PROTESTANTISMO E LIBERALISMO
Eis aqui um estudo fortemente documentado, muito interessante; mas que corre o risco de provocar, aqui ou ali, um espanto bem natural, de tal modo as contradições aparentes que ele contém podem perturbar um espírito pouco familiarizado com a história religiosa. É, portanto, necessário precisar os seguintes pontos:
Uma nova doutrina, a do livre exame, pode não desenvolver de imediato, nos espíritos insuficientemente reflexivos, todas as suas implicações, e, portanto, só fazer aparecer mais tarde as suas consequências últimas, que são o indiferentismo religioso. Os protestantes começarão por cindir-se em múltiplas seitas; é neste momento que BOSSUET redigirá as suas "Variações das Igrejas Protestantes". Depois, a indiferença religiosa aparecerá mais tarde. Os historiadores do século XIX expõem-nos como a prática religiosa desmoronou nos países protestantes, enquanto permanecia generalizada entre os católicos na mesma época. (Cf. as obras de Georges GOYAU, sobre o Protestantismo na Alemanha).
Uma nova doutrina religiosa pode conter implicitamente as negações de toda autoridade religiosa e civil e, no entanto, "apelar ao braço secular" para encontrar um poder temporal capaz de impor pela força a populações tradicionalmente católicas a adesão a uma religião destinada a destruir toda a civilização cristã e a abater os príncipes ou chefes de Estado que permaneceram fiéis à sua fé católica. Daí a origem das Guerras de Religião. Mas não se deve ter ilusões sobre as afirmações repetidas dos protestantes em favor da origem divina do poder real. Era uma necessidade do momento. No dia em que os chefes da Revolução anticristã tiverem conseguido apoderar-se de um Estado, instalar-se nele como senhores e utilizar todos os recursos políticos de um país para espalhar a Revolução pelo mundo, eles irão então "tirar a máscara" e afirmar bem alto a "soberania popular" para destruir com mais segurança os estados que permaneceram cristãos. Desde 1688, Londres foi o centro de todos os movimentos revolucionários. É lá que os líderes reencontrarão seus cúmplices e os recursos financeiros para agir. É de Londres que partirão os incendiários para atear fogo em toda a Europa, em 1789, em 1830, em 1848, etc. É em Londres que esses mesmos líderes revolucionários virão refugiar-se após cada fracasso de levante para preparar os movimentos populares seguintes. Pode-se comparar o papel de Londres no século XIX nas revoluções da Europa ao papel de Moscou hoje através do Mundo.
É, aliás, a razão de ser da incoerência que reside no espírito do liberal: "Nenhuma liberdade para os inimigos da Liberdade"; e essa é bem a prova de que o Liberalismo é contra a natureza, visto que as necessidades da ação o levam constantemente a trair, nos fatos, as suas afirmações ideológicas: é em nome da liberdade que se guilhotinava em 1793; é em nome da Soberania do Povo que se massacravam alegremente as populações revoltadas, quando se era o mais forte: ex. da Vendeia, dos Cristeros no México, dos Exércitos Brancos na Rússia, etc., etc.
S. A. B.
O protestantismo está na origem da soberania popular e do liberalismo religioso?
Perguntar-se qual foi a posição dos teólogos protestantes sobre a soberania popular e sobre o liberalismo é investigar o que eles pensaram sobre a origem dessa soberania e sobre a sua extensão.
A SOBERANIA POPULAR
A doutrina católica sobre a origem da soberania baseia-se em São Paulo, Epístola aos Romanos, XIII, 1:
"Não há autoridade que não venha de Deus."
Ela foi formalizada por São Tomás de Aquino em três pontos:
- O homem foi criado por Deus para viver em sociedade.
- Para viver em sociedade, é necessária uma autoridade superior que comande em vista do bem comum.
- Tendo Deus querido a sociedade, isto é, o fim, quis também o meio, isto é, a autoridade superior destinada a prover o bem comum.
Portanto, a soberania procede de Deus. A conclusão de São Tomás foi repetida por inumeráveis teólogos, entre outros, Leão XIII, na "Diuturnum" e na "Immortale Dei".
