A GNOSE: DE ONTEM A HOJE
Num artigo publicado no Boletim nº 3, recordamos algumas noções fundamentais relativas à Gnose, pois é difícil ter uma compreensão exata dos fenômenos subversivos modernos e atuais sem isso. Esse trabalho pareceu interessar a muitos de nossos leitores e é com prazer que publicamos a continuação.
Após os dados históricos e notadamente os procedimentos gnósticos, o ensinamento da Gnose foi resumido em oito pontos; o artigo abaixo gostaria de sublinhar três aspectos em que a doutrina gnóstica primitiva se mostrou um tanto deficiente, e até mesmo incoerente em relação a si mesma; essas deficiências foram, aliás, mais ou menos corrigidas pelos neo-gnósticos modernos, e é por isso que um artigo complementar mostrará qual aperfeiçoamento a Maçonaria pôde trazer à matéria.
AS DEFICIÊNCIAS DA GNOSE
1º O PANTEÍSMO
Há, no ensinamento dos Gnósticos, uma cascata de incoerências que levam a conclusões desprovidas de todo bom senso. Os primeiros apologistas cristãos e os Padres da Igreja não deixaram de ressaltar em sua argumentação as inconsequências dessa doutrina.
Santo Irineu, por exemplo, em seu "Adversus Haereses", propõe-se a derrubar todo o sistema deles. Eis como Dom FREPPEL resume sua argumentação:
"Ou vós separais Deus do Mundo, ou vós confundis Deus e o Mundo, e, num e noutro caso, destruís a verdadeira noção de Deus. Se colocais a criação fora de Deus, no sentido de que ela existe independentemente dele, qualquer que seja o nome que deis a essa matéria eterna, que a chameis Vazio, Caos, Trevas, pouco importa: vós limitais o Ser divino, circunscreveis o domínio de sua atividade, o que equivale a negá-lo. Deus não pode existir senão com a condição de ser infinito, de encerrar em si a universalidade dos seres; e se houvesse um só que pudesse existir por si mesmo ou escapar à sua potência, seria o fim do Ser soberano. Por mais que digais que o mundo pôde ser formado por Anjos ou por alguma outra potência secundária (aqui o Demiurgo, Javé), de duas uma: ou eles agiram contra a vontade do deus supremo, ou segundo o seu mandamento. Na primeira hipótese, acusais Deus de impotência; no segundo caso, sois reconduzidos, apesar de vós mesmos, à doutrina cristã, que vê nos Anjos simples instrumentos da vontade divina. Portanto, ou admiti a Criação, ou renunciai para sempre a encontrar o Deus verdadeiro."
Nesta primeira alternativa, os Gnósticos estão condenados a inventar um Deus vazio de todo poder, o seu Plêroma, grande Tudo indiscutível, incognoscível, inconsciente, não pessoal. A criação do mundo material é uma catástrofe desajeitada de uma divindade inferior, que quis manifestar sua independência e sua vontade própria agindo à revelia da Divindade-Pleroma. É o caso de Javé.
"Se, ao contrário, colocais a Criação em Deus, de tal sorte que ela se reduza a um puro desenvolvimento de sua substância (é, portanto, a Emanação), entrais numa via ainda mais inextricável. Então, tudo o que há nas criaturas de imperfeições e de manchas recai sobre o próprio Deus, cuja substância se torna a delas. Vós dizeis que o mundo é um fruto da ignorância e do Pecado (o Pecado de Javé), o resultado de uma decadência ou de uma Queda do Plêroma, uma degeneração progressiva do Ser ou, segundo vossa metáfora favorita, 'uma mancha na Túnica de Deus'; mas não vedes que, nessa confusão do infinito com o finito, é a natureza divina ela mesma que decai, que degenera, que é maculada de vício e de imperfeição? É possível alterar mais gravemente a noção de Deus? Vós não podeis escapar a essa consequência senão voltando ao Dogma cristão da Criação, que, por mais misterioso que seja, encerra a única solução razoável, porque distingue perfeitamente o que não deve ser nem separado nem confundido."
