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CAPÍTULO II: Tormentos particulares exercidos sobre nove tipos de culpados

1° Suplícios daqueles que ultrajaram a natureza com suas impurezas.

Francisca viu na parte mais baixa e horrível do inferno homens e mulheres que suportavam torturas terríveis. Os demônios que lhes serviam de carrascos os faziam sentar em barras de ferro incandescentes, que penetravam o corpo em todo o seu comprimento e saíam pelo topo da cabeça, e enquanto um deles retirava essa barra e a enfiava novamente, os outros, com tenazes ardentes, lhes dilaceravam as carnes da cabeça aos pés. Ora, esses tormentos eram contínuos e isso sem exclusão das penas gerais, quero dizer, do fogo, do frio glacial, das densas trevas, das blasfêmias e dos rangeres de dentes.

2° Suplícios dos usurários.

Não longe da cela dos primeiros, Francisca viu outra onde os criminosos eram torturados de maneira diferente, e foi-lhe dito que eram os usurários. Ora, esses infelizes estavam deitados e pregados em uma mesa de fogo, os braços estendidos, mas não em forma de cruz, e o guia de Francisca lhe disse a esse respeito que todo sinal da cruz era banido dessas moradas infernais. Cada um deles tinha um círculo de ferro vermelho na cabeça. Os demônios pegavam em caldeirões ouro e prata fundidos que despejavam em suas bocas; eles também faziam escorrer em uma abertura que haviam feito no lugar do coração, dizendo: lembrem-se, almas miseráveis, da afeição que vocês tinham por esses metais durante a vida; foi ela que os conduziu aonde vocês estão. Eles os mergulhavam em seguida em uma cuba cheia de ouro e prata liquefeitos; de modo que elas não faziam mais que passar de um tormento a outro, sem obter um momento de repouso. Elas sofriam, além disso, as penas comuns a todas as outras almas condenadas; o que as reduzia a um terrível desespero: assim, elas não cessavam de blasfemar o nome sagrado d'Aquele que exercia sobre elas suas justas vinganças.

3° Suplícios dos blasfemadores.

Francisca viu, na mesma região, os profanadores obstinados de Deus, da santa Virgem e dos santos. Ora, eles estavam submetidos a torturas terríveis. Os demônios, armados de pinças ardentes, puxavam suas línguas e as aplicavam sobre carvões em brasa, ou então pegavam esses carvões e os colocavam em suas bocas; em seguida, os mergulhavam em caldeirões de óleo fervente, ou então os faziam engolir, dizendo: "Como ousavam blasfemar o que os céus reverenciam, almas malditas e desesperadas?". Não longe destes estavam os covardes que renunciaram a Jesus Cristo por medo dos suplícios; mas seus tormentos não eram tão rigorosos, Deus tendo em conta a fraqueza humana que os fez sucumbir.

4° Suplícios dos traidores.

Francisca viu no mesmo bairro as torturas que exerciam os demônios impiedosos sobre os homens infiéis a seus mestres, e sobretudo sobre os cristãos que só assumiram compromissos na pia batismal para profaná-los. Esses cruéis carrascos lhes arrancavam o coração com tenazes ardentes e o devolviam em seguida para arrancá-lo de novo. Eles os desciam também de tempos em tempos em cubas cheias de piche fervente e lhes diziam, mantendo-os submersos: "Almas falsas e pérfidas, sem coração e sem fidelidade, não contentes em trair seus mestres temporais, vocês ousaram trair seu próprio Deus; pois vocês assumiram na pia batismal o compromisso solene de renunciar a Satanás, suas pompas e suas obras, e vocês fizeram exatamente o oposto. Não esqueçam essas promessas e recebam o castigo que sua violação lhes mereceu". A essas reprovações amargas sucediam os uivos das vítimas; elas blasfemavam também os sacramentos, sobretudo o santo batismo, e amaldiçoavam seu divino autor.

5° Suplícios dos homicidas.

Um pouco mais longe, ela viu homens de feições ferozes, mergulhados em um imenso caldeirão cheio de sangue em ebulição. Ora, os demônios vinham pegá-los nesse caldeirão fervente e os jogavam em outro cheio de água meio congelada; depois os retiravam deste para submergí-los no primeiro. Mas esse não era seu único tormento, outros demônios armados de punhais inflamados lhes perfuravam o coração e só retiravam o ferro da ferida para mergulhá-lo novamente. Junto a esses homens sanguinários, estavam colocadas aquelas mães que se desnaturaram a ponto de tirar a vida de seus próprios filhos, e suas torturas eram mais ou menos as mesmas.

6° Suplícios dos apóstatas que abandonaram a fé católica não por fraqueza, mas por corrupção.

Os demônios os serravam pelo meio do corpo, com serras de ferro vermelho, mergulhadas em chumbo derretido. Ora, a recuperação das carnes ocorria subitamente após a operação, e permitia aos carrascos recomeçar incessantemente.

7° Suplício dos incestuosos.

Houve em todos os tempos homens e mulheres que, levados por uma paixão cega, cometeram impurezas com pessoas que lhes eram unidas por laços de sangue ou por laços espirituais. Ora, a Serva de Deus os viu em uma cela vizinha à dos habitantes de Sodoma. Ora, os demônios os mergulhavam em uma fossa cheia de matérias infectas em ebulição; depois, retirando-os de lá, os cortavam em quartos, e quando esses quartos se reuniam, o que acontecia imediatamente, eles os mergulhavam novamente na cloaca ardente e fétida.

8° Suplícios dos magos.

No inferno do meio, a bem-aventurada viu aqueles que, durante sua vida, estavam em comércio com o demônio, e aqueles que os consultavam e lhes davam confiança. Eles estavam envolvidos em trevas terríveis, e os carrascos os apedrejavam com pedras de ferro incandescentes. Havia lá uma grelha quadrada, no meio da qual ardia um fogo terrível. Ora, de tempos em tempos os demônios deitavam suas vítimas sobre essa grelha, e as mantinham fortemente acorrentadas; depois as retiravam de lá para apedrejá-las novamente.

9° Suplícios dos excomungados.

A serva de Deus notou que todas as almas precipitadas na boca do demônio não saíam de seu corpo. Tendo desejado saber quais eram as almas que ela não via reaparecer, foi-lhe dito que eram as almas daqueles que morreram na excomunhão. Elas descem, acrescentou a voz que a instruía, na cauda do dragão, que se prolonga até o fundo do abismo, e é um vasto foco onde arde um fogo devorador. Elas estavam, portanto, encerradas nessa terrível prisão, e os demônios que rondavam ao redor lhes gritavam com voz insultante:

"Então são vocês que, cegados por suas paixões e embrutecidos pela sensualidade, desprezaram os raios da Igreja? Bem, fervam agora na cauda do dragão".

"Ai! Ai!", respondiam de dentro vozes lamentosas, "que infortúnio é o nosso, e que males terríveis suportamos!"