II. Princípios da Filosofia Rosminiana
1° Correntes gerais da filosofia italiana na primeira metade do século XIX.
Para compreender bem a posição de Rosmini, é necessário situá-lo em relação a essas correntes filosóficas.
Durante a primeira parte do século XIX, a filosofia italiana se divide em três correntes, determinadas por três regiões geográficas. No Sul da Itália, com Galuppi, dominam a tendência empírica e a preocupação com investigações inspiradas pelo interesse científico: Descartes, Locke, Reid e Kant são os mestres de Galuppi que, de modo geral, cede à influência de Kant e figura, em Nápoles, como um reformador da filosofia italiana. Ao contrário, no Norte da Itália, dominam a tendência idealista e um esforço para conciliar os dogmas da Igreja com as exigências da razão filosófica. É a essa escola que devemos vincular Rosmini e também, quaisquer que sejam as divergências que o separem de Rosmini, Gioberti. Este último esboça, para explicar o problema do conhecimento, uma solução que é puro ontologismo: todo conhecimento, na medida em que conhece efetivamente, não é mais do que uma manifestação de Deus, ou seja, "do Ser, no qual se encontra contido o arquetipo de todas as coisas". Veja aqui ONTOLOGISMO, t. xi, col. 1039 sq. Na Itália central, Mamiani tende a conciliar o idealismo objetivo de Rosmini e o ontologismo de Gioberti com a tese platônica das ideias.
Para complementar essas indicações muito resumidas, pode-se consultar L. Ferri, Ensaio sobre a história da filosofia italiana no século XIX, t. i, Paris, 1869: Gioja, Romagnosi, Gallupi, Rosmini, Gioberti. Um bom resumo pode ser encontrado em F. Palhoriès, Rosmini, Paris, 1908, Introdução.
2° Fundamento geral do sistema de Rosmini: o Ser indeterminado e os seres.
Rosmini se inspira, assegura ele, em Platão, Santo Agostinho, Santo Tomás. Mas essas influências não são exclusivas: Descartes, Schelling, Hegel deixaram nele uma impressão profunda. Rosmini deseja encontrar um meio-termo entre a perspectiva idealista e a perspectiva empírica. Seu ponto de partida foi sugerido durante suas caminhadas solitárias no bairro de Terra em Rovereto: todos os objetos que encontrava pareciam-lhe ser apenas determinações de uma realidade mais geral, comum a todos. Cf. F.-X. Krauss, Ensaios, t. iv, Antonio Rosmini, Berlim, 1896, p. 114. Essa realidade se traduz, em nossa mente, pela ideia do ser. No fundo de cada um dos nossos conhecimentos encontra-se essa forma comum: O homem não pode pensar em nada sem o ideal do ser universal. Novo ensaio, t. ii, p. 16, a. 5. Portanto, é uma lei constitutiva do nosso entendimento que ele pense o ser indeterminado e universal e nosso eu toma conhecimento disso por meio de uma percepção imediata, precedendo todo julgamento.
Quando se analisa, essa ideia indeterminada e universal se divide em uma pluralidade de outras ideias que são suas modificações. No entanto, apenas as noções puras, formas do conhecimento (substância, causa, número, verdade, necessidade) nascem do espírito, ou seja, têm sua origem em um desenvolvimento interno, por meio da reflexão, da ideia geral de ser.
Assim que se assegura a objetividade da ideia de ser, a experiência, que participa do ser, é reconhecida como objetiva. Os objetos da experiência são as percepções e as coisas que estão na base destas. A inteligência, aplicando as ideias puras aos dados da experiência, produz as ideias mistas. As primeiras ideias mistas que se estabelecem por meio da experiência sensível universalizada pela ideia do ser são aquelas de espírito e corpo, de espaço e tempo, de movimento. O ser em geral e as existências particulares são idênticos sob o aspecto geral e indeterminado do ser; a diferença existe unicamente nos modos de ser. Em resumo, nossa experiência sensível nos fornece o elemento material, a ideia inata do ser fornece o elemento formal de todas as ideias que concebemos após a experiência dos sentidos.
No entanto, se essa ideia geral do ser não é um produto da experiência sensível, ela se impõe, ao contrário, de dentro de nós, em razão de todo conhecimento sensível. É, portanto, claro que ela preexiste à sensação, que, esta, nos vem de fora, sendo inata à nossa inteligência, a qual é dotada, por Deus mesmo, da intuição da ideia de ser.