Tal foi a argumentação de Santo Irineu. Veremos mais adiante que ela permanece sempre pertinente, mesmo em relação ao Panteísmo moderno tal como será professado por Hegel e pelos Marxistas. Com efeito, se o Mundo e Deus são um único Ser, será preciso introduzir nesse mundo divino o movimento, os acidentes, as imperfeições, o Mal: o Panteísmo será necessariamente evolucionista.
2º O PROBLEMA DO MAL
Santo Agostinho conta-nos que viveu cerca de dez anos entre os Maniqueus, que foram os Gnósticos de seu tempo:
"Eu acreditava então que não somos nós que pecamos, mas que é uma natureza estranha que peca em nós (nescio quam aliam in nobis peccare naturam)... Eu tinha prazer em crer que jamais era culpado... Sentia-me bem em justificar-me e em lançar minha culpa sobre não sei que princípio que era distinto de mim, embora estivesse em mim (et accusare nescio quid aliud, quod mecum esset et ego non essem)... e meu pecado era tanto mais incurável quanto eu não acreditava de modo algum ser pecador..."
Ora, esse não sei que princípio que estava em mim, embora não fosse eu, é Deus, fonte de minhas faltas: "Há no céu uma causa inevitável que faz pecar (inevitabilis causa peccandi): são Vênus, Saturno ou Marte que vos fizeram cometer tal ou tal ação, querendo assim que o homem seja isento de toda culpa e que esta seja lançada sobre aquele que criou os céus e os astros... Ora, quem é este senão Vós, meu Deus!" (culpandus sit autem caeli et siderum creator et ordinator).
Vê-se por essas passagens tiradas das "Confissões" que uso os Gnósticos haviam feito da Astrologia. Esse não sei o quê que peca em nós é Deus; portanto, "Um Outro" é o grande culpado. No entanto, os Gnósticos afirmam simultaneamente que nosso "Pneuma", espírito puro, é uma centelha divina e que, por isso, ele é perfeito, incapaz de qualquer falta que seja.
Há aí uma incoerência fundamental a propósito da essência divina. Se a fonte do mal está na divindade, não se vê como o homem, pretendendo reunir-se a essa plenitude divina que os Gnósticos chamam de Plêroma, escaparia por essa via ao Mal que ele se esforça por lançar sobre Deus.
Além disso, não se vê como um ser divino, logo, supostamente bom por natureza — por exemplo Javé, o Criador —, teria podido produzir um efeito mau — por exemplo, a matéria. Essa atribuição do Mal à divindade não resolve a dificuldade, mas apenas adia o problema e o torna insolúvel. Por que razão, então, o Criador teria querido essa queda das almas na matéria? As explicações dadas pelos Gnósticos são muito hesitantes: inabilidade, acidente, catástrofe... e não podem satisfazer um espírito minimamente coerente.
Santo Agostinho levou tempo para escapar aos atrativos dos Gnósticos; mas acabou por abandoná-los quando compreendeu, após suas conversas com o bispo maniqueu Fausto, que essa dificuldade permanecia sem resposta entre eles.
Tertuliano forneceu uma resposta muito interessante a esse problema num "Tratado contra Marcião", gnóstico célebre em Roma e discípulo pouco fiel dos Maniqueus. Eis primeiramente como ele resume a objeção dos Gnósticos, que é sempre a dos nossos modernos descrentes:
"Se o vosso Deus é bom, visto que tinha a presciência do futuro e o poder de impedir o Mal, por que permitiu que o homem, sua imagem e semelhança — ou melhor, sua própria substância pela origem divina de sua alma (reconhece-se aí a ideia da alma 'centelha divina', cara aos Gnósticos) — se deixasse surpreender pelo demônio e, infiel à lei, caísse na morte? Se a bondade consistisse em nada querer de semelhante, a presciência em não ignorar o evento, a potência em afastá-lo, jamais teria acontecido o que não podia ocorrer com essas três condições da majestade divina. Visto que isso aconteceu, é, portanto, certo que a bondade, a presciência, o poder do vosso Deus são vãs quimeras. Teria a queda sido possível, se Deus fosse o que dizeis? Ela aconteceu; logo, o vosso Deus não tem nem bondade, nem presciência, nem poder".
