POR OCASIÃO DO CENTENÁRIO DA ENCÍCLICA AETERNI PATRIS
O verão passado trouxe um aniversário que os jornais ditos católicos — e, claro, os Boletins diocesanos — guardaram-se cuidadosamente de recordar: o centenário da Carta Encíclica que o Papa Leão XIII, em 4 de agosto de 1879, dirigiu a todos os patriarcas, primazes, arcebispos e bispos católicos.
Esta Encíclica tem por título — notem bem —: "De philosophia christiana ad mentem sancti Thomae Aquinatis doctoris angelici in scholis catholicis instauranda" = Do restabelecimento, nas escolas católicas, da filosofia cristã segundo o espírito do doutor angélico São Tomás de Aquino. Esta Encíclica é mais conhecida, segundo a tradição, pelas palavras com as quais se inicia: AETERNI PATRIS...
Que me seja permitido recordar a motivação. A Igreja Católica fora, de certa forma, tirada de seu torpor pelas aparições da Santíssima Virgem: em 1846, em La Salette, onde Ela se queixou da queda da fé; e em 1858, em Lourdes, onde lançou um apelo à tomada de consciência do perigo que cercava os fiéis de seu Filho e denunciou sua natureza ao condenar o ateísmo gerado pelo racionalismo. (Em Fátima, em 1917, Ela condenaria o ateísmo gerado pelo materialismo — socialismo e comunismo).
Esta condenação do racionalismo pela Virgem Maria em Lourdes seria uma das origens do Concílio Vaticano I, aberto em 1869 sob o pontificado de Pio IX. Tratava-se de um concílio doutrinal (o Vaticano II não o é, segundo o próprio desejo de João XXIII), que se colocou sob a autoridade da doutrina de São Tomás de Aquino e condenou as doutrinas "modernistas", como as chamou Pio IX.
Essas doutrinas, com pretensão filosófica, nasceram da coalizão do cartesianismo e do protestantismo contra a filosofia católica; coalizão que gerou, de fato, a filosofia protestante, a qual, até Descartes, não tinha existência. É essa "filosofia" que, há um século, é a única posta em prática e ensinada em todos os estabelecimentos de ensino de todo o planeta.
A condenação do racionalismo em Lourdes pela Virgem Maria já havia solicitado o ardor de numerosos filósofos e teólogos católicos. Foi assim que alguns deles, de língua alemã, reuniram-se em Mainz com o desejo de renovar a escolástica através de um retorno à doutrina tomista, deixada pouco a pouco em desuso desde o século XVII.
Essa iniciativa teve repercussões quase imediatas: os Dominicanos mergulharam com ardor em sua herança tomista; os Lazaristas, que já reverenciavam o tomismo por ordem formal de seu fundador, fizeram o mesmo; os Jesuítas apoiaram essa vontade de renascimento do tomismo em sua revista, "La Civiltà Cattolica". Em suma, consagraram-se numerosas obras à doutrina de São Tomás e reeditou-se em Parma a "Suma Teológica". O jesuíta alemão, Pe. Kleutgen [Nota do Tradutor: o original traz Keutger, um provável erro tipográfico], apelidado de Thomas redivivus (Tomás renascido) por seus trabalhos onde mostrava que o tomismo é o próprio antídoto do kantismo e do hegelianismo, despertou um interesse quase geral por São Tomás. Foi assim que Gioacchino Pecci [Nota do Tradutor: o original traz Joachim Pacci], o futuro Leão XIII, durante seu episcopado em Perúgia, começou a praticar São Tomás e a Suma Teológica.
Certamente, o magistério da Igreja, desde o início do século XIV (São Tomás morreu em 1274), incitou as Universidades a ensinarem o tomismo, isto é, a fazerem dele a própria estrutura da escolástica. Mas — a história o testemunha — os defensores do agostinismo, prevalecendo-se à época da tradição já milenar do agostinismo, fizeram barreira e não hesitaram sequer em criar, fora das nações que obedeciam às injunções pontifícias, universidades (sobretudo em países anglo-saxões e germano-eslavos) que repudiavam o tomismo. Numa trágica revanche, foram esses mesmos países que, no século XVI, se entregaram de corpo e alma ao protestantismo.