Ora, essa ideia de ser e essas ideias de existências particulares que nascem em nós por ocasião de experiências sensíveis são as mesmas que estavam originalmente na mente de Deus, "que, ao ver desde toda a eternidade a criação inteira, viu até a maneira como as forças do universo se tornariam os objetos de nossas percepções e seriam classificadas por nosso pensamento sob os nomes de coisas, objetos ou seres. É por isso que:
A ideia de... o ser possível representa na pensamento divina a mesma essência que na pensamento humana. O homem deve, portanto, ter recebido a comunicação de algo que é divino em si, uma vez que as ideias em Deus são sua substância divina. Em Deus, elas são Deus. Mas, se assim for, objecionará alguém, supondo que o homem é por natureza em comunicação com a substância divina, isso nos levaria ao erro dos ontologistas, que tende logicamente ao panteísmo. Rosmini diz em sua resposta a Gioberti: «O espírito humano não tem mais do que a intuição de uma luz que vem de Deus e que, por conseguinte, é algo de Deus». No entanto, tudo que pertence a Deus é Deus, se o considerarmos como ele é em Deus; mas se o considerarmos desapegado por abstração de tudo que faz da natureza divina uma realidade viva, isso não é mais algo de Deus, da mesma forma que a Bondade e a Sabedoria divinas são atributos de Deus, mas não são Deus em si, pois Deus não é apenas Sabedoria ou Bondade. Assim, embora não haja em Deus outras distinções reais além daquelas das três pessoas divinas, podemos distinguir mentalmente as ideias de Deus de sua substância divina... [Deus] pode manifestar sua ideia sem manifestar sua realidade ou sua substância; e à objeção de Gioberti de que essa ideia deve ser Deus, porque o que é não pode ser senão Deus ou uma criatura, e que a ideia do ser, tendo caracteres divinos, não pode ser uma criatura e deve, portanto, ser Deus, Rosmini responde: «Todo ser real deve ser ou Deus ou uma criatura, mas não todo ser ideal. A ideia do ser, desapegada da realidade de Deus, não é nem Deus nem uma criatura, é algo sui generis, é algo de Deus». W. Lockhart, Vida de A. Rosmini-Serbati, trad. Segond, Paris, 1889, c. xlviii, Algumas palavras sobre o princípio fundamental da filosofia de Rosmini, p. 468; cf. R. Falckenberg, História da filosofia moderna, Leipzig, 1902, p. 466.
3° O «sentimento» ou «sensação fundamental», em Rosmini.
Esse aspecto da filosofia rosminiana deve ser destacado particularmente. Foi estudado em uma interessante monografia de Georg Schwaiger, A Doutrina do Sentimento Fundamental em Rosmini segundo sua constituição, Fulda, 1914. G. Schwaiger é o autor do artigo sobre Rosmini publicado em Buchberger, Lexikon für Theologie und Kirche, t. viii, p. 997-999.
O ponto de partida é que o primeiro objeto que deve ser considerado pela observação do filósofo é ele mesmo. No entanto, seria um erro considerar o eu e a alma como perfeitamente idênticos. Com Aristóteles e São Tomás, Rosmini enfatiza que as faculdades da alma e a própria alma só podem ser conhecidas por seus atos. «O eu, diz Rosmini, não representa apenas a alma, mas a alma engajada em um grande número de relações por meio de toda uma série de operações mentais que devem ser realizadas antes de se poder designar a si mesmo por esse monossílabo». Psicologia, t. i, p. 42-43, n. 62; cf. p. 36, n. 55; Antropologia..., t. IV, c. iv.
Mas, precisamente, esse retorno sobre si mesmo que a alma é obrigada a fazer para se atribuir as diferentes manifestações de sua atividade supõe um primeiro elemento que existia, mesmo antes que a alma tivesse consciência de seus atos. Anteriormente à alma consciente, há a alma tal como ela é por essência. Antes que o eu se afirme como tal, ele já deve ser eu. A meidade (meità) é, portanto, de certa forma, distinta da alma e não expressa seu «estado primitivo e essencial», uma vez que representa, junto com a alma, todas as relações que o espírito a envolve ao afirmá-la. Ao afastar essas relações que cobrem a alma como um véu, «encontramos no fundo do eu um sentimento que, anterior à consciência, constitui a substância da alma». Psicologia, t. r, p. 56, n. 81.
É esse sentimento fundamental de si mesma, sentimento que se impõe e não se demonstra, que permite à alma se afirmar, tomar consciência de sua própria existência, aplicando a ela, como a qualquer outro objeto de conhecimento, a ideia do ser universal.
Em razão desse contato imediato da alma consigo mesma, Rosmini caracteriza seu ponto de vista em relação ao ontologismo de Gioberti como uma psicologia ideológica. Sobre a maneira como Rosmini e seus discípulos concebiam essa doutrina ideológico-psicológica em relação às exigências da filosofia cristã e da fé católica, ver A. Trullet, Exame das doutrinas de Rosmini, trad. Sylv. de Sacy, Paris, 1893, c. iv-vi, p. 178 ss.