O problema é posto em toda a sua acuidade, e a argumentação blasfema permaneceu inalterada até os nossos dias. Eis a resposta de Tertuliano. Ela é admirável:
"Jamais Deus é maior do que quando parece pequeno ao olhar dos homens. Jamais mais misericordioso do que onde sua bondade se vela; jamais mais indivisível em sua unidade do que onde o homem percebe dois ou mais princípios (exemplo dos Maniqueus)... Se se pergunta a que título Ele é Deus, será preciso começar necessariamente pelas obras anteriores ao homem (notemos bem o sentido dessa necessidade: é o homem quem move um processo contra Deus segundo o seu julgamento próprio. É preciso primeiro buscar acima dele o critério de seu julgamento), a fim de que a bondade de Deus, revelada logo por Ele mesmo e repousando desde então sobre uma base indestrutível, nos forneça um meio de apreciar a ordem e a sabedoria das obras seguintes. (Nós diríamos hoje um critério de julgamento distinto de nosso julgamento próprio, caso contrário seríamos juízes e parte).
Primeiramente, este vasto Universo pelo qual Ele se revelou, nosso Deus, longe de o ter mendigado a outrem, tirou-o de seu próprio fundo, criou-o para si mesmo. (É a resposta aos Gnósticos que apresentam Javé como uma divindade inferior, utilizando as almas, 'centelhas divinas' eternas, para encerrá-las na matéria).
A primeira manifestação de sua bondade foi, portanto, não permitir que o Deus verdadeiro permanecesse eternamente sem testemunha. O que quer isto dizer? Chamar à vida inteligências capazes de O conhecer. Há, com efeito, um bem comparável ao conhecimento e à posse da Divindade? (Não é essa, de fato, toda a razão de ser dos Gnósticos que propõem tal objetivo à existência?).
Embora esse bem sublime estivesse ainda sem apreciador, por falta de elementos aos quais se manifestasse, a presciência de Deus contemplava no futuro o bem que devia nascer e confiou-o à sua infinita bondade, que devia dispor a aparição desse bem, a qual nada teve de precipitado, nada que se assemelhasse a uma bondade fortuita, nada que tivesse algo de uma rivalidade ciumenta e que se deva datar do dia em que ela começou a agir.
(Tudo isso responde aos Gnósticos que afirmam que Javé criou a matéria por acidente, sem refletir sobre as consequências catastróficas de sua fantasia, ou ainda por vaidade, para mostrar sua potência às outras divindades. Vê-se que Tertuliano conhecia bem seus adversários e sabia, na ocasião, devolver-lhes a bola.)
Foi ela [a bondade] quem fez o começo das coisas: ela existia, portanto, antes do momento em que se pôs à obra. Desse começo que Ele fez, nasceu o tempo, cuja distinção, encadeamento e revoluções diversas nos são marcados pelos astros e corpos luminosos. Eles vos servirão de sinais, disse ela, para computar os tempos, os meses, os anos. (Tudo isto em resposta aos Gnósticos que, fiéis discípulos dos Astrólogos, pretendiam que os Planetas eram Divindades inferiores e por vezes malfazejas.)