Certamente, também, o magistério da Igreja não cessou de condenar os erros elucubrados, sobretudo a partir dos séculos XVIII e XIX, sob o impulso do cartesianismo, pelos pensadores protestantes ingleses, escoceses e alemães e por seus emulos.
Foi assim, por exemplo, que a "Crítica da Razão Pura" de Kant foi posta no Index em 1827; o "Esboço de uma Filosofia", de Lamennais — fundamento dessa corrente de pensamento subversivo que gerará "Le Sillon", o que chamamos hoje de "progressismo cristão" — em 1841; o "tradicionalismo" de Pascal e de Fénelon, recolocado em circuito e sistematizado em um corpo de doutrina pelo Padre Bautain (e que se pretende uma reação contra a razão, que ele confunde tolamente com o racionalismo cartesiano ou outro, o qual não é senão uma doutrina que afirma a primazia da razão individual a ponto de fazê-la primeira), em 1840; o "Curso de Filosofia Positiva" de Auguste Comte, em 1864; "A Evolução Criadora", de Bergson, em 1914, mas retomada pelos pensadores católicos Le Roy, Blondel, Teilhard de Chardin, etc.
Já no Syllabus, Pio IX, sob o impulso de Lourdes, havia condenado os adversários da escolástica tradicional, isto é, penetrada de tomismo, e encorajado a restauração da "verdadeira e sã filosofia", reclamando o retorno ao estudo da doutrina de São Tomás e favorecendo esse retorno pela fundação das Academias tomistas de Bolonha e de Nápoles.
A Encíclica de Leão XIII é ainda mais explícita.
Desde os primeiros parágrafos, Leão XIII sublinha a importância da filosofia no modo de raciocínio e no comportamento dos homens:
"A filosofia e os raciocínios vãos e enganosos iludem o espírito dos fiéis de Cristo e corrompem a pureza da fé entre os homens".
... É, portanto, de toda necessidade tratar das regras a observar nos estudos filosóficos a fim de que estes, restituídos à sua ordem racional, respondam ao bem da fé e assegurem à inteligência a reta regularidade de todas as ciências humanas: uma reta razão não pode senão elaborar uma reta filosofia, ela mesma reguladora de todas as ciências humanas.
É a este título que a reta filosofia tem o poder de abrir a via que conduz à verdadeira fé. Certas verdades divinamente propostas à nossa crença, ou ligadas por laços estreitos à doutrina revelada, não foram reconhecidas e demonstradas por filósofos da antiguidade sem que tivessem outra luz além da razão natural (tais como as perfeições invisíveis de Deus, sua natureza espiritual, sua potência eterna, sua divindade, etc.), pela simples reflexão de uma reta razão a partir da contemplação do mundo sensível?
Os Padres da Igreja não fizeram senão voltar essas verdades reconhecidas e demonstradas racionalmente — por exemplo, por Sócrates, Platão e Aristóteles — em vantagem da doutrina revelada?
É a este título que a reta filosofia é a serva da teologia sagrada. Segundo sua disciplina própria, a teologia sagrada, com efeito, "recebe e reveste a natureza, a forma, o caráter de uma verdadeira ciência". Não é por ela que as partes múltiplas e variadas de que se compõem os ensinamentos celestes são reunidas em um só corpo, dispostas em ordem, ligadas com coesão, confirmadas pelos argumentos inabaláveis que lhes dão razão?
Como professa o Concílio Ecumênico Vaticano I, o conhecimento e a inteligência dos objetos da crença católica devem ser buscados, como afirma a reta filosofia, "tanto na analogia com as coisas que são objeto do conhecimento natural quanto na conexão que reúne os mistérios da fé entre si e com o fim último do homem".
Enfim, é ainda a este título que a reta filosofia, visto que atinge racionalmente a Deus por meio de suas próprias forças, tem por objeto "defender religiosamente as verdades reveladas por Deus e combater aqueles que ousam atacá-las". Não é "sua honra ser, por essa mesma razão, considerada como o baluarte da fé sobrenatural e o firme apoio da religião revelada"?
E, inversamente, "não é um triunfo medíocre para a fé sobrenatural ver as armas emprestadas por seus adversários aos artifícios da razão humana, refutadas e rejeitadas por esta mesma razão humana com facilidade e eficácia", quando ela é restituída à sua ordem natural e divina de conhecer e pensar? Existem, portanto, regras naturais e divinas da reta razão, e estas são geradoras da reta filosofia. É o mérito e a glória do angélico São Tomás de Aquino não apenas as ter utilizado, mas as ter trazido à luz a fim de torná-las perceptíveis a todos.
