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ANEXO C – Eleição do novo Patriarca de Moscou em janeiro de 2009[\[21\]](#_ftn21) no *Le Figaro*

Cyril I, o novo patriarca de Moscou

De nosso enviado especial a Moscou, Jean-Marie Guénois
30/01/2009 | Atualização: 16:46

Ao escolher Cyril, metropolita de Smolensk e Kaliningrado, 62 anos, a Igreja ortodoxa russa optou por um novo patriarca aberto ao mundo. 711 pessoas participaram do concílio, representando os 64 países em que essa Igreja possui fiéis.

O estilo é municipal: mesa, cortina, enfim, a cabine de votação típica. O cenário, por outro lado, é grandioso. Nada menos que a imensa catedral nova do Cristo Redentor de Moscou, a poucos passos do Kremlin, reconstruída, idêntica, para o ano 2000, após ter sido demolida por Stálin… Eleições religiosas, portanto, por cédulas secretas e por maioria simples mais uma voz, os 711 delegados do "concílio local", dos quais 10% de mulheres, leigas ou monjas, convocados após a morte de Alexis II em dezembro passado, elegeram na terça-feira, com 508 votos contra 169 para o outro candidato, seu sucessor, o metropolita Cyril de Smolensk e Kaliningrado, 62 anos, agora 16º patriarca ortodoxo de Moscou e de todas as Russias.

Cyril I, seu nome a partir de agora, era o favorito. No domingo, ele havia sido cogitado e eleito pela imensa maioria do colégio dos bispos, junto com outros dois concorrentes, Clemente, metropolita de Kaluga e Borovsk (59 anos), e Filarete, metropolita de Minsk e Slutsk (73 anos). Portanto, não teve muita dificuldade em se impor. Ainda mais porque este último desistiu logo no início da votação em favor do vencedor.

Contudo, nada estava decidido, pois o homem dos bispos não era, a princípio, o eleito pela maioria dos delegados, padres e monges.

Os delegados leigos, cujo papel foi elogiado em uma mensagem do presidente Dmitri Medvedev lida na manhã de terça-feira durante a sessão solene de abertura, puderam fazer a diferença no que ficará como a primeira eleição de um patriarca ortodoxo russo desde o fim do comunismo.

Cyril, que estava sendo preparado para esta máxima função, era um dos mais próximos do falecido patriarca. Ele chega ao primeiro lugar, amadurecido por uma experiência internacional única para um dignitário ortodoxo russo e um enraizamento espiritual na mais alta tradição religiosa deste país.

Ele foi, de fato, um discípulo do metropolita Nicodemo, o principal artífice da lenta renascença da Igreja Russa a partir dos anos 1960. "A tradição eclesial era a base da fé e o critério da verdade" de Nicodemo, lembra seu herdeiro em um livro, recentemente publicado pela Cerf, O Evangelho e a Liberdade.

Outra influência decisiva foi o ensino de teologia recebido do arcipreste Livery Voronov, que passou dez anos nos campos stalinistas. Ele era "um homem disciplinado em seu pensamento e palavras." O aluno Cyril aprendeu a lição.

Aquele a quem algumas correntes da ortodoxia recriminavam sua grande abertura ao Ocidente não é, portanto, um liberal. Ele critica aliás esse “pensamento liberal laico”, cuja influência percebe-se expandir: “Vemos como algumas igrejas protestantes reconhecem uniões do mesmo sexo, ordenam para o ministério eclesial pessoas que vivem em casal homossexual e não condenam o aborto.” Ele é também muito cauteloso em relação às adaptações teológicas e ao abandono do eslavônico, língua litúrgica equivalente ao nosso latim, pouco acessível à maioria dos fiéis. Do ponto de vista político, as importantes funções que ocupou relativamente jovem levaram outros a imaginar que ele era próximo do regime. Esquecem-se, no entanto, que seu avô, sacerdote, terminou vagando por ser perseguido por defender sua fé cristã. Que seu pai, também sacerdote, homem de grande cultura – a biblioteca da família contava com 3.000 volumes, muitos dos quais proibidos – foi forçado a deixar Leningrado para um vilarejo rural devido ao mesmo combate.

Ele é, sobretudo, um daqueles que, à escola de Nicodemo, aprenderam a navegar para defender os interesses concretos e a sobrevivência da Igreja ortodoxa. Ele tem aliás esta frase: “As pessoas inteligentes sempre souberam distinguir nas palavras dos representantes oficiais de nossa Igreja o que era exigido pelas autoridades civis, e o que vinha de seus próprios corações e de sua fé. É indiscutível que elementos de propaganda estavam presentes no discurso dos oficiais ortodoxos russos quando iam ao exterior.”

No entanto, este mesmo Cyril, homem de mídia – ele apresenta um programa de televisão nacional semanal onde responde ao vivo às perguntas dos telespectadores e lançou o site da patriarcado de Moscou – explicava ainda recentemente sobre a crise financeira mundial: “O que é atual não são as afirmações ideológicas de Marx, mas sua análise econômica. Para conseguir superar a crise mundial que se inicia, é necessário transformar seriamente o modelo socioeconômico atual para colocar mais ênfase na justiça da ação política e torná-la benéfica para toda a sociedade.”

Aquele que pressionou a Igreja ortodoxa a formular um corpo de doutrina social (publicada em francês pela Cerf-Istina em 2007) para enfrentar a era pós-comunista acrescentava que “a concepção clássica do socialismo é hoje tão ultrapassada quanto o fundamentalismo capitalista”. Sem esquecer, uma forte insistência no “princípio de não-ingerenência recíproca” entre a Igreja e o Estado, que lembrou na terça-feira à noite, antes de ser eleito.

Cyril é, portanto, um cristão convicto. Ele desejou ser sacerdote desde a infância. Seu lema “Anunciai dia após dia a salvação do nosso Deus” é o objetivo de sua vida. Mas sua inteligência e seu gosto por “não seguir a moda ideológica” frequentemente lhe atraíram suspeitas.

Assim, em 1984, suas posições contra a guerra soviética no Afeganistão – um sinal de uma independência manifesta – lhe custaram simplesmente a destituição, aos 38 anos, de sua primeira alta responsabilidade. Por dez anos, ele havia sido reitor do seminário e da academia de teologia de Leningrado, sua cidade natal, hoje São Petersburgo, onde se destacou por seu cuidado em traduzir teólogos católicos e onde atraiu um número crescente de estudantes.

Cinco anos depois, em plena perestroika, ele foi nomeado para o cargo chave de ministro das Relações Exteriores do patriarcado de Moscou, “presidente do departamento de relações exteriores”, função que desempenhou com maestria em todos os continentes.

Isso o levará a encontrar um certo Joseph Ratzinger, cinco vezes – três das quais desde que Bento XVI foi eleito papa em 2005! Esses dois amantes da música clássica – o alemão gosta de Mozart, o russo compõe ouvindo Bach – poderiam escrever uma partitura inédita.