Assim, não há tempo antes do tempo para Aquele que faz o tempo. Não há começo para Aquele que criou um começo. Assim, não tendo começado e não estando submetida à medida do tempo, não se pode ver na infinita bondade divina senão uma duração, imensa e infinita; não se pode encará-la como súbita, acidental, provocada a agir (como a bondade de uma divindade caprichosa, capaz em outros momentos de uma vontade malévola). Ela nada tem que lhe possa dar qualquer semelhança com o tempo; ela é eterna, saída do seio de Deus e, consequentemente, considerada como sem fim e, por isso mesmo, digna de Deus.
Se é verdade que a bondade e a sabedoria divinas caracterizam o dom feito ao homem, não vamos nós — perdendo de vista a primeira regra da bondade e da sabedoria que deve caminhar à frente de toda discussão — não vamos nós, digo eu, condenar uma coisa com base no evento, nem decidir às cegas que a instituição é indigna de Deus porque a instituição foi viciada em seu curso; mas entremos antes na natureza do fundador, que deve ter procedido assim: depois, de joelhos diante de sua obra, abaixemos nossos olhares mais abaixo.
Sem dúvida, quando se encontra logo aos primeiros passos a queda do homem, antes de ter examinado sobre que plano ele foi concebido, é demasiado fácil imputar ao arquiteto divino o que nos aconteceu, porque os planos de sua sabedoria nos escapam. (Os Gnósticos diziam mesmo que Javé era um arquiteto desajeitado, 'Demiurgo').
Mas assim que se reconhece sua bondade desde o início de suas obras, ela nos persuade de que o mal não pôde emanar de Deus, e a liberdade do homem, cuja lembrança se nos apresenta, oferece-se como o verdadeiro culpado do mal cometido (e é por isso que os Gnósticos e nossos modernos psicanalistas se esforçam por negar a existência dessa liberdade, porque ela conota uma responsabilidade).
Por aí, tudo se explica. Tudo é salvo do lado de Deus, isto é, a economia de sua sabedoria, as riquezas de sua potência e de seu poder. No entanto, tu tiveste o direito de exigir de Deus uma grande constância e uma inviolável fidelidade às suas instituições, a fim de que, estando o princípio bem estabelecido, tu cesses, Marcião, de nos perguntar se esses eventos podem dominar a vontade divina.
Uma vez convencido da constância e da fidelidade de um Deus Bom — constância e fidelidade que se trata de apoiar sobre obras marcadas pela sabedoria —, tu não te espantarás que Deus, para conservar em sua imutabilidade os planos que havia fixado, não tenha contrariado eventos que não queria. Com efeito, se, originariamente, Ele entregou ao homem a liberdade de se governar por si mesmo, e se foi digno de sua majestade suprema investir a criatura dessa nobre independência — ponto que demonstramos —, consequentemente entregou-lhe também o poder de usá-la. Quando se concede uma faculdade, cogita-se por acaso em constranger ou limitar o seu exercício?"
A argumentação de Tertuliano é notável em todos os pontos. Que o Homem não se faça juiz e parte: é-lhe necessário, portanto, um critério de julgamento universal, anterior ao caso a resolver; este será a perfeição do mundo sem o homem.
Em seguida, que ele compreenda bem a natureza de um ser inteligente, logo senhor de seus atos: esse domínio é, ao mesmo tempo, liberdade e responsabilidade, as duas faces de uma mesma realidade com todas as suas consequências. E, sobretudo, que o homem não vá pedir a Deus para modificar seu plano da criação porque ele não fez bom uso dela: isso seria para ele um meio de se tornar senhor da vontade divina e de lhe impor sua vontade própria na sequência de seus erros; como se um culpado, levado ao tribunal, quisesse obrigar o juiz a modificar a lei para adaptá-la ao novo estado de fato criado por sua falta. (Não é, aliás, o que vemos hoje: as leis modernas não são mais a expressão de um ordem objetiva das coisas, mas da prática corrente transformada em hábito codificado).