Após isso, compreende-se que Leão XIII, em sua Encíclica, faça o elogio de São Tomás. Depois de recordar o trabalho dos Padres da Igreja e dos Doutores escolásticos, ele escreve:
"Entretanto, (entre estes) eleva-se a uma altura incomparável o príncipe e mestre de todos, Tomás de Aquino, o qual, como observava Caetano, 'por ter profundamente reverenciado os santos doutores que o precederam, herdou de certo modo a inteligência de todos'..." "Tomás recolheu suas doutrinas como os membros dispersos de um mesmo corpo. Ele as reuniu, as congregou e lhes deu acréscimos tão grandes que é tido, com justiça, como o defensor especial e a honra da Igreja Católica..."
Não tendo outro amor senão a verdade, não há nenhuma parte da filosofia que ele não tenha aprofundado com igual vigor e sagacidade: das leis do raciocínio; de Deus e das substâncias incorpóreas (os anjos); do homem e das outras realidades sensíveis, dos atos humanos e de seus princípios, ele tratou de tal sorte que nada falta ao seu ensinamento: nem a exata disposição das partes... nem a perfeição do método, nem a clareza e a propriedade da expressão, nem a facilidade na explicação dos pontos mais difíceis...
Sozinho, ele triunfou sobre todos os erros das eras precedentes... Ele soube distinguir a razão e a fé de tal modo que a razão, levada por ele ao seu ápice humano, mal pode pretender elevar-se mais alto, e que é difícil que a fé possa esperar da razão humana serviços mais numerosos e mais eficazes.
É por isso, prossegue Leão XIII, que se compreende que as ordens religiosas — os Dominicanos, os Beneditinos, os Carmelitas, os Agostinianos, a Companhia de Jesus — tenham prescrito a seus irmãos não apenas estudar a sã doutrina de São Tomás, mas a ela se apegarem... É por isso que Escolas e Academias floresceram em toda a Europa: Paris, Salamanca, Alcalá, Toulouse, Douai, Louvain, Pádua, Bolonha, Nápoles...
É por isso que todos os nossos predecessores honraram São Tomás com os sufrágios mais abundantes e que os Concílios ecumênicos se aplicaram constantemente a prestar a São Tomás uma homenagem particular. Foi assim, por exemplo, que "os Padres do Concílio de Trento queriam que, no meio mesmo de sua assembleia, junto com o Livro das divinas Escrituras e os Decretos dos Sumos Pontífices, a Suma Teológica de São Tomás estivesse aberta sobre o altar, para ali buscar conselhos, razões e oráculos".
É por isso que "os próprios adversários do catolicismo renderam testemunho a São Tomás: não lhes faltou declarar abertamente 'que, uma vez posta fora de causa a doutrina de Tomás de Aquino, poderiam facilmente travar a luta contra os doutores católicos... triunfar sobre eles e arruinar a Igreja'".
Compreende-se, desde então, que Leão XIII exorte da maneira "mais premente, para o bem da humanidade inteira, para o bem da fé, para o bem mesmo de todas as ciências humanas, a recolocar em vigor e a propagar a preciosa sabedoria de São Tomás".
Compreende-se também que eu vos dirija a mesma exortação... Fomos alguns, em nossa juventude, a tomar consciência da mutilação da inteligência que sofríamos em todos os graus de nossos estudos, devido à imposição de um "programa" elaborado — soubemo-lo mais tarde — na oficina secreta dos Inimigos de Deus, geradores do Ensino laico e obrigatório.
Descobrimos, não sem espanto, que, em nome da universalidade do saber, a razão de ser dessa redução da inteligência era impedi-la de alcançar e conhecer racionalmente a Deus a partir de suas obras, assim como se chega à causa pelo seu efeito.
Para se convencer disso, basta lembrar como nos convidam a rejeitar de nosso modo de pensar o princípio de causalidade e, de fato, todos os princípios racionais enquanto comuns ao real e ao pensamento; como, com maquiavelismo, reduzia-se a inteligência às únicas normas do "espírito científico", o qual efetivamente não atinge o ser em si das coisas, mas suas maneiras de ser, seus "fenômenos", como se diz — e somente isso.