Uma outra questão se coloca. Deus não exerce Ele mesmo essa soberania. A quem Ele a entregou? A resposta não deixa dúvidas: a um chefe de estado designado seja por herança, seja por eleição. A dificuldade consiste em saber se essa soberania de origem foi transferida diretamente por Deus ou se Ele se serviu de um intermediário. A essa dificuldade, respostas diferentes foram dadas em diversas épocas pelos teóricos católicos, fossem eles canonistas ou juristas. Para uns, a autoridade vem imediatamente de Deus; para outros, ela é delegada pela nação.
Trata-se aqui apenas de uma segunda questão, subsidiária à primeira; não a estudaremos aqui. Mencionamo-la apenas para precisar bem que ela é distinta da primeira e que, qualquer que seja a solução dada, o titular do poder está sob a dependência de Deus. A soberania é limitada pelo querer divino.
O mesmo não ocorre na solução que faz derivar a soberania não de Deus, mas do povo. Na doutrina católica, se alguns fazem intervir o povo de uma maneira ou de outra, é somente para designar o titular do poder; o povo não é a origem da soberania.
Se o povo é o princípio da soberania, ele não depende de ninguém. A consequência disso é que a soberania é ilimitada. Ela pode tudo; quaisquer que sejam suas decisões, justas ou injustas, deve-se submeter a elas. O legislador decide no lugar de Deus o que é o bem e o que é o mal. A tudo o que decide uma maioria, deve-se obedecer. Não há nenhuma regra moral acima dela. A onipotência do Estado atinge tudo, incluindo as matérias religiosas: é o despotismo absoluto, qualquer que seja, aliás, a forma de governo. É assim a soberania no sentido racionalista da palavra, tal como foi compreendida por HOTMAN no século XVI, por JURIEU no século XVII, e por ROUSSEAU no século XVIII. Todos os três fazem intervir um contrato social; mas isso não muda nada. A Igreja Católica condena essa doutrina porque ela passa sob silêncio a origem divina do poder.
Dito isto, qual é a posição dos teólogos protestantes sobre a soberania e seu fundamento?
À primeira vista, esperar-se-ia encontrar nos autores da religião reformada a negação de todo direito divino da autoridade política. Essa negação pareceria estar no espírito da reforma e do livre exame, e acreditar-se-ia nisso baseando-se nas ideias dos protestantes de hoje. No entanto, não é nada disso, ao menos para os séculos XVI e XVII. Nesses tempos, os protestantes orgulhavam-se de defender o direito divino dos reis. Essa posição quase unânime pode resumir-se na fórmula: "Os reis detêm todo poder direta e imediatamente de Deus". Essa afirmação comporta a recusa total de qualquer direito de controle por parte do povo; ela implica que os reis são os senhores absolutos das nações, visto que a autoridade lhes vem diretamente de Deus; não se pode cogitar de prestação de contas de seus atos a ninguém mais senão à Divindade.
Essa atitude protestante não deve surpreender, mesmo se pensarmos que ela é ilógica e contraditória com o princípio do livre exame. Ela se explica de duas maneiras:
- Primeiramente, pelas circunstâncias históricas: LUTERO, na Alemanha, para ter êxito, devia apoiar-se nos príncipes alemães e precisava de uma teoria que lhes fosse vantajosa. Na França, o rei designado pelas leis fundamentais do reino — ao menos em 1589, HENRIQUE IV — era huguenote.
- Em seguida, a negação do sacerdócio entre os protestantes acarreta a do papado, e a teoria do direito divino dos reis, que se opõe aos direitos da nação, pode voltar-se também contra todo direito do magistério romano.
Resulta disso que os protestantes estavam de acordo com a Igreja Católica sobre a origem da soberania política. A Igreja Católica condena a teoria do povo como fonte do poder. Segue-se igualmente que, por outro lado, sobre a questão de saber se o titular da soberania detém seus poderes diretamente de Deus ou por intermédio da nação, eles estavam em desacordo com um número muito grande de teólogos católicos. Para estes últimos, a soberania procede de Deus, mas Deus a entregou à nação. A nação possui a soberania não porque ela seja a sua fonte, mas porque a recebeu em depósito. Para esses teóricos, os príncipes recebem a soberania de Deus por intermédio da nação; o direito deles é de origem humana e não divina.