Essa explicação pelo Livre-Arbítrio supõe, para ser plenamente probante, que não se cometa erro sobre a Liberdade. Com efeito, segundo a Filosofia do Senso Comum, a vontade está submetida à inteligência, a qual está submetida ao conhecimento, o qual, por sua vez, está sob a dependência total da realidade.
Assim, existe uma ordem objetiva das coisas e nossa vontade pode encontrar-se, então, em oposição a essa ordem: é o Mal. Porque conhecemos, podemos pensar uma outra ordem diferente daquela que nos é dada; guardamos sob um certo aspecto uma distância com o Real, o que dá ao jogo uma margem de indeterminação em nosso querer.
Para obter uma plena Liberdade que seja uma Independência total do Real criado, os Filósofos modernos vão colocar a Vontade na fonte da Inteligência. Assim, o Homem torna-se senhor do Real, ele mesmo decide o Bem e o Mal. Em breve, afirmará que o Mal não existe. Com isso, o Homem será livre e irresponsável.
Veremos esse caminhar do pensamento herético: desde os Gnósticos, que recusam a Liberdade para rejeitar a Responsabilidade, passando pelos Psicanalistas que negam a existência do Mal, suprimindo de golpe a Responsabilidade, mas liberando as paixões, até os Marxistas que deificaram o Homem e fazem dele o "Criador", o Motor da História. Mas não antecipemos!
3º O SEGREDO INICIÁTICO
Há ainda nos Gnósticos uma inconsequência de vulto: a Prática do Segredo.
"Nós detemos — afirmam eles — a chave da Salvação. Basta 'conhecer' para atingir a Perfeição, para se ver livre de todo sentimento de culpa. Nós possuímos o meio infalível de desculpabilizar os homens." E, no entanto, esse meio eles o guardam secreto; reservam-no a privilegiados: os Perfeitos, os "Eleitos", os "Cátaros" (isto é, os "Puros"), aqueles que realizaram a Unidade perfeita, que receberam a Iluminação, os "Monoïcoi", os "monges", únicos capazes e dignos de tal Ciência.
A dificuldade aqui permanece sem resposta diante do simples bom senso. Quando se possui um tal Bem, naturalmente quer-se partilhá-lo com os outros. A "Boa Nova" grita-se sobre os telhados, a menos que se esteja prisioneiro de um orgulho absurdo: comunicando sua Ciência a outro, com efeito, não se a perde; muito pelo contrário, espalhando-a ao seu redor, engrandece-se a si mesmo, ao menos com todo o reconhecimento e a estima que se pode retirar disso, além da alegria que se sente ao fazer os outros partilharem de suas convicções.
A essa dificuldade, alguns Apologistas cristãos observaram que os Gnósticos se recusavam a divulgar seus escritos porque a leitura de seus textos, tão obscuros e indigestos, arriscava prejudicar sua reputação e afastar de sua seita muitas almas. Certamente! Todavia, penso que é preciso buscar em outro lugar a verdadeira razão desse segredo.
"Larvatus prodeo": tal é a divisa da Serpente. "Avanço mascarado". Para ser adorado, Satanás deve cobrir-se com a máscara do próprio Deus. Ele é o "Macaco de Deus". É uma posição muito desconfortável para um ser, mesmo angélico, que deseja receber as homenagens dos outros. Se a Serpente tirasse sua máscara e se apresentasse tal como realmente é, "homicida e mentiroso", veria os homens se afastarem dele com horror e desprezo.
Ele sabe bem que as marcas de adoração que recebe de seus fiéis dirigem-se realmente a Deus, mas que ele as desviou fraudulentamente para si. Ora, ele quer ser adorado por si mesmo.
É preciso, portanto, que ele constitua para si uma Igreja de Fiéis, bem preparados para reconhecê-lo como tal. Eis a razão de ser de uma seita iniciática.
A maioria dos homens afasta-se progressivamente dessa seita à medida que percebe sua orientação.
