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XIª SEÇÃO. Do objeto da visão beatífica

38. Embora Deus, sem qualquer meio, seja objeto da visão beatífica e forma do intelecto dos bem-aventurados; no entanto, ele é tal na medida em que é autor das obras ad extra, as quais, de maneira inefável, estão nele (Teodiceia, n. 672).

Deus é o objeto da visão beatífica, na medida em que é autor das obras ad extra.

Esta proposição se relaciona estreitamente com as duas seguintes. No entanto, é necessário considerá-la separadamente devido à sua oposição formal ao ensinamento da Igreja sobre o objeto da visão beatífica. Veja aqui INTUITIVA (Visão), t. vii, col. 2380 ss.

As Escrituras nos ensinam que veremos Deus sicuti est. I João, iii, 2. O magistério precisou que, na visão intuitiva e facial (cf. I Cor., xiii, 12), a essência divina se mostraria ao eleito imediatamente, claramente, abertamente. Cf. Bento XII, bula Benedictus Deus, Denz.-Bannw., n. 530. e aqui t. ii, col. 658 ss. E o concílio de Florença acrescenta expressamente que Deus será visto claramente, um e trino, como ele é. Decreto Pro Græcis, Denz.-Bannw., n. 693. Ora, se Deus fosse objeto da visão beatífica somente na qualidade de autor das obras ad extra, ele não seria visto tal como é na trindade das pessoas, mas apenas segundo seu ser absoluto. Trutina, n. 285-288, p. 405-409.

39. Os vestígios da sabedoria e da bondade do Criador, longe de se tornarem inúteis para eles (os compreensores), antes, mostram-se necessários; pois esses vestígios, todos reunidos no exemplar eterno, são justamente aquela parte dele que é acessível a eles, e, portanto, são aqueles que fornecem argumento para os louvores que dão eternamente a Deus (ibid., n. 674).

Vestígios da sabedoria e da bondade, que brilham nas criaturas, são necessários aos bem-aventurados; pois, reunidos no exemplar eterno, formam a parte deste que pode ser vista por eles (que é acessível a eles), e fornecem argumento para os louvores que, por toda a eternidade, os bem-aventurados cantam a Deus.

Encontramos aqui a explicação rosminiana da proposição anterior. Rosmini afirma aqui três coisas:

1° os vestígios das perfeições divinas que brilham nas criaturas são necessários aos bem-aventurados; 2° esses mesmos vestígios, reunidos no exemplar divino, são a parte do exemplar acessível aos bem-aventurados; 3° esses vestígios são o tema dos louvores que os bem-aventurados prestam a Deus.

A primeira afirmação nega o próprio caráter da glória essencial dos eleitos. Veja aqui GLÓRIA, t. vi, col. 1393. A segunda afirmação nega a própria existência da glória essencial, tal como a concebe a Igreja. A terceira afirmação, tomada em seu sentido afirmativo, é plenamente católica; mas, na medida em que excluiria o tema dos louvores eternos que as perfeições divinas apresentam aos eleitos, que encontram em seu conhecimento imediato a fonte de sua beatitude essencial, seria herética e previamente condenada pela bula Benedictus Deus e pelo Decreto Pro Græcis, citados acima. Cf. Trutina, n. 289-292, p. 410-416.

40. Se portanto não podia (Deus) comunicar-se totalmente a seres finitos, nem mesmo por meio da luz da glória; resta buscar como ele poderia revelar-lhes e comunicar-lhes a própria essência. Certamente de tal modo que é conforme à natureza das inteligências criadas; e este modo é aquele pelo qual Deus tem com elas relação, isto é, como criador delas, como provedor, como redentor, como santificador. Ibid., n. 677.

Como Deus não pode, nem através da luz da glória, comunicar-se totalmente aos seres finitos, não pôde revelar e comunicar sua essência aos compreensores senão do único modo que seja adequado às inteligências finitas: isto é, Deus se manifesta a elas na medida em que tem relações com elas, como seu criador, provedor, redentor e santificador.