Os protestantes, por sua vez, repudiam não somente a soberania nacional oriunda dos homens — a soberania popular no sentido racionalista do termo, tal como será compreendida por ROUSSEAU e aplicada na época revolucionária e posteriormente —; mas eles repelem com igual horror a teoria segundo a qual a soberania teria sido transmitida por Deus à nação e, em seguida, pela nação aos príncipes.
A doutrina que é a deles é a do direito divino dos reis tal como foi afirmada na França pelo Terceiro Estado nos Estados Gerais de 1614, por RICHELIEU, por LUÍS XIV, por BOSSUET e, sobretudo, pelos galicanos. Uma diferença primordial existia, no entanto: para os protestantes, ao lado do direito divino real, não existia nenhum direito eclesiástico, não apenas divino, mas sequer humano.
Dissemos que essa doutrina protestante era professada quase unanimemente. De fato, apenas os anabatistas eram revolucionários. Do lado dos Luteranos, dos Calvinistas e dos Anglicanos, mal se podem encontrar duas exceções: HOTMAN e Hubert LANGUET, que escreveram respectivamente em 1573 e 1579. A tese deles do direito popular assemelhava-se curiosamente à dos principais pregadores da Liga Católica.
A teoria protestante quase constante foi formalizada por BEDÉ DE LA GORMANDIÈRE, em 1611, em sua obra: "O Direito Divino dos Reis contra o Cardeal BELARMINO e outros Jesuítas". BELARMINO, com efeito, havia sustentado que o direito dos reis é de instituição humana.
Também em 1611, DU PLESSIS-MORNAY, calvinista, compunha "O Mistério da Iniquidade" para defender os direitos dos imperadores, reis e príncipes cristãos.
Em 1613, o rei da Inglaterra, JAIME I, publicava seu "Prefácio Monitório", que enviou a todos os reis. Ele queria demonstrar ali que o principado civil provém imediatamente de Deus.
Em 1615, o mesmo rei publicou "A Declaração do Sereníssimo Rei JAIME I contra o discurso do ilustríssimo Cardeal DU PERRON", com esta conclusão: "Coloco meu cetro e minha coroa aos pés do Rei dos reis, pronto a servi-Lo em tão justa querela e a manter que meus irmãos e eu, que Deus elevou ao trono, não temos senão de Sua única Majestade divina a dignidade real". (Londres 1615, p. 142)
JAIME I foi contestado por BELARMINO, SUÁREZ e pelo Cardeal du PERRON.
A doutrina do direito divino dos reis foi ainda afirmada pelo sínodo das igrejas reformadas da França realizado em VITRÉ, em 1617. O sínodo de VITRÉ dizia, com efeito, a LUÍS XIII: "Nossa religião nos ensina que é preciso sujeitar-se às potências superiores, e que resistir-lhes é opor-se à ordem de Deus, o qual sabemos ter-vos elevado e sentado em vosso trono, ter-vos posto a coroa na cabeça e o cetro na mão."
Pode-se citar também: SAUMAISE: "Apologia real por CARLOS I, rei da Inglaterra", texto publicado em 1649.
Em 1683, FETIZON, ministro calvinista de SEDAN, escreveu em sua "Apologia pelos reformados", HAIA, p. 177: "Onde é que se ensina comumente que os reis dependem apenas do próprio Deus e que têm um poder divino que nenhuma pessoa eclesiástica, nenhuma comunidade de povos lhes pode tirar? Não é na religião protestante? Onde é que é ao menos permitido crer que a realeza não passa de uma autoridade humana que permanece sempre submissa aos Povos que a deram ou à Igreja que a pode arrebatar? Não é na Igreja romana que esses sentimentos são bem recebidos?"
A revogação do Edito de Nantes não mudou o ponto de vista protestante, ao menos de imediato. No mesmo ano da revogação, em 1685, Elie MERLAT, ministro de SAINTES, refugiado em LAUSANNE, publicou um tratado do poder absoluto dos soberanos, impresso em COLÔNIA. Ele sustentou que "estes não têm nenhuma lei que os regule em relação aos seus súditos".
Na mesma época, o filósofo calvinista BAYLE condena ainda a soberania popular, e o autor anônimo do "Tratado da autoridade real" invoca o Antigo e o Novo Testamento em favor do direito divino dos reis.
