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CAPÍTULO I: Do lugar do inferno, de seu príncipe, da entrada das almas neste lugar de horror, e das penas que lhes são comuns

Um dia em que a serva de Deus estava muito doente, ela se fechou em sua cela, para se entregar com toda liberdade ao exercício da contemplação, onde encontrava sua consolação e todas as suas delícias. Era por volta de quatro horas da tarde: ela foi imediatamente arrebatada em êxtase, e o arcanjo Rafael, que ela não viu então, veio buscá-la e a conduziu à visão do inferno. Chegada à porta deste reino terrível, ela leu estas palavras escritas em caracteres de fogo:

"Este lugar é o inferno, onde não há nem descanso, nem consolação, nem esperança".

Estando esta porta aberta, ela olhou e viu um abismo tão profundo e tão espantoso, que desde então não podia falar sobre ele sem que seu sangue se gelasse de pavor. Deste abismo saíam gritos horríveis e exalações insuportáveis; então ela foi tomada de um horror extremo; mas ela ouviu a voz de seu condutor invisível, que lhe dizia para ter coragem, porque nenhum mal lhe aconteceria. Um pouco tranquilizada por esta voz amiga, ela observou mais atentamente esta porta, e viu que já bastante larga em sua entrada, ela ia se alargando cada vez mais em sua espessura; mas neste horrível corredor reinavam trevas inimagináveis; no entanto, fez-se para ela uma luz, e ela viu que o inferno era composto de três regiões: uma superior, outra inferior, e outra intermediária. Na região superior, tudo anunciava graves tormentos; naquela do meio, o aparato das torturas era ainda mais assustador; mas, na região mais baixa, o sofrimento era incompreensível. Estas três regiões eram separadas por longos espaços, onde as trevas eram espessas, e os instrumentos de tortura em número prodigioso e extraordinariamente variados.

Neste abismo terrível, vivia um imenso dragão que ocupava todo o seu comprimento: ele tinha sua cauda no inferno inferior, seu corpo no inferno intermediário e sua cabeça no inferno superior. Sua boca estava escancarada na abertura da porta que ele preenchia inteiramente; sua língua saía com um comprimento desmedido; seus olhos e orelhas lançavam chamas sem claridade, mas de um calor insuportável; sua garganta vomitava uma lava ardente e de um odor pestilento. Francisca ouviu neste abismo um barulho terrível: eram gritos, uivos, blasfêmias, lamentações dilacerantes, e tudo isso misturado a um calor sufocante, e a um odor insuportável, lhe fazia tanto mal, que ela acreditou que sua vida iria se aniquilar; no entanto, seu guia invisível a tranquilizou com suas inspirações, e lhe devolveu um pouco de coragem: ela precisava disso para suportar a visão da qual vamos falar.

Ela viu Satanás na forma mais terrível que se possa imaginar. Ele estava sentado em um assento que se assemelhava a uma longa viga, no inferno do meio, e ainda assim sua cabeça alcançava o topo do abismo, e seus pés desciam até o fundo; ele mantinha suas pernas abertas e seus braços estendidos, mas não em forma de cruz. Uma de suas mãos ameaçava o céu, e a outra parecia indicar o fundo do precipício. Dois imensos chifres de cervo coroavam sua testa; eram muito ramificados, e os inúmeros pequenos chifres que saíam deles, como tantos ramos, pareciam tantas chaminés por onde escapavam colunas de chamas e fumaça. Seu rosto era de uma feiura repulsiva e de um aspecto terrível. Sua boca, como a do dragão, vomitava um rio de fogo muito ardente; mas sem claridade e de um fedor horrível. Ele usava no pescoço uma coleira de ferro vermelho. Uma corrente ardente o amarrava pelo meio do corpo, e seus pés e mãos estavam igualmente acorrentados. Os ferros de suas mãos estavam fortemente presos à abóbada do abismo; os de seus pés estavam presos a um anel fixado no fundo do abismo, e a corrente que lhe prendia os rins, também prendia o dragão do qual falamos.

