; ei-lo aqui; "Quem és tu? - Eu sou um cismático dos últimos confins da Tartária, eu vivi sempre em um estado selvagem, sabendo apenas que há um Deus. - Isto não é o que eu pergunto, retornai ao inferno". E aqui está um outro: "E tu, quem és? - Eu sou um pobre herético do Norte. Eu nasci sobre o pólo, sem jamais ter visto nem a luz do sol nem a luz da Fé - Isso não é ainda o que eu quero, retornai ao inferno". Meus irmãos, eu tenho o coração quebrado ao ver entre os reprovados esses infelizes que nunca conheceram nada da verdadeira Fé. Sabei, portanto, que a sentença de condenação foi pronunciada contra eles; nós dizemos-lhes: Perditio tua ex te. Eles se condenaram porque eles quiseram. E quantos foram os socorros que eles receberam de Deus para se salvar! Não os conhecemos, mas eles sabem bem, e eles gritam agora: "Vós sois justo, Senhor, e Vossos julgamentos são retos" (Ps CXIX, 137).
Vós deveis saber, meus irmãos, que a lei mais antiga é a lei de Deus, e que nós a portamos todos escrita em nosso coração, na qual ela aprendemos sem mestres, e que é suficiente ter a luz da razão para conhecer todos os preceitos dessa lei. É por isso que os próprios bárbaros se escondiam para cometer seus pecados, porque eles sabiam que era o mal o que eles faziam; e eles estão condenados por não terem observado a lei natural que eles tinham gravada em seus corações, pois, se a tivessem observado, Deus teria feito antes um milagre do que deixá-los se condenar; Ele lhes enviaria alguém para os instruir e lhes dar outros socorros nos quais eles se tornaram indignos por não viverem conforme às inspirações de sua própria consciência que nunca faltou-lhes em advertir do bem que deviam fazer e do mal que deviam evitar. Assim, também, é sua consciência que os acusa no Tribunal de Deus, é ela que lhes diz continuamente no inferno: Perditio tua ex te, perditio tua ex te. Eles não sabem o que responder, e são forçados a confessar que eles mereceram essa sorte. No entanto, se esses infiéis não tem desculpa, terão desculpas para um católico, que tinha a sua disposição tantos sacramentos, tantos sermões, e tantos socorros? Como ousa ele dizer: se Deus deveria me condenar, por que colocou-me ele no mundo? Como ousa ele falar assim, quando Deus lhe dá tantos socorros para se salvar? Terminemos, pois, de o confundir.