Em 1689, uma reviravolta completa se produz com as obras de JURIEU, calvinista, professor de teologia em SEDAN e depois em ROTTERDAM. Para JURIEU, a soberania deriva do povo, que é como que a sua fonte. O povo possui essa soberania em grau eminente e é ele quem a transmite aos soberanos por meio de um contrato. A ficção de um contrato é, portanto, afirmada por JURIEU, depois de HOTMAN e muito antes de ROUSSEAU. Dessa origem contratual do poder, JURIEU conclui que o povo tem o direito de controlar o soberano e de lhe resistir. Em outras palavras, o príncipe é responsável perante o povo. Uma controvérsia célebre desenrolou-se entre JURIEU e BOSSUET. BOSSUET desenvolveu longamente a teoria da submissão absoluta dos súditos, notadamente na quinta advertência aos protestantes.
Como se explica essa mudança brusca da doutrina protestante?
Por um evento que ocorrera no ano anterior. A data de 5 de novembro de 1688 é um divisor de águas. Nesse dia, o stathouder da Holanda, GUILHERME DE ORANGE, com cento e cinquenta navios de guerra, quinhentos barcos de transporte e quatorze mil homens de tropa, desembarcava em TORBAY, na Inglaterra. Seu estandarte trazia a inscrição: "Pela religião protestante e pela liberdade da Inglaterra". O rei católico, JAIME II, sogro de GUILHERME, teve logo que fugir.
Até então, muitos reis da Inglaterra haviam sido derrubados por usurpadores. RICARDO II, por Henrique de LANCASTRE; os LANCASTRE, pelos YORK; o protestante CARLOS I, por outros protestantes. Mas, em 1688, foi muito mais do que uma revolução palaciana; foi uma doutrina de fundamento da sociedade que se substituía a uma outra doutrina.
A reviravolta de JURIEU foi inspirada pelo desejo de justificar a revolução inglesa de 1688. GUILHERME DE ORANGE e seus turiferários queriam igualmente dar à usurpação um pretexto ideológico. Por isso, a revolução de 1688 teve muito mais consequências do que uma mudança de dinastia; ela acarretou uma virada de cento e oitenta graus na doutrina protestante, que passou do direito divino dos reis à soberania popular. Era o povo, titular da soberania, que supostamente havia substituído JAIME II por GUILHERME III.
A mudança doutrinal não se limitou à Inglaterra; ela provocou uma transformação profunda nos Estados da Europa do ponto de vista dos princípios diretores dos governos.
Ela foi também o ponto de partida de uma mudança de influência e de preponderância nos diversos Estados. A preponderância inclinar-se-á para os Estados protestantes. O protestantismo, através de Guilherme de ORANGE, vai introduzir pouco a pouco na constituição dos Estados a ideia de separação para com Deus.
O filósofo Paul JANET disse: "Assim como todas as discussões políticas do século XVII teriam tido por objeto a Reforma, as do século seguinte deviam ligar-se direta ou indiretamente à revolução da Inglaterra".
A partir desse momento, a ideia de soberania popular foi difundida por LOCKE, na Inglaterra; WOLFF e KANT, na Alemanha; DIDEROT, d'ALEMBERT, ROUSSEAU, na França. Esse foi o dogma principal na base da Revolução Francesa.
A maçonaria serviu-se da revolução da Inglaterra para defender esse princípio com os direitos do homem opostos aos direitos de Deus. Sem dúvida, a maçonaria só foi constituída oficialmente em Londres em 24 de junho de 1717, mas ensaios haviam sido tentados anteriormente. Segundo Gustave BORD ("A Maçonaria na França"), GUILHERME III DE ORANGE teria sido iniciado por volta de 1694 e, nessa qualidade, presidiu várias vezes assembleias em Hampton Court.
A Revolução Francesa não foi, portanto, a primeira a rejeitar Deus da sociedade; ela havia sido precedida, um século antes, pela revolução da Inglaterra. A doutrina revolucionária da soberania popular, pregada e veiculada pela maçonaria, não é uma eclosão espontânea do fim do século XVII, nem saiu do protestantismo primitivo; ela nasceu de uma segunda versão do protestantismo que teve origem em 1688. É de se sublinhar que o protestantismo dessa "segunda maneira" teve uma influência muito maior que o protestantismo da "primeira maneira"; ele foi mais sedutor e penetrou bem mais profundamente no pensamento de muitos intelectuais católicos.
