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CAPÍTULO VIII: Do purgatório

Após as visões supramencionadas, a serva de Deus foi conduzida à do purgatório, cuja distribuição é a mesma que a do inferno. Ao se aproximar deste triste lugar, ela leu estas palavras escritas na porta:

"Aqui é o purgatório, lugar de esperança, onde as almas aguardam o cumprimento de seu desejo".

O anjo Rafael lhe mostrou as três partes desta morada; e eis o que ela viu lá:

Na parte mais baixa, queima um fogo que dá luz, diferente nisso do fogo do inferno, que é negro e sem qualquer claridade. Este fogo é muito ardente e de cor vermelha. É lá que são punidas as almas devedoras à justiça divina da pena temporal que mereceram por grandes pecados; e o fogo as atormenta mais ou menos rigorosamente, segundo a qualidade e a quantidade de suas dívidas. O anjo lhe disse que sete anos de sofrimentos nesta parte inferior correspondem à pena temporal merecida por um único pecado mortal.

À esquerda dessas almas, mas fora do purgatório, Francisca viu os demônios que as tentavam durante a vida, e ela observou que essas pobres almas sofriam muito com sua visão e com as reprovações que eles não cessavam de lhes fazer ouvir. "Vocês preferiram", diziam-lhes, "seguir nossas ilusões e nossas persuasões, em vez dos preceitos do Evangelho. Vocês tiveram a loucura de ofender Aquele a quem eram devedores de sua criação e redenção. Permaneçam aqui agora para expiar suas ingratidões". De resto, o poder dos demônios sobre essas almas se limita a essas duas coisas: afligi-las com suas reprovações e com seu horrível aspecto.

Essas almas, colocadas no fogo do purgatório inferior, aquiescem humildemente à justiça divina; no entanto, o rigor das penas que suportam lhes arranca gemidos que ninguém nesta vida poderia compreender. Elas aquiescem à vontade de seu juiz, porque compreendem perfeitamente a equidade dos tormentos que suportam. Ora, essa aquiescência é a causa de Deus prestar ouvidos às suas queixas, de ser tocado por elas e lhes dar algumas consolações. Ele não as arranca por isso das chamas que as queimam, mas faz com que encontrem em sua própria submissão uma espécie de refrigério, assim como no pensamento de que logo chegarão à glória eterna. Elas conhecem não apenas seus próprios pecados, mas também os das outras almas que sofrem com elas, e todas estão contentes com a justiça punitiva de Deus, que se exerce com tanta equidade.

Quando um anjo da guarda conduz ao purgatório inferior a alma que lhe foi confiada, ele se coloca fora da prisão, do lado direito da porta, enquanto o anjo mau se coloca do lado esquerdo; e ele permanece lá até que essa alma, completamente purificada, se torne livre para subir ao céu. É ele quem recolhe os sufrágios oferecidos por ela na terra e os apresenta à justiça de Deus, que os devolve a ele para que os aplique a essa pobre alma, como um remédio que suaviza seus males. Ele apresenta igualmente a Deus todas as boas obras que ela fez durante sua vida mortal, enquanto o anjo mau recorda constantemente os pecados que ela cometeu à justiça do Senhor. Quando uma alma fez legados piedosos antes de seu falecimento, Deus, em Sua bondade, os aceita imediatamente e os recompensa, mesmo que não recebam sua execução por falha daqueles que eram encarregados disso. No entanto, se ela adiou essas boas obras para depois de sua morte, por apego às suas riquezas, Deus só a recompensa após o término do tempo determinado por ela para seu cumprimento.

Este purgatório inferior se divide em três prisões separadas, onde o fogo não tem um ardor igual; é mais ardente na primeira que na segunda, e na segunda que na terceira. Ora, a primeira é destinada aos religiosos e aos padres, mesmo que tenham cometido pecados menores que os seculares, porque tiveram mais luz e não honraram sua dignidade como deviam. Francisca viu neste cárcere um padre muito piedoso, mas que havia contentado demais seu apetite no uso dos alimentos. A segunda prisão é a morada dos religiosos e dos clérigos que não foram honrados com o sacerdócio. Na terceira, estão confinadas as almas seculares que cometeram pecados mortais e não os expiaram durante a vida. Os tormentos, no entanto, não são iguais em cada uma dessas prisões; são mais ou menos cruéis segundo a medida das dívidas e a qualidade das pessoas. Os superiores sofrem mais que os inferiores; conforme uma alma é mais ou menos culpada, os suplícios são mais ou menos cruéis, e sua duração mais ou menos longa.

Após ter considerado o purgatório inferior, Francisca foi conduzida à visão do purgatório intermediário. Ora, ele se divide, como o outro, em três partes, sendo a primeira um lago de água gelada, a segunda um lago de piche derretido, misturado com óleo fervente, e a terceira um lago de metais liquefeitos. É neste purgatório que estão alojadas as almas que não cometeram pecados graves o suficiente para merecer serem colocadas no purgatório inferior. São, portanto, os pecados veniais que conduzem a este purgatório intermediário. Ora, há nesta prisão trinta e oito anjos que estão constantemente ocupados em transferir essas pobres almas de um lago para outro, o que fazem com maneiras muito graciosas e grande caridade. Estes anjos não são escolhidos entre seus anjos da guarda; são outros anjos que a bondade de Deus encarregou deste ministério. Atribuo sua missão à bondade de Deus porque sua presença é de grande consolação para essas almas.

A serva de Deus recebeu nesta visão várias luzes sobre a aplicação dos sufrágios que os vivos oferecem pelos mortos, que merecem ser comunicadas. Ela soube 1º que as missas, indulgências concedidas e boas obras oferecidas para certas almas por seus parentes e amigos não lhes são integralmente aplicadas; elas recebem a melhor parte, mas o resto é distribuído entre todas as almas do purgatório. Francisca soube 2º que essas oferendas, feitas por erro a almas que estão no paraíso, beneficiam primeiro aqueles que as fazem, e depois as almas do purgatório. Ela soube 3º que esses mesmos socorros dirigidos pelos vivos a almas que eles acreditam estar a caminho da salvação, e que estão reprovadas, entram integralmente nos tesouros de seus autores, porque nem os condenados podem se beneficiar delas, nem Deus permite que sejam aplicadas às almas do purgatório. É notável que Francisca, ao sair de uma dessas visões, que havia durado cerca de duas horas, acreditou ter empregado um tempo muito considerável. Resulta daí, portanto, que o tempo que parece passar rápido na terra, parece muito longo na eternidade.