A esta visão sucedeu outra. A serva de Deus viu de todos os lados almas que os espíritos que as haviam tentado traziam de volta a esta terrível morada: elas carregavam seus pecados escritos em suas testas em caracteres tão inteligíveis, que a santa compreendia por quais crimes cada uma delas estava condenada. Essas letras, no entanto, eram apenas para ela; pois essas almas infelizes conheciam reciprocamente seus pecados apenas pelo pensamento. Os demônios que as conduziam as sobrecarregavam de piadas, reprovações amargas e maus-tratos, que seria difícil relatar, tão inventiva era a raiva desses monstros. À medida que essas almas chegavam à entrada do abismo, os demônios as derrubavam e as precipitavam, de cabeça para baixo, na boca sempre aberta do dragão. Assim engolidas, elas deslizavam rapidamente em suas entranhas, e na abertura inferior, eram recebidas por outros demônios que as conduziam imediatamente ao seu príncipe, aquele monstro acorrentado, do qual acabamos de falar. Ele as julgava imediatamente, e após designar o lugar que deveriam ocupar de acordo com seus crimes, ele as entregava a demônios que lhe serviam de satélites para conduzi-las até lá. A santa notou que essa transferência não era feita da mesma maneira que a das almas que passam do purgatório ao paraíso. Embora a distância que estas últimas têm que percorrer seja incomparavelmente maior do que a de um inferno a outro, já que elas precisam atravessar a terra, o céu dos astros e o cristalino, para chegar ao empíreo; no entanto, essa viagem é feita num piscar de olhos. A marcha das almas que Francisca via serem levadas pelos guardas do tirano infernal era, ao contrário, muito lenta, tanto por causa das densas trevas que tinham que atravessar com uma espécie de violência, quanto pelas torturas que lhes infligiam nos espaços intermediários dos quais falamos. Portanto, era somente após algum tempo que os demônios acabavam por depositá-las no fundo do abismo.

Francisca também viu chegarem outras almas menos culpadas que as primeiras, e ainda assim condenadas; elas eram precipitadas na boca do dragão, apresentadas a Lúcifer, julgadas e transferidas pelos demônios, como as outras; mas, em vez de descerem ao fundo do abismo, elas subiam para o inferno superior, com a mesma lentidão, no entanto, e sofrendo tormentos proporcionais aos seus pecados. Chegando à sua prisão, elas encontravam uma multidão de demônios em forma de serpentes e bestas ferozes, cuja visão as aterrorizava. Os olhares de Satanás as assustavam ainda mais e, sem falar do incêndio geral no qual estavam envolvidas, o fogo que saía do príncipe das trevas lhes fazia sentir cruelmente seu ardor devorador. Ao seu redor reinava uma noite eterna; de modo que nada podia fazer diversão às penas que elas suportavam. Lá, como nas outras partes do inferno, cada uma das almas condenadas era entregue a dois demônios principais, executores dos decretos da justiça divina. A função do primeiro era golpeá-la, dilacerá-la e atormentá-la sem cessar; a do segundo era zombar de sua desgraça, repreendendo-a por tê-la atraído por sua culpa; lembrando-a continuamente da lembrança de seus pecados, mas da maneira mais opressiva, perguntando-lhe como ela pôde ceder às tentações e consentir em ofender seu Criador; repreendendo-a, enfim, por todos os meios que ela tivera de se salvar, e todas as ocasiões de fazer o bem, que ela perdera por sua culpa. Daí remorsos dilacerantes que, unidos aos tormentos que o outro carrasco lhe fazia experimentar, a colocavam em um estado de raiva e desespero, que ela expressava por uivos e blasfêmias. O encargo confiado a esses dois demônios não era, no entanto, exclusivo: todos os outros tinham igualmente o direito de insultá-la e atormentá-la, e não deixavam de usá-lo. A serva de Deus tendo desejado saber que diferença havia entre os habitantes das três províncias desse reino terrível, foi-lhe dito que, na região inferior, estavam colocados os maiores criminosos; na do meio os criminosos medianos e na região superior os menos culpados dos condenados. As almas que você vê neste lugar mais alto, acrescentou a voz que a instruía, são aquelas dos judeus que, exceto por sua obstinação, viveram isentos de grandes crimes, aquelas dos cristãos que negligenciaram a confissão durante a vida e foram privados dela na morte, etc. Tudo o que a bem-aventurada via e ouvia a enchia de espanto; mas seu guia tinha grande cuidado em tranquilizá-la e fortalecê-la.