Essa sedução foi obra da maçonaria, instituição inglesa em seu ponto de partida.
Que a doutrina da soberania popular tenha tido mais sucesso que a do direito divino dos reis, explica-se facilmente. O livre exame protestante, permitindo a cada indivíduo rejeitar a interpretação de uma autoridade eclesiástica instituída, deveria logicamente permitir-lhe repelir igualmente a de uma autoridade política. Não se vê logicamente por que um príncipe teria, mais do que um papa ou um bispo, o direito de fixar o dogma.
Por outro lado, a rejeição de toda autoridade espiritual deveria acarretar, a mais ou menos longo prazo, a rejeição de toda autoridade temporal; quando se repele a autoridade, não se pode parar no meio do caminho.
Por mais lógico que seja o abandono do direito divino dos reis, ele sublinha, contudo, uma falta de fixidez na subversão. O papel, nessa subversão, do personagem de GUILHERME DE ORANGE foi considerável; era certamente ele quem era visado com a Liga de AUGSBURGO, da qual era o inspirador, nas palavras do SAGRADO CORAÇÃO a Santa MARGARIDA MARIA, dizendo que Ele queria reinar no palácio de LUÍS XIV, ser pintado em seus estandartes e gravado em suas armas "para torná-las vitoriosas sobre todos os seus inimigos, abatendo a seus pés as cabeças orgulhosas e soberbas para torná-lo triunfante sobre todos os inimigos da Santa Igreja". As cabeças orgulhosas e soberbas são evidentemente as de GUILHERME DE ORANGE e de seus sequazes. O Sagrado Coração falava em 1689, o ano seguinte à revolução inglesa.
O LIBERALISMO RELIGIOSO
Resta examinar a posição protestante não mais em relação ao fundamento da soberania, mas em relação ao liberalismo religioso, que limita a extensão do seu exercício.
O liberalismo religioso é a doutrina que concede os mesmos direitos a todas as religiões perante a sociedade política. Para ele, o Estado não pode impedir a prática e a difusão de qualquer religião, contanto que ela não perturbe a ordem pública; pode ajudá-las, desde que não faça nenhuma discriminação. As religiões, cristãs ou não, devem ser todas tratadas com igualdade.
Pode essa doutrina do liberalismo concordar com as duas concepções da origem da sociedade? Com a primeira, a origem divina, certamente não. Se Deus deu uma revelação, não se pode compreender que esse Deus, após ter proclamado uma verdade, permita que ela não seja defendida e aceite vê-la colocada em pé de igualdade com o erro. O liberalismo religioso só pode acomodar-se a um vago deísmo impreciso, a um Deus que não teria dado a conhecer nenhuma verdade.
Pode o liberalismo religioso concordar melhor com a doutrina da soberania popular? A resposta é, novamente, não, visto que toda maioria tem o direito de conceder, restringir ou recusar qualquer liberdade religiosa. Se uma maioria passageira concede a liberdade a todas as religiões, outra maioria poderá retirar essa liberdade. Se há católicos que defenderam e ainda defendem simultaneamente a soberania popular e o liberalismo religioso, trata-se apenas de uma contradição infelizmente inconsciente.
Dito isto, qual é a posição dos protestantes sobre o liberalismo religioso? Os huguenotes dos séculos XVII e XVIII preconizavam a liberdade de consciência perante a sociedade política? À primeira vista, poder-se-ia crer que sim, devido à doutrina do livre exame.
Não foi nada disso. Se os protestantes quiseram emancipar o indivíduo da autoridade sacerdotal, foi unicamente para colocá-lo sob a autoridade dos príncipes. O livre exame dos textos da Escritura não foi, de fato, senão o livre exame deles em favor do poder político, que impunha à força a sua maneira de ver. É preciso dissipar a ilusão espalhada no século XIX, notadamente por Henri MARTIN, Edgar QUINET e MICHELET, que, por causa do espírito de livre exame, fizeram passar os primeiros reformadores por ancestrais da revolução e pioneiros da tolerância. Na realidade, salvo os anabatistas e salvo raríssimas exceções, os primeiros protestantes, luteranos ou calvinistas, sustentaram que os príncipes possuíam uma autoridade completa no que diz respeito à religião.
