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III Seção. - Da criação

14. Com a abstração divina vimos como foi produzido o ser inicial, primeiro elemento dos entes finitos: com a imaginação divina, vimos como foi produzida a realidade finita - todas as realidades de que consta o universo (Teosofia, t. i, n. 463, p. 408).

15. A terceira operação do Ser Absoluto criando o mundo é a síntese divina, ou seja, a união dos dois elementos, o ser inicial, princípio comum de todos os entes finis, e a realidade finita, ou para dizer melhor, as diversas realidades finitas, termos diferentes do mesmo ser inicial. Com esta união são criados os entes finitos (ibid.).

Divina absiractione producitur esse initiale, primum finitorum entium elementum ; divina vero imaginatione producitur reale finitum, seu realitates omnes, quibus mundus constat.

Com a abstração divina é produzido o ser inicial, primeiro elemento dos entes finitos; mas com a imaginação divina é produzida a realidade finita, ou seja, todas as realidades de que consta o universo.

Tertia operatio esse absoluti mundum creantis est divina synthesis, id est unto duorum elementorum, qu**æ sunt esse initiale, commune omnium finilorum entium initium, atque reale finitum, sea potius diversa realia finita, termini diversi ejusdem esse initialis. Qua unione creantur entia finita.

A terceira operação do Ser Absoluto criando o mundo é a síntese divina, ou seja, a união dos dois elementos, que são o ser inicial e a realidade finita, ou melhor, as diversas realidades finitas, termos diferentes do mesmo ser inicial. É com esta união que são criados os entes finitos.

Nós vimos acima, col. 2926, o resumo da ideia rosminiana sobre as três operações da criação. Esta ideia se encontra novamente reproduzida nas duas proposições 14 e 15. O dogma posto em péril por esta ideia é o da criação ex nihilo. A constituição Dei Filius, c. 1 e c. 5, insiste sobre este conceito católico da criação, que São Tomás já havia precisado em uma breve fórmula: productio alicujus rei secundum suant TOTAM substantiam NULLO PR**ÆsuPPosITo. Sum. theol., Ia, q. LXV, a. 3. Ora, o ser inicial, de onde procedem todas as entidades finitas por via de limitação, não é senão uma abstração feita pela inteligência divina do ser real absoluto, o qual é Deus mesmo. Isto é o que já havíamos constatado acima, o que Rosmini afirma em cem lugares: Vero è che la Mente divina astraente ha TROVATO e prodotto questo oggetto, che dicemmo essere iniziale, lenendo fissé lo sguardo nell' essere assoluto obiettivo. (Teosofia, t. i, p. 402). Isto é de si mesmo, como um tema identificado, que Deus retira os objetos criados, fissando só l'ipsum esse, e deixando em parte o subsistens.Opusc. Alla Civiltà catlolica, p. 39.

Se alguém quisesse resumir em poucas palavras a ideia de Rosmini sobre o ato criador, seria preciso dizer com J. Didiot: "O ser inicial é idêntico a Deus; e o real finito, as realidades finitas, são apenas os limites ou determinações negativas dele. A síntese divina, portanto, une Deus com o nada, e o resultado dessa extraordinária união é a criatura." Op. cit., p. 414. Cf. Trutina, n. 86-98, p. 110-122.

16. Relacionado pela inteligência através da síntese divina, o ser inicial, não como inteligível, mas puramente como essência, em relação aos termos reais finitos, faz com que os entes finitos existam subjetivamente e realmente (Teosofia, t. i, n. 464, p. 410).

Esse initiale per divinam sythesim ab intelligentia relatum, non ut intelligibile, sed mere ut essentia, ad terminos finitos reales efficit ut existant entia finita subjective et realiter.

O ser inicial, relacionado pela inteligência (de Deus) por meio da síntese divina, não como ser inteligível, mas como pura essência, com os limites finitos reais, faz com que os seres finitos existam subjetivamente e realmente.

Às dificuldades que a concepção de um ser inicial, princípio de todas as realidades criadas, suscita em relação ao dogma da criação ex nihilo, a 16ª proposta de Rosmini acrescenta uma nova dificuldade. Ela faz da criação um ato de inteligência divina: uma operação puramente lógica, que não altera o estado do ser inicial infinito. O concílio do Vaticano declara, ao contrário, que Deus... sua omnipotenti virtute... liberrimo consilio... utraque condidit creaturam. Const. De fide catholica, c. 5, Denz.-Bannw., n. 1783. A criação é principalmente um ato da onipotência divina e da livre vontade de Deus.

Além disso, é muito difícil conceber neste ser inicial uma discriminação entre "ser inteligível" e "pura essência". Rosmini oferece uma explicação bastante obscura: O ser inicial, na medida em que é considerado como essência do ser, é anterior às formas. Na medida em que é essencialmente inteligível, está na forma objetiva. (Teosofia, t. i, n. 463, p. 409).

17. O que Deus faz (criando) é unicamente colocar todo o ato do ser nas criaturas: portanto, este ato não é propriamente feito, mas é posto (Teosofia, t. i, n. 412, p. 350).