Mas, além disso, o sentimento fundamental que temos de nós mesmos, alma e corpo, é a razão primordial da possibilidade de nossas percepções sensíveis e intelectuais: «Se a alma não se sentisse a si mesma antes da sensação, esta seria nula para ela, porque não seria mais que uma ação sobre um ser que não se sentiria e que, por conseguinte, poderia ainda menos sentir alguma outra coisa». Novo ensaio, n. 99; cf. n. 100-102, t. II, a. 11, p. 177.
Esse sentimento fundamental pode não ser consciente. Ibid., p. 171; Psicologia, t. ii, p. 419 ss. A consciência, aliás, para Rosmini, nunca é espontânea; ela é sempre refletida. Para que possamos conhecê-la, é preciso que o espírito a afirme, lhe aplique a ideia do ser, a perceba intelectualmente: É o intelecto que percebe a sensação. Cf. Teosofia, t. v, p. 506. O sentimento fundamental é, em suma, o aspecto e o modo constante sob o qual se manifesta o eu total; é puramente subjetivo e não nos revela nada das realidades externas. Mas ele é, em relação à sensibilidade, o que é a ideia do ser indeterminado em relação a todas as outras ideias particulares: é uma forma que se impõe às percepções sensíveis. Além disso, nunca existe em estado de vazio: sob os constantes aportes da experiência, ele se especifica e torna-se sentimento de contato, de calor, de tal cor, etc. Todas as sensações orgânicas específicas nos proporcionam experiências que não podem ser outra coisa senão modificações do sentimento fundamental. Teosofia, t. v, p. 32-33. Ele fornece ao espírito as matérias particulares sobre as quais se aplicará a ideia do ser e de onde resultará todo o desenvolvimento do conhecimento empírico. Sobre todos esses pontos, pode-se consultar com proveito, além de G. Schwaiger, F. Palhoriès, Rosmini, p. 168-187.
É por meio do sentimento fundamental que Rosmini explica a união da alma e do corpo. A alma é essencialmente um sentimento; ora, em todo sentimento, o sujeito que sente e o objeto sentido não são mais que um: «sua união deve ser da mesma sorte que a de forma e matéria». Cf. Psicologia, t. I, p. 148, n. 267; p. 138, n. 251. Assim, o homem representa um único ser que é, ao mesmo tempo, sentindo e sentido, e expressa esses dois estados ao se aparecer a si mesmo sob a forma de alma e sob a forma de corpo. Ibid., p. 139, n. 254.
4° A realidade em si.
Rosmini afirma que não se detém no limiar das realidades. Toda a essência de sua filosofia consiste precisamente em que as coisas em si são, no fundo, da mesma natureza que as coisas pensadas. A ordem da natureza e a da mente coincidem virtualmente: esta representa o ser pensado pelo homem; aquela, o ser pensado por Deus. Como o pensamento humano reproduz, à sua maneira, finita e limitada, mas ainda assim fiel, o pensamento divino, pode-se, em certa medida, fazer uma ideia das realidades em si.
Aqui está, sobre este assunto, o ponto de vista de Rosmini, ponto de vista que é preciso conhecer, se se quiser compreender um certo número de proposições que relatamos mais adiante. Para o nosso filósofo, o ser é absoluto ou relativo. O ser absoluto se basta a si mesmo; é necessário. Rosmini o chama de ser completo. O ser relativo é contingente, pois sua existência se liga a certas condições sem as quais é inconcebível. Rosmini o chama de ser incompleto. O ser incompleto entra na categoria do não-ser, no sentido em que Platão o entendera. Mas, entre os seres contingentes, alguns são dotados de uma existência relativamente independente; constituem verdadeiros sujeitos, subsistentes por si; podem ser chamados de relativamente completos, enquanto Deus é o único ser absoluto e completo. Mas há seres incompletos absolutos: são os seres que, por si mesmos, não podem possuir nenhuma subsistência real: "Uma entidade desse tipo está como em vias de se tornar; mas não se completa e não se torna realmente possível senão pela adição de outro ser sobre o qual se apóia". Psicologia, t. ii, n. 1336, p. 320. Este ser incompleto não é realidade; não é também nada; é "alguma coisa do ser", um algum thing "respondendo a um conceito da mente". Ibid., n. 1612, p. 505. É o ser pensado fora de sua relação essencial com nossa sensibilidade ou inteligência; é, se assim se quiser, um sentimento ou pensamento em potência. Assim, o espaço e o tempo que não têm existência senão em e por meio do sujeito ao qual se liga; assim, as coisas exteriores e todas as qualidades das quais elas nos parecem acompanhadas, pois, em última análise, elas não são senão o conjunto de nossas representações. Assim, "tomando as coisas com rigor, não há mundo exterior à alma, pois a relação entre a alma e a matéria não pode se expressar por essas expressões de dentro e fora". Antropologia, p. 189.