Para eles, poder temporal e poder espiritual deviam ser confundidos. Era o cesaropapismo.
Lutero não esperava do direito de cada cristão de interpretar a Escritura à sua maneira senão a ruína da autoridade do papa e dos bispos. Uma vez obtida esta, esse direito desaparecia, confiscado pelo poder temporal que se tornava, ao mesmo tempo, poder espiritual. O célebre princípio "CUJUS REGIO, EJUS RELIGIO" (de quem é a região, dele é a religião) fora estabelecido por Lutero em 1529. Ele reclama a exterminação pela força de seus adversários e a proibição de toda religião, de todo culto e de todo pensamento que não seja o luteranismo.
Em 1537, ele pediu a Henrique da SAXÔNIA que abolisse imediatamente em seus Estados "a abominação romana e a idolatria papista", durante uma pregação; três semanas antes de sua morte, ele reclamava a expulsão de todos os religiosos.
Em relação aos judeus, ele professou um antissemitismo que sem dúvida só foi ultrapassado pelo de HITLER. Em um de seus escritos, propôs "pôr enxofre, piche e, se possível fosse, o fogo do inferno nas sinagogas e nas escolas judaicas, destruir as casas dos judeus, apoderar-se de seus capitais e de todos os seus bens preciosos e enxotá-los em campo aberto, como cães raivosos". (1)
Ele lamentava que os príncipes da SAXÔNIA tivessem sido pacientes demais com seus adversários protestantes: "Poder-se-ia ter feito a cabeça de CARLOSTADT dançar sobre uma lâmina de aço fresca".
A esse propósito, não se pode deixar de notar a inconsciência do Cardeal WILLEBRANDS, presidente do Secretariado para a Unidade dos Cristãos, que, tomando a palavra na V Assembleia da Federação Luterana Mundial, em 15 de julho de 1969, em EVIAN, começava por citar o esquema do Vaticano II sobre a liberdade religiosa "DIGNITATIS HUMANAE PERSONAE" e prosseguia dizendo que Martinho LUTERO não havia sido estimado em seu justo valor pelos católicos, e que ele era uma personalidade profundamente religiosa.
De modo geral, os progressistas modernos não se deram conta da contradição na qual se emaranharam ao pregar, ao mesmo tempo, o liberalismo religioso e a reabilitação de LUTERO.
Os outros protestantes do século XVI não diferem de LUTERO. Para CAPITO, em 1537, o soberano é de direito chefe da Igreja e representa JESUS CRISTO em seus Estados; o mesmo pensam MELANCHTHON e FAREL. Na Dieta de AUGSBURGO, MELANCHTHON exige medidas de rigor contra todo católico que permaneça fiel à sua Igreja; aos Estados da Liga de ESMALCALDA, em 1537, ele exige de todos os príncipes alemães a supressão pela força do culto católico. Em um memorial assinado com BUCER e JONAS, ele afirmava: "Não se pode pôr em dúvida que, no interior de seus Estados, a autoridade tem o dever de abolir o falso culto e estabelecer a verdadeira religião".
BUCER é também inequívoco: "A idolatria dos bispos e do papa deve ser extirpada de todo o império pela violência, com a ajuda das autoridades".
Sobre este ponto, CALVINO pensou exatamente como LUTERO e seus discípulos; ele escreveu ao duque de SOMERSET, Regente do reino da Inglaterra, para exortá-lo a punir com a morte quem quer que se opusesse à reforma. Ele redigiu um tratado em 1554 para mostrar que é lícito punir os hereges e que foi com toda justiça que Miguel SERVET foi executado pela justiça na cidade de Genebra.
Em 1554, Théodore de BÈZE publicou em latim um livro intitulado: "De haereticis a civili magistratu puniendis" (Sobre o dever do magistrado civil de punir os hereges). Este livro, traduzido para o francês em 1559, é a mais virulenta defesa contra a liberdade de consciência.
Pode-se ler, na confissão de fé dos primeiros reformados da França, também de 1559: "Deus pôs a espada na mão dos magistrados para reparar os pecados cometidos". Encontra-se a mesma teoria em Thomas LIEBER, dito ERASTUS. Ela recebeu o nome de erastianismo no rei JAIME I, que já citamos a propósito da origem da soberania.