Sabe-se como a teologia resolve a dificuldade que impede aqui Rosmini. Deus, incompreensível, é visto inteiro pelos bem-aventurados, mas não é visto totalmente, totus non totaliter. São Tomás, In IIIum Sent., dist. XIV, q. I, a. 2, qu. 1, ad 2um; cf. Sum theol., Ia, q. xii, a. 7, ad 2um; Cont. gent., t. III, c. lv. Veja aqui INTUITIVA (Visão), t. VII, col. 2380 ss. Mas será que é mesmo a incompreensibilidade divina que impede aqui o teólogo italiano? Não seria antes a lógica de seu sistema que o induz em erro? "Confundindo erroneamente a visão beatífica com uma comunicação inteira e adequada do infinito ao finito, e considerando, com razão, que esta última é impossível, Rosmini conclui que o único modo possível de revelação e comunicação da essência divina à inteligência criada é a manifestação intuitiva que Deus nos faz, pela luz da glória, de suas relações conosco como criador, provedor, redentor e santificador. Na medida em que Rosmini não parece estar mais de acordo com seu sistema geral do que com a doutrina católica. Não temeu, ao se manter coerente consigo mesmo até o final, chegar a conclusões claramente e audaciosamente panteístas? Ou, tendo já concedido ao homem, no estado de natureza e de graça, todas as intuições imagináveis, não encontrou mais nada a lhe dar no estado de glória? Não sei, mas em todo caso sua visão beatífica é de uma mediocridade extrema". J. Didiot, op. cit., p. 438. Cf. Trutina, n. 293-298, p. 416-423.

3º As anexos do decreto.

Uma carta do cardeal Monaco, secretário da Santa Sé, comunicava o decreto e as 40 proposições condenadas ao episcopado católico. Ela terminava assim: Præcipue uero veneris ut mentes adolescentium, eorum præsertim qui in spem Ecclesiæ in seminariis aluntur, germana catholicæ Ecclesiæ doctrina e puris fontibus sanctorum Patrum, Ecclesiæ doctorum, probatorum auctorum, ac præcipue angelici doctoris S. Thomæ Aquinatis hausta imbuantur. Um bom aviso para aqueles que pretendiam encontrar em Rosmini um intérprete autorizado de São Tomás.

A esse documento, deve-se adicionar uma carta de Leão XIII, datada de 1º de junho de 1889, ao arcebispo de Milão, completando e precisando o sentido e a abrangência da carta de 25 de janeiro de 1882, da qual já falamos anteriormente. Veja col. 2928. O papa explicou que havia pedido, na ocasião, que se fizesse silêncio, a fim de acalmar os ânimos e por receio de que o zelo em busca da verdade não fosse uma ocasião para faltar à caridade e à justiça. Mas ele tinha em vista, para responder aos reiterados desejos de numerosos teólogos e até de bispos, submeter a um exame cuidadoso os escritos de Rosmini. Esse exame resultou na censura promulgada no decreto Post obitum, que ele confirmou de sua autoridade soberana. Alguns tentaram opor à autoridade da Santa Sé a autoridade do papa: apesar de seu desejo de extrema benevolência, o papa sentiu-se obrigado a reprovar com firmeza tal atitude injuriosa a si mesmo e à Santa Sé; e ele pediu ao arcebispo que buscasse obter de seu clero e de seus fiéis uma total obediência. Veja o texto da carta Litteris ad te, em Trutina, p. 448-450.

Por fim, o Padre Geral da Congregação da Caridade, Luigi Lanzoni, datado de 2 de fevereiro de 1890, publicou uma protestação de plena e filial submissão, em seu nome e em nome de sua congregação, ao decreto Post obitum, «net senso appunto che fu dichiarato dal Santo-Padre nella sua lettera all'arcivescovo di Milano del I giugno 1889». O texto dessa declaração em Trutina, p. 451.