Como, então, atingir e conhecer o Ser em si e por si que é Deus, o "esse subsistens", como diz São Tomás, em suma, Aquele mesmo que se fez conhecer por estas palavras fulgurantes: "Eu sou Aquele que sou"?
Sim, trágica mutilação que gera a cada dia mais essa ruptura mortal entre a razão e a fé, esse drama que vive cotidianamente a Igreja e o mundo, a ponto de aquele que quer crer-se cristão não o ser mais do que sentimentalmente, portanto irracionalmente, já que a totalidade de sua razão nega esse Deus no qual ele gostaria de crer.
Para restituir a razão à sua ordem e permitir-lhe assim reatar com sua finalidade, não há senão um meio — aprendemo-lo por experiência —: estudar e apegar-se, como havia reclamado Leão XIII, a São Tomás de Aquino, pois ele também quis, em sua época, salvar a inteligência a fim de restituí-la a Deus.
É a isso que vos convido: salvar a inteligência do caos que geraram nela, a fim de devolvê-la à sua ordem natural e divina de conhecer e pensar e, assim, restituí-la à sua razão de ser, que é viver de Deus — per ipsum et cum ipso, et in ipso: por Ele e com Ele, e n'Ele...
Sim, viver da luz e do calor do amor de Deus, eis a nossa razão de ser. Proibi-lo ou recusá-lo é simplesmente proibir e recusar ao homem ser homem, pura e simplesmente. O que seria um grão de trigo que se recusasse, que se proibisse de viver à luz e ao calor do sol? Assim, como é da ordem do grão de trigo, para tornar-se espiga, viver do calor e da luz do sol, é também da ordem do homem, para tornar-se homem, viver da luz e do calor do amor de Deus. E isso já é introduzir-vos e fazer-vos compreender todo o mistério da Encarnação do Verbo...
H. P.
Na vida do Pe. Dom GUÉRANGER, escrita por seu sucessor à frente de Solesmes, Dom DELATTE, relevamos algumas menções que mostram bem a situação lamentável do ensino eclesiástico neste primeiro quarto do século XIX. Após a tempestade revolucionária, a Igreja reerguia as ruínas como podia: essa empreitada estava então apenas no seu início e a Encíclica de Leão XIII marca precisamente o ponto de chegada dessa primeira etapa.
Em 1822, Dom GUÉRANGER fez primeiramente um ano de filosofia em Le Mans, e Dom DELATTE nota a esse propósito:
"O desdém em que era tida a velha escolástica, o descrédito do cartesianismo, a indecisão de um pensamento filosófico solicitado ao mesmo tempo pelas audácias de um sensualismo grosseiro, pelas objeções do ceticismo, pelo devaneio alemão, pela variedade das teorias contraditórias, deixavam a razão sem apoio, sem direção, sem estabilidade... Um curso de filosofia não era, com demasiada frequência, senão uma recolha incoerente de teses sem ligação, de exposições flutuantes, de objeções sem vida, de refutações sem alcance, onde os jovens espíritos não abraçavam senão sombras." ..... "O ensino filosófico dos seminários não escapava completamente a essa fraqueza. Aos sessenta e sete alunos agrupados ao redor de sua cátedra, o professor de filosofia de Le Mans havia dado como texto as Institutiones philosophicae de Lyon, um manual em três pequenos volumes, de latim suficiente, mas de sabor muito cartesiano, e cujo autor havia, em 1792, incorrido na censura do Index em razão do jansenismo implicado em suas Institutiones theologicae."
No ano seguinte, Dom GUÉRANGER entrou no seminário maior em Teologia:
"No seminário maior, naquela época, a história eclesiástica e a liturgia, o direito canônico e a teologia pastoral ou ascética não tinham titulares. Conhecia-se de nome São Tomás e Suárez. A disciplina e a piedade deixavam um pouco a desejar. Prosper GUÉRANGER aplicou-se com consciência ao estudo da teologia. Ela lhe pareceu austera, quase ríspida. Os procedimentos de ensino faziam dela uma ciência de pura memória, sem visão de conjunto, sem unidade sistemática, portanto sem grande gozo para o espírito".
S. A. B.
Dom GUÉRANGER, abade de Solesmes, por um monge beneditino (de fato Dom DELATTE) 1901 - Tomo I, p. 13 e 21 - Plon-Nourrit, Editor.