No século XVII, o jurista holandês GROTIUS declara em um livro que os príncipes são senhores do dogma; o mesmo diz SAUMAISE, em sua defesa do rei CARLOS I, em 1649; o mesmo dizem FETIZON e MERLAT, de quem já falamos.
BOSSUET podia escrever: "Não preciso explicar-me sobre a questão de saber se os príncipes cristãos têm o direito de servir-se da espada contra os sistemas inimigos da Igreja e da santa doutrina, visto que, neste ponto, os protestantes estão de acordo conosco. LUTERO e CALVINO escreveram livros primorosos para estabelecer sobre este ponto o direito e o dever dos magistrados". (História das Variações, livro X, Obras completas de BOSSUET, T. XX, p. 63).
Para bem compreender esse texto, é preciso, apesar de tudo, recordar a diferença entre os pontos de vista católico e protestante. Para o católico, a autoridade política que usa da espada está apenas a serviço do poder espiritual que detém a autoridade religiosa, enquanto, para o protestante, ela é a própria fonte dessa autoridade.
Um fato permanece certo. Nos séculos XVI e XVII, os protestantes foram unânimes em negar a liberdade de consciência. Que não se objete com o próprio termo "protestante" para designar essa religião. Não se deve crer que se trate de um protesto contra a intolerância. Sabe-se que a palavra protestante vem do fato de que, em 1529, seis príncipes luteranos (o Eleitor da SAXÔNIA, o Margrave de BRANDEMBURGO, os dois Duques de LÜNEBURG, o Landgrave de HESSE, o Príncipe de ANHALT) e os deputados de catorze cidades imperiais protestaram junto a CARLOS V, por escrito, contra um decreto da Dieta de ESPIRA que proibia, com ressalvas, a mudança de religião. Os signatários do protesto reclamavam para si esses direitos da verdade, e não a liberdade.
Os eventos de 1688, na Inglaterra, que mudaram a doutrina da soberania, mudaram também a doutrina em relação à liberdade de consciência? De modo algum; a soberania popular é tão exigente quanto a soberania real. Um texto legislativo de 1689 na Inglaterra exclui o direito ao culto dos católicos e dos judeus. O crime de MISSA é punido. A intolerância persiste igualmente na Alemanha e nos países escandinavos.
GUILHERME DE ORANGE fez, de fato, proclamar uma declaração de direitos em fevereiro de 1689, mas não se tratava de modo algum do direito à liberdade de consciência. Essa foi uma de suas primeiras obras. O padre MOURET, em seu livro sobre o Antigo Regime, p. 288, fala disso assim: "A famosa declaração de direitos de 23 de fevereiro de 1689, onde já se podia descobrir a inspiração geral da declaração francesa dos direitos do homem, deixava transparecer demasiadamente a concepção ruinosa de uma liberdade política independente da ideia religiosa".
Essa declaração de direitos, longe de ser uma etapa rumo à tolerância religiosa, não é senão um prelúdio, exato um século antes, da declaração dos direitos do homem de 26 de agosto de 1789, ela mesma prelúdio da declaração universal dos direitos do homem da ONU, de 10 de dezembro de 1948. Monsenhor JOUIN pôde escrever, em 1922: "O liberalismo pode definir-se como um sistema de concessões sucessivas cuja resultante é a substituição gradual dos direitos de Deus pelos direitos do homem".
Esses direitos do homem, que não levam em conta os direitos de Deus e que, no entanto, são tão exaltados atualmente, derivam, portanto, pela declaração inglesa de 1689, da revolução protestante inglesa; por essa via, eles são, de fato, oriundos do protestantismo, mas do protestantismo de 1688.
Foi somente muito mais tarde que os protestantes, embora afirmando a verdade de sua religião, chegaram a admitir pouco a pouco princípios de liberalismo religioso que não se devem confundir com os dos direitos do homem.
Dom BENOIT, em "Os Erros Modernos", 1885, p. 285, explica-o dizendo: "Se, neste século, eles se mostram tolerantes não apenas em relação às confissões cristãs, mas ainda em relação ao Judaísmo e a todos os cultos, é porque, entre eles, a fé em dogmas revelados enfraqueceu-se consideravelmente, e a dúvida os invade. Não é de espantar que, caindo no racionalismo, cheguem a encarar todas as religiões como igualmente indiferentes. A Igreja Católica, ao contrário, continua a professar, como sempre o fez, que sua doutrina tem por autor o próprio Deus, e que assim ela é a própria verdade. Ela afirma, portanto, que somente ela tem direitos".