Id unum efficit Deus creando, quod totum actum esse creaturarum integre ponit : hic igitur actus proprie non est factus, sed positus.

Tudo o que Deus faz ao criar é colocar integralmente o ato da existência das criaturas; este ato não é, propriamente dito, feito, mas é posto.

Nova perversão do conceito de criação. Enquanto o símbolo glorifica Deus, FACTOREM c**æli et terræ, Rosmini afirma que o ato integral do ser das criaturas não é feito, mas é posto por Deus. O ser inicial, o ser universal, aquele que se encontra sob todas as limitações e negações não pode, de fato, na teoria rosminiana, ser feito e ser feito do nada. Ele simplesmente é. Onde, portanto, está a criação ex nihilo que exige o dogma católico?

18. Há uma razão em Deus mesmo pela qual Ele se determina a criar; e esta razão é, de novo, o amor de si mesmo, que se ama também nas criaturas. Portanto, a sabedoria divina, como melhor exporemos, considera ser conveniente a criação, e essa simples conveniência é suficiente para que o ser perfeitíssimo se determine nisso. Mas não se deve confundir essa necessidade de conveniência com a necessidade que nasce da forma real do ser, a qual se costuma chamar de necessidade física. A necessidade de conveniência é uma necessidade moral, ou seja, que vem do ser sob sua forma moral; e a necessidade moral nem sempre produz o efeito que ela prescreve; mas a induz apenas no ser perfeitíssimo, e não nos seres imperfeitos (a muitos dos quais, portanto, permanece a liberdade bilateral), porque o ser perfeitíssimo é também moralíssimo, ou seja, possui em si toda exigência moral (Teosofia, t. i, n. 51, p. 49-50).

Amer quo Deus se diligit etiam in creaturis et qui est ratio qua se determinat ad creandum, moralem necessitatem constituit, quæ in ente perfectissimo semper inducit effectum : hujusmodi enim necessitas tantummodo in pluribus entibus imperfectis integram relinquit libertatem bilateralem.

O amor com que Deus se ama até nas criaturas e que é a razão determinante da criação constitui uma necessidade moral que, no ser perfeito, sempre se traduz em efeito. É somente na maioria dos seres imperfeitos que esse tipo de necessidade deixa intacta a liberdade bilateral (agir ou não agir).

Embora o texto latino seja um simples resumo da versão original italiana, ele reproduz exatamente o sentido e as nuances. O dogma ofendido por esta proposta é, sem dúvida, o da liberdade do ato criador: o concílio do Vaticano professa, de fato, que Deus criou o mundo liberrimo consilio, e anatematiza quem Deum dixerit non voluntate ab OMNI necessitate libera... creasse. Const. De fide catholica, c. I e can. 5, Denz.-Bannw., n. 1783, 1805. Cf. Trutina, n. 111-114, p. 133-140. Além disso, observa-se (a respeito do texto italiano) que outra coisa é a conveniência da criação, outra coisa é a necessidade de conveniência ou moral. N. 115, p. 140-141. Por outro lado, se é exato afirmar que a criação é inspirada em Deus pelo amor com que ele se ama até nas suas criaturas, esse motivo não poderia introduzir em Deus a menor necessidade em relação às criaturas a serem produzidas. O canon anteriormente mencionado do concílio do Vaticano o especifica expressamente: S. q. d. Deum... tam necessario creasse, quam necessario amat se ipsum, a. s.

19. A Palavra é aquela matéria invisível da qual se diz no livro da Sabedoria (xi, 18) que todas as coisas do universo foram criadas (introd. do Evangelho segundo João, lez. 37, p. 109).

Verbum est materia illa invisibile ex qua, ut dicitur Sap., XI, 16, creatæ fuerunt res omnes universi.

A Palavra é essa "matéria invisível" da qual, como diz a Sabedoria, xi, 18, foram criadas todas as coisas do universo.

Uma observação de crítica textual, em primeiro lugar: a expressão materia invisa da Vulgata não exprime o sentido exato do grego: $6Z &.e6ppou ûÀrç, de uma matéria informe. O sentido óbvio é aquele que muitas vezes foi expresso pelos Pais e pelos teólogos. Veja aqui CRIAÇÃO, t. iii, col. 2050-2051. Portanto, aqui não pode haver questão alguma de um sentido puramente acomodativo... que, aliás, nada justifica. Só por este título, a proposta mereceria ser censurada.

Que Rosmini tenha identificado as coisas criadas com a Palavra ao considerar sua essência ideal é um fato que ninguém pode contestar: a Palavra e as coisas encontram igualmente no ser sua essência ideal, seu fundo comum, pelo qual podem subsistir. Nesse sentido, o ser é sua substância comum. Mas essa comunhão de ser existe apenas segundo a idealidade - nós a enfatizamos expressamente na exposição filosófica, como mencionado acima, col. 2923. - e é por isso que Rosmini acredita repelir a acusação de panteísmo. Distinção muito sutil a que o Santo Ofício não viu necessidade de se deter.