GÓLGOTA-GÓLGOTA
Em todos os desenvolvimentos de Steiner, a palavra Gólgota retorna com uma frequência que não pode deixar de chamar a atenção; não há dúvida de que essa repetição incansável denota nele um verdadeiro fascínio. Não houve conferência de Steiner (e sabemos que cada conferência se tornou o capítulo de um livro) onde ele não proclame que "o mistério do Gólgota é o pivô essencial da história humana".
Ele não se privou de aplicar, a este evento essencial, um esforço de "investigação espiritual" particularmente insistente. E chegou, como não poderíamos nos espantar, a novas deformações das verdades da fé concernentes à morte de Cristo e à redenção da humanidade. Para ele, a morte de Jesus Cristo na Cruz é algo totalmente diferente do que a quitação, pelo "Justo", da dívida acumulada pelas injustiças dos pecadores para com o legislador divino. Certamente Steiner conserva, aqui também, o vocabulário da Igreja, mas desfigura seu sentido, não expressando mais do que um cristianismo verbal totalmente oco.
Quem é o personagem que, segundo Steiner, se apresenta no Gólgota?
É, portanto, este Jesus Cristo formado, há apenas três anos no Jordão, pela descida, no corpo de Jesus de Nazaré, do "Eu Superior" do Cristo. Trata-se, consequentemente, de um personagem totalmente imaginário que não tem mais nada em comum com o Cristo histórico dos Evangelhos.
O que vai acontecer, na Cruz, para o personagem assim definido?
Certamente vão nos falar, com muito lirismo, de sangue derramado e de redenção; conservar-se-á toda uma parte da terminologia cristã, mas ela recobrirá noções que não têm mais nada de cristão, a não ser a consonância, e que serão próprias da antroposofia. Aqui Jesus Cristo não é mais o cordeiro inocente que Se faz culpado para atrair sobre Si os golpes da Justiça divina. Ele se torna apenas o Espírito que se faz carne para espiritualizar a carne.
A Crucificação não é mais o Sacrifício de reconciliação que apazigua a Justiça de um Deus ofendido. Segundo Steiner, Jesus Cristo seria simplesmente um AGENTE DE ESPIRITUALIZAÇÃO da humanidade e mesmo da Terra. O Gólgota constitui o início da renovação do estatuto da vida humana sobre a Terra. É uma nova INICIAÇÃO da humanidade. A Redenção, da qual se continuará a falar, não se define mais como um resgate, segundo a etimologia da palavra, mas como uma espiritualização. Começada no Gólgota, onde ela se realiza virtualmente, esta espiritualização se tornará efetiva em três fases sucessivas:
- ela vai primeiro transformar o Eu humano individual;
- ela vai em seguida incorporar a vida divina ao conjunto da humanidade;
- enfim, ela vai consagrar um novo tipo de INICIAÇÃO.
Retomemos separadamente cada uma dessas três fases, resumindo o mais fielmente possível as ideias de Rudolf Steiner.
No plano individual, o mistério do Gólgota provocou uma IMPREGNAÇÃO da substância humana pelo divino:
" ...o homem recebeu poder de espiritualizar, nas profundezas de seu Eu, seu ser psíquico, vital e físico. A 'morte-ressurreição' do Cristo 'insuflou uma nova vida ao corpo etérico'. Esta vida nova, imperecível, foi trazida ao corpo etérico pelo Cristo. Depende, portanto, do Cristo que o corpo humano, senão votado à morte, seja transformado, preservado da corrupção, dotado da faculdade de tomar uma forma incorruptível. O Cristo derramou a vida no corpo etérico". ("O Evangelho de São João em suas Relações..." p. 183). Pelo mistério do Gólgota, "O EU HUMANO É CRISTIFICADO".
No plano geral, a virtude do Gólgota incorpora um acréscimo de vida espiritual ao conjunto da humanidade:
"A impulsão crística, após ter se manifestado através de Jesus de Nazaré, uniu-se à EVOLUÇÃO DA TERRA...
Uma nova era começa para a humanidade?
Já sabemos que não é segundo um modo de resgate; certamente se conserva a palavra redenção, mas ela toma o sentido de um simples processo de espiritualização. É por um modo de "conhecimento", mais exatamente por uma nova e melhor inteligência do Evangelho que se fará esta incorporação espiritual, esta nova e melhor infusão de vitalidade:
"A inteligência do Evangelho de São João conduzirá a humanidade à compreensão mais ampla do mistério do Gólgota: da morte perdendo, para a evolução humana, seu caráter enganador. O que aconteceu no Gólgota não demonstra apenas ao nosso conhecimento que a morte é na realidade a fonte de toda vida, mas que o homem pode tomar, diante da morte, uma posição que lhe permita infundir sempre mais vida em si, até o ponto de vencer a morte". (ib., p. 200-201)
A ideia de vitória sobre a morte pela espiritualização vai se concretizar cada vez mais, entre os discípulos de Steiner, e se prolongar até suas extremas consequências:
"Enfim, o Eu humano terá adquirido tal poder sobre a matéria de seu corpo físico que o transformará em HOMEM-ESPÍRITO, expressão humana do Logos criador".
Assim se expressa um discípulo de marca de Rudolf Steiner, L. Hadjetlache, em seu prefácio à nova edição de "O Evangelho de São João em suas Relações com os outros Evangelhos"Evangelhos", p. 18.
Nos séculos futuros vai se exercer a atividade do Eu humano assim cristificado. Por esta atividade, o homem se tornará por sua vez CRIADOR, pois depositário da Sabedoria criadora de Deus. O eu criador obterá a força de agir sobre os fenômenos da vida. Ele poderá metamorfosear o corpo vital ou etérico. Ele levará à maturidade o germe de vida espiritual e divina que foi depositado outrora, neste corpo etérico, pelas hierarquias espirituais e que a Entidade crística levou ao seu máximo.
Eis enfim quais são os efeitos do "evento do Gólgota", tais como os representa Rudolf Steiner, no plano iniciático.
O Gólgota fez progredir a iniciação humana em um grau. Aqui também a Entidade crística, porque é espiritual, operou no sentido de uma maior espiritualização. Sob o regime do paganismo, era na esfera do INCONSCIENTE que se produzia o contato iniciático do humano com o divino; era ainda apenas uma iniciação no plano psíquico, isto é, na zona inferior do mental.
Desde o evento do Gólgota, é no CONSCIENTE que o espírito do homem pode participar do divino. Em outros termos, a afiliação iniciática, de inconsciente que era sob o regime do paganismo, tornou-se consciente sob o regime cristão e é nisso que ela se espiritualizou.
O que ele entende por iniciação cristã?
Ele não o precisa, pelo menos em sua obra sobre a cristologia. Mas ele a evoca aqui em um sentido certamente muito amplo e muito vago. O que é certo é que Steiner concede à iniciação nova, isto é, cristã, um valor superior à antiga que estava em uso no paganismo. Pode-se notar aí ainda uma vontade de se distinguir das doutrinas orientais que permaneceram as da teosofia, e nas quais tal superioridade da iniciação cristã é absolutamente desconhecida.