O QUE CONCLUIR?
Se os progressistas modernos preconizam a soberania popular e professam o liberalismo religioso, é erroneamente que reivindicam filiação aos primeiros reformadores. Há aí uma contradição completa. Eles só poderiam legitimamente invocar em favor da soberania do povo o protestantismo posterior a 1688 e, para o liberalismo, apenas os protestantes contemporâneos.
No entanto, quanto à soberania popular, não se pode constatar da parte dos protestantes senão uma incoerência no início e uma coerência posteriormente. A rejeição de toda autoridade espiritual desde o início deveria ter acarretado, como consequência, uma tomada de posição em favor do poder vindo de baixo e não do poder vindo do alto. Nesse sentido, 1688 foi o restabelecimento da lógica. A afirmação do direito divino dos reis não passara de oportunismo. Era preciso servir-se dos reis para que a religião se impusesse; era preciso até mesmo empregar a força. Sem essa ajuda, a reforma não poderia ter triunfado.
Quanto ao liberalismo religioso, surgido bem tardiamente entre os protestantes, pode parecer estar na lógica do livre exame; mas não se deve ter ilusões. Toda religião que se torna liberal renuncia a impor-se e caminha para o suicídio. Geralmente, quando se parece liberal, é para uso externo, é para enganar e enfraquecer aqueles que professam ideias adversas. Bem compreendido, o liberalismo religioso nunca foi senão um artifício enganador, uma espécie de engodo. Nunca houve verdadeiros liberais, nem entre os infiéis, nem entre os cristãos não católicos. Como a doutrina católica de sempre, as religiões sempre se recusaram a colocar no mesmo plano a verdade e o erro, de tão evidentes que são os direitos da verdade. O liberalismo religioso só existiu e só existe entre católicos desviados pela subversão.
APÊNDICE
Eis um texto de BOSSUET, extraído de suas "Advertências aos Protestantes, contra o Sr. JURIEU":
"Depois de ter posto na cabeça de um povo que ele é particularmente inspirado por Deus, para acabar a obra só resta dizer-lhe ainda que ele pode constituir condutores a seu bel-prazer, depor todos os que estão estabelecidos e estabelecer outros que ajam apenas pelo poder que ele lhes conferiu. Foi o que se fez na Reforma. O Sr. CLAUDE e o Sr. JURIEU concordam nessa doutrina. A Igreja Católica fala assim ao povo cristão: vós sois um povo, um Estado e uma Sociedade, mas Jesus Cristo, que é vosso rei, não recebe nada de vós, e sua autoridade vem de mais alto: vós não tendes, naturalmente, mais direito de dar-lhe ministros do que de instituir a Ele próprio como vosso príncipe; assim, seus ministros, que são vossos pastores, vêm de mais alto como Ele mesmo, e é preciso que venham por uma ordem que Ele tenha estabelecido... Eis como se fala na Igreja, e os povos não presumem acima do que lhes é dado. Mas a Reforma diz-lhes todo o contrário: Em vós, diz ela, está a fonte do poder celeste; vós podeis não apenas apresentar, mas estabelecer pastores... É um direito natural de toda sociedade... Crede que, quando vos julgardes inspirados por Deus para reformar a Igreja, assim que estiverdes reunidos de qualquer maneira que seja, podereis fazer o que vos aprouver de vossos pastores, sem que ninguém vos possa tirar essa liberdade, pois ela é natural."
Texto capital, por onde se vê que a doutrina do livre exame está em contradição radical com o direito divino dos reis e que as afirmações repetidas dos protestantes, nos séculos XVI e XVII, sobre a origem divina do poder real não passavam de lisonjas aos príncipes, que eles esperavam assim ganhar para a causa da Reforma e utilizar como braço secular contra os príncipes e os povos que permaneceram fiéis à fé católica.
E. C.
(1) Citado por JANSSEN, "A Alemanha e a Reforma", Plon, 1889, tomo III, p. 595, e por GUIRAUD, "História parcial, história verdadeira", BEAUCHESNE, 1912, tomo II, p. 327.