Aqueles que atingirão a Perfeição, os verdadeiros "Eleitos do Dragão", terão, por não sei que aberração do entendimento, reconhecido verdadeiramente a Serpente e lhe dirigirão então, em toda "Consciência", suas homenagens. Mas eles estarão, no sentido próprio, "possuídos" e não livres.
Eis por que os Gnósticos se esforçam por inculcar em seus neófitos o "ódio" ao Deus Criador, Javé: é a condição preliminar indispensável a todo Conhecimento demoníaco.
Os diferentes estágios da Iniciação, os diversos graus maçônicos, por exemplo, destinam-se a selecionar por eliminações sucessivas todos aqueles que não estão aptos a essa conversão às avessas.
Satanás é aquele que conhece. Quando Adão e Eva comeram do fruto da Árvore do Conhecimento (da "Gnose"), "seus olhos se abriram". Tertuliano acrescenta em seu "Tratado contra Marcião":
"Mas se Adão desobedece, ele não irrompe em blasfêmias contra o Criador; não censura o autor cuja bondade experimentara desde a origem e a quem só converte em juiz severo por uma prevaricação voluntária. Isso é verdade, mais uma vez! Assim, Adão não passava de um noviço em matéria de heresia!"
Ele não quis utilizar o Conhecimento adquirido para se levantar contra Deus; fugiu todo envergonhado. Grande decepção para a Serpente! Ser-lhe-á necessário no futuro preparar almas capazes de "irromper em blasfêmias contra o Criador". É essa toda a razão de ser das Sociedades secretas e, principalmente, das Sociedades maçônicas.
A MAÇONARIA, MESTRA DE GNOSE
A Maçonaria é a Congregação militante da Gnose. Todos os Mestres da Ordem, doutos em ciência maçônica, repetiram-no incessantemente. Para convencer-se disso, basta examinar seus escritos, seus manuais de base, rituais e Instruções dos diferentes graus. Mas é necessário despojar essas obras clássicas da Maçonaria de todo um amontoado simbólico ou alegórico que torna a leitura tão penosa para uma inteligência comum. Assim, descobriremos a substância de seu ensinamento e ficaremos espantados ao nos encontrarmos em terreno conhecido.
1º A DIVINDADE MAÇÔNICA
A Maçonaria é uma Super-Religião: "A Maçonaria — diz o Ir. Albert Pike (Morals and Dogma) — ensina e conservou em toda a sua pureza os princípios fundamentais da velha fé primitiva, que são as bases sobre as quais se apoia toda religião. Todas as religiões que existiram até aqui tiveram um fundo de verdade e todas o recobriram de erros. As verdades primitivas ensinadas pelo Redentor foram mais rapidamente corrompidas, misturadas e aliadas a ficções do que quando foram ensinadas aos primeiros homens".
Por isso, "A Maçonaria — afirma o Dr. Mackey — não tem de modo algum a pretensão de tomar lugar entre as religiões do mundo, entendidas como seitas ou sistemas particulares de fé e de culto, pelos quais distinguimos o Cristianismo do Judaísmo..."
Assim, portanto, ela é a Religião universal (e, logo, eminentemente católica, mas não romana, pois esta última é a religião particular dos Romanos, portanto uma seita infestada pelo micróbio e pelas corrupções do país e do clima romano). Ela não pede aos iniciados senão a adesão a duas verdades fundamentais: a crença na existência de Deus e na imortalidade da Alma; mas é preciso compreender bem o que a ciência maçônica entende por isso.
Albert Pike mostra-nos "Deus como Pai infinito de todos os homens..." "A Natureza — acrescenta ele, entendendo por essa palavra a TOTALIDADE DOS SERES — eis o que é poderoso, ativo, sábio e bom. A Natureza tira de si mesma sua própria vida, foi, é e será a causa de sua existência, o espírito do Universo e sua própria Providência. Há, certamente, um plano e uma vontade, dos quais provêm a ordem, a beleza e a harmonia: esse plano e essa vontade pertencem à Natureza..." Pode-se perguntar como um ser (a Natureza) poderia ser causa de si mesmo e, portanto, agir antes de existir? Mas pouco importa!