Como, em tais condições, admitir a existência das realidades em si? Nossa mente, declara aqui Rosmini, nos obriga, pois "ela não pode conceber coisa alguma que não seja um ser ou dependência de um ser". Ela se encontra, pois, obrigada a admitir "uma realidade pura que sustente ontologicamente a realidade sentida". Teosofia, t. v, p. 433, a. 13. Ela a admite, mas não pode nada dizer sobre a natureza dessa realidade pura, que deve conceber como um "agente oculto", uma causa desconhecida de nossas sensações. Teosofia, t. v, p. 46. É essa força desconhecida que Rosmini chama de princípio corpóreo ou ainda de princípio excitador do sentimento. Psicologia, t. ii, n. 1355, p. 331. A palavra "princípio corpóreo" não deve nos enganar; Rosmini o chama assim porque tem o poder de agir sobre nossa sensibilidade. Mas, em si, esse princípio não pode ser concebido senão como sendo essencialmente espiritual. E, já que essas forças espirituais que constituem o que se chama "as realidades em si" existem necessariamente e independentemente de nossa mente, já que elas não são, além disso, inteligíveis senão pelo ser e não existem senão por uma afirmação da mente, "é preciso concluir que, anteriormente ao pensamento humano, existe uma inteligência que pensa simultaneamente as essências e as realidades finitas". Teosofia, t. i, n. 446, p. 390.
Chegamos, pois, a Deus. A origem das coisas se liga estreitamente à formação da ideia de ser na inteligência divina. Em si, o ser é absolutamente indeterminado e indefinidamente determinável. Essa determinação do ser ideal é, para Rosmini, a essência mesma do ato criador.
De fato, nas operações ad extra, o primeiro ato da inteligência divina é uma abstração pela qual Deus considera o seu Verbo e cria o conceito de ser ideal e indeterminado. Em seguida, ele volta sua atenção para os modos finitos que o ser indeterminado é susceptível de receber: é a "ideação" divina. Ele imagina, então, as diferentes formas pelas quais o ser pode ser concretizado. Finalmente, ao lado do ato pelo qual Deus abstrai a forma do ser e imagina suas delimitações particulares, Rosmini distingue uma terceira operação que dá seu complemento ao ato criador: a "síntese divina", que realiza e faz passar as coisas concebidas da ordem das possibilidades para a das realidades concretas e atuais. Essa realização é necessária e deriva da natureza mesma de Deus. Rosmini não quer, no entanto, que a criação seja necessária. Sem dúvida, a realização concreta das coisas segue necessariamente sua concepção na inteligência divina; mas o ato pelo qual as concebe resta eminentemente livre. Deus gera necessariamente o Verbo; mas é em plena liberdade que, nesse objeto absoluto, separa a forma do elemento material. Teosofia, t. I, p. 401, 402, 405.
A criação é, pois, o resultado de uma síntese que Deus opera entre o ser em geral e as realidades possíveis que imaginou. Em toda criatura, há um elemento positivo, formal, que é o ser universal, e um elemento material, negativo, a limitação que o espírito criador impõe ao ser indeterminado. Teosofia, t. i, p. 396, n. 454. A essência do ato criador se resume na síntese desses dois termos em Deus.
Chegados a esse ponto de nossa exposição, uma pergunta se impõe naturalmente à nossa mente. Quais são as relações dessas limitações com o ser indeterminado? A realidade é o desenvolvimento interno do ser inicial, uma espécie de desdobramento lógico como aquele concebido por Hegel? Palhoriès, que nos serviu de guia, parece hesitar em aproximar a concepção do filósofo italiano da do filósofo alemão. E, no entanto, a identificação real de todas as coisas no Verbo parece dever conduzir logicamente Rosmini ao panteísmo. Enquanto nota o perigo real dessa posição, Palhoriès lembra que Rosmini era cristão demais "para não ver aos seus pés o abismo do panteísmo, onde o movimento de sua mente o conduzia naturalmente". Op. cit., p. 244. Para se desvencilhar, Rosmini utilizará a distinção, da qual nos fala tão frequentemente, entre o ser ideal e o Verbo de Deus.
Talvez fosse mais exato estabelecer uma discriminação entre as primeiras obras de Rosmini e a Teosofia, da qual o autor não pôde rever definitivamente o texto e onde a influência de Hegel seria mais marcada. Cf. R. Falckenberg, op. cit., p. 488.
Essa exposição filosófica era indispensável para fazer melhor compreender a amplitude exata das quarenta proposições cujo exame vai seguir. O breve comentário que será acompanhado do texto das proposições acrescentará ainda alguns esclarecimentos úteis. Deixamos sistematicamente de lado a exposição das ideias morais e políticas de Rosmini; elas ultrapassam o quadro desse artigo. Ver em Palhoriès, op. cit., a terceira parte (p. 259-341) que lhes é consagrada.