Artigo IV - É lícito receber dinheiro emprestado pagando juros?
Aqui está o texto corrigido:
QUANTO AO QUARTO, ASSIM SE PROCEDE: parece que não é lícito receber dinheiro emprestado pagando usura.
- Com efeito, o Apóstolo proclama: "São dignos de morte, não somente os que cometem o pecado, mas ainda os que aprovam os seus autores." Ora, quem recebe dinheiro emprestado pagando juros consente no pecado do usurário e lhe dá ocasião de pecar. Logo, também peca.
- ALÉM DISSO, por nenhuma vantagem temporal se deve dar a outrem ocasião de pecar, pois seria um escândalo ativo, que é sempre pecado, como já ficou explicado. Ora, quem pede emprestado ao usurário lhe dá expressamente ocasião de pecar. Logo, nenhuma vantagem temporal o pode escusar.
- ADEMAIS, a necessidade que impele por vezes a depositar dinheiro em poder do usurário não é menor do que a que constringe a dele receber um empréstimo. Ora, depositar dinheiro nas mãos do usurário parece ser completamente ilícito, como também o é entregar uma espada a um louco, uma virgem a um luxurioso ou comida a um glutão. Logo, também não é lícito receber empréstimo de um usurário.
EM SENTIDO CONTRÁRIO, quem sofre uma injustiça não peca, como ensina o Filósofo. Por isso, a injustiça, explica ele ainda, não é o meio-termo entre dois vícios. Ora, o usurário peca, cometendo uma injustiça contra quem dele recebe dinheiro sob condição de pagar juros. Logo, quem aceita esse empréstimo usurário não peca.
RESPONDO. De modo algum é lícito induzir alguém a pecar. É lícito, porém, tirar proveito do pecado de outrem para o bem. Pois, também Deus usa de todos os pecados para algum bem; de qualquer mal, Ele tira um bem, diz Agostinho. E o mesmo Agostinho, interrogado por Publícola se era lícito aceitar o juramento de quem jurou pelos seus falsos deuses, pecando assim manifestamente, por lhes atribuir uma reverência divina, responde: "Quem recorre ao juramento daquele que jura pelos falsos deuses, não para o mal, mas para o bem, não se associa ao pecado que consiste em jurar pelo demônio, mas ao que há de bom em seu pacto, pelo qual guardou a fidelidade. Pecaria, contudo, se o induzisse a jurar pelos falsos deuses."
Igualmente na questão que nos ocupa, deve afirmar-se que de nenhuma maneira é lícito induzir outrem a emprestar com usura; no entanto, receber empréstimo com juros das mãos de quem está disposto a fazê-lo e exerce a usura, é lícito, tendo em vista algum bem, que é satisfazer à necessidade própria ou de outro. Assim como é lícito a quem caiu nas mãos de salteadores, exibir-lhes os bens que traz consigo e deixar cometer o pecado de roubo, para não ser morto, seguindo nisso o exemplo dos dez homens que disseram a Ismael: "não nos mates, pois temos um tesouro oculto no campo," como se narra no livro de Jeremias.
QUANTO AO 1º, portanto, deve-se dizer que quem toma dinheiro emprestado com juros não consente no pecado do usurário, mas dele se serve. Não lhe apraz a cobrança de juros, mas o empréstimo, que é um bem.
QUANTO AO 2º, deve-se dizer que quem recebe o dinheiro emprestado com juros não dá ocasião ao usurário de receber esses juros, mas de fazer um empréstimo. O próprio usurário tira ocasião de pecar da malícia de seu coração. Por conseguinte, há escândalo passivo de sua parte, sem que haja escândalo ativo da parte de quem solicita o empréstimo. Nem por causa desse escândalo passivo, se deve deixar de procurar o empréstimo, quando se está em necessidade; pois, tal escândalo passivo não provém da fraqueza ou da ignorância, mas da malícia.
QUANTO AO 3º, deve-se dizer que se alguém confiasse seu dinheiro a um usurário, que sem isso não poderia exercer a usura, ou que o confiasse na intenção de fazer obter maior lucro pela usura, lhe daria então matéria de pecado e seria, portanto, cúmplice de sua falta. Mas, se alguém recorre a um usurário, que já tem por onde exercer sua usura e lhe confia seu dinheiro para o ter em segurança, não peca, mas se serve de um homem pecador para conseguir um bem.