"Deus — acrescenta Albert Pike — é a Alma viva, pensante, inteligente do Universo, o Permanente, o Imóvel de Simão o Mago, o Uno que é de Platão, etc. (Vê-se que o douto em ciência maçônica conhece os bons autores e se refere a eles como a seus mestres)."
Ele precisa ainda: "Enquanto o Indiano nos diz que Parabrahma, Brahm e Paratma compunham a primeira Trindade, que o Egípcio adora Amon-Rá, Neith e Phta (Thoth ou Hermes) e que o pio cristão crê que o Verbo habitou no corpo mortal de Jesus, o Nazareno... a Maçonaria inculca sua velha doutrina e nada mais... Segundo a Cabala, Deus e o Universo são um só. Segundo Pitágoras, Deus era o UNO, uma única substância cujas partes contínuas se prolongavam através do universo sem separação. Pitágoras fez assim do Universo um GRANDE SER, inteligente como o Homem, uma imensa divindade, tendo em si o que o homem tem em si mesmo: o movimento, a vida, a inteligência. Tal é, meu Irmão, o Verdadeiro Segredo Real."
Reconhecemos aí a doutrina do Emanatismo, essencial à Gnose. Mas é necessário precisar que a referência a Pitágoras se aplica à seita neopitagórica, aquela que compôs os "Versos de Ouro" de que falamos.
O verdadeiro nome dessa divindade maçônica é "Jeová", o tetragrama sagrado, a "Palavra Perdida", base do dogma e dos mistérios maçônicos. Jeová (outra forma da palavra Javé na Bíblia) procede por emanação, estende-se, emite partes de si mesmo num espaço vazio preparado para recebê-las.
Melhor ainda, dizem nossos doutos em Maçonaria, Jeová é o próprio homem, Adam-Kadmon, o Arquétipo (diríamos hoje o Protótipo) da Humanidade, a primeira emanação da divindade, o "Filho de Deus". Assim, "é a Humanidade que cria Deus — diz o Ir. Pike —, e os Homens creem que Deus os fez à sua imagem, porque eles o fazem à deles". Compreendemos bem por essa fórmula que a Divindade maçônica se cria a si mesma estendendo-se sob as formas humanas, que são as mais perfeitas emanações do Grande Ser.
Mas não confundamos! O "Jeová", divindade maçônica, não tem nada a ver com o "Jeová" da Bíblia, o outro nome de Javé, o do Deus criador. Com efeito, "A divindade do Antigo Testamento — diz ainda Albert Pike, sempre em Morals and Dogma — é representada em toda parte como o autor direto do Mal, despachando aos homens espíritos maus e enganadores. (Entre parênteses, trata-se dos anjos e dos profetas)... O Deus do Antigo Testamento e de Moisés é rebaixado ao nível das paixões humanas... é uma divindade violenta, ciumenta, vingativa, tanto quanto inconstante e irresoluta; ela comanda atos odiosos e revoltantes de crueldade e de barbárie..." O Ódio ao Deus Criador é a pedra de toque, o caráter específico de toda Gnose, e é uma blasfêmia! A Maçonaria tomou-o emprestado da Gnose.
2º A ALMA HUMANA
"A Alma — diz sempre Albert Pike — é de uma natureza divina, tendo tomado sua origem numa esfera mais próxima da divindade e para lá retornando quando se vê livre do despojo do corpo, não podendo lá reentrar senão purificada de todas as manchas do pecado que, por assim dizer, se incorporaram à sua substância em consequência de sua união com o corpo... O Maçom que possui o Segredo Real pode mostrar que a alma, quando tiver sido despojada da matéria que a envolve e que a subjugou, quando tiver sido livre da ganga que a deforma, a alma reencontrará sua verdadeira natureza e elevar-se-á por graus, através da escada mística das esferas (são os eons de nossas gnoses) para reconquistar sua primeira morada, seu lugar de origem." Qualquer comentário enfraqueceria a força de tais afirmações, que são copiadas diretamente das obras gnósticas.
3º O GRANDE ARQUITETO DO UNIVERSO
A Maçonaria propôs-se como Finalidade a Reconstrução do Templo de Jerusalém, isto é, a Reconstrução da Humanidade. Por que reconstruir? Senão porque o primeiro demiurgo, Javé, falhou em sua criação. Reconstruir a humanidade, para o Maçom consciente e profundamente iniciado, é realizar o retorno à Unidade das almas dispersas nos corpos, é aperfeiçoar a Divindade primitiva, acabar-lhe a Plenitude; é a "Grande Obra". Por isso a Iniciação constitui um "choque iluminatório". Por sua iniciação, o Iluminado "abre os olhos", vê enfim em sua religião as corrupções que deformaram a revelação primitiva e "penetra na Verdade, após ter errado entre os erros, todo coberto das manchas do mundo exterior e profano..."
É preciso, portanto, purificar a Humanidade e reconstruí-la segundo o plano de um Arquiteto divino. Que o iniciado tome seu avental, arme-se do compasso, da trolha, do esquadro e do triângulo e ponha-se a trabalhar: "Nosso trabalho constitui nosso culto."
Mas para isso é preciso proceder com ordem; é preciso conhecer a ciência da Geometria. O irmão iniciado é um construtor do Templo da Humanidade; ele precisa de um arquiteto, de um Grande Construtor, de um Grande Geômetra: "O Grande Arquiteto do Universo"... "É um contramestre, sob cujas ordens devemos trabalhar como operários". Certamente, ele é divino, tal como o Homem após sua Iluminação pelo rito da Iniciação; mas ele não é a Divindade total, o "Jeová".
"A Maçonaria — diz Oswald Wirth em seu 'Livre du Maître' (Livro do Mestre) — guarda-se bem de definir o Grande Arquiteto do Universo e deixa a cada um de seus adeptos plena latitude para fazer dele uma ideia conforme à sua fé ou à sua filosofia. Guardemo-nos, pois, de ceder a essa preguiça de espírito que confunde o Grande Arquiteto dos Iniciados com o Deus dos Crentes."
Eis o que é claro: não se deve, sobretudo, definir a natureza desse Arquiteto e não lhe dar um nome que permitiria identificá-lo.
Mas os verdadeiros Iniciados, os "Mestres do Sublime Segredo", aqueles que penetraram o mais fundo nos mistérios da Grande Arte real, conhecem bem seu nome. "A Serpente — diz Oswald Wirth em seu 'Livre du Compagnon' (Livro do Companheiro) —, inspiradora de desobediência, de insubordinação e de revolta, foi amaldiçoada pelos antigos teocratas, enquanto era honrada entre os Iniciados. Estes estimavam, com efeito, que nada poderia haver de mais sagrado do que as aspirações que nos levam a nos aproximar progressivamente dos Deuses encarados como as potências conscientes, encarregadas de desembaraçar o caos e de governar o mundo. Tornar semelhante à divindade, tal era o objeto dos antigos mistérios. Em nossos dias, o programa da iniciação não mudou.
Assim, portanto, a Serpente é chamada pelos Grandes Iniciados a desembaraçar o caos de um mundo malfeito por um demiurgo inábil, para reconstruí-lo segundo um plano perfeito, o do Grande Templo da Humanidade, e assim "conseguiremos realizar a última Palavra do Progresso, o Homem, sacerdote e Rei de si mesmo, que não dependerá senão de sua vontade e de sua consciência". (Ragon: "Cours philosophique")
E. C.