Os dois Corpos Místicos
Sabemos muito bem que pertencemos ao "Corpo Místico de Cristo" e que estamos envolvidos nos combates que Lhe são impostos, não apenas no foro interno, ou seja, secretamente e a título individual, mas também NO FORO EXTERNO, ou seja, publicamente e a título coletivo. Assim, gostaríamos de compreender a natureza, a origem e os propósitos do exército do qual o sacramento da confirmação nos fez os soldados. O "miles Christi" (o soldado de Cristo) servirá tanto melhor a causa de seu chefe quanto mais exata for sua compreensão da milícia da qual faz parte.
As duas sementes originais, a semente da mulher e a semente da serpente, proliferaram tremendamente. Elas deram origem a dois "corpos místicos" antagônicos que Santo Agostinho define como duas Cidades, a Cidade de Deus e a Cidade de Satanás, e que Santo Inácio de Loyola coloca sob duas bandeiras opostas. O Magistério romano deu forma definitiva a essa importante doutrina:
"Desde que, por inveja do Demônio, o gênero humano se separou miseravelmente de Deus, a quem devia seu chamado à existência e os dons sobrenaturais, ele se dividiu em dois campos inimigos, que não cessam de combater, um pela verdade e pela virtude, o outro por tudo o que é contrário à virtude e à verdade". (Leão XIII, Humanum Genus).
Esses dois campos inimigos são dois "corpos" que se comportam como DOIS GÊMEOS INVERTIDOS dos quais a humanidade é portadora e dos quais vai dar à luz:
"... toda a criação geme e sofre as dores do parto" (Rom. 8, 22).
Os "chefes" desses dois corpos, ou seja, as cabeças dessas duas posteridades, são Cristo e o Anticristo. Cristo apareceu antes da Igreja, Ele precedeu Seu corpo místico, como acontece com uma criança que se apresenta bem e está destinada à vida. O Anticristo, pelo contrário, aparecerá depois de seu corpo místico, virá por último, no fim dos tempos, como uma criança que se apresenta mal e morre após o nascimento. Durante todo o tempo de sua gestação, esses dois corpos terão sido invertidos. Eles terão sido irmãos inimigos.
Por que dois corpos gêmeos? Por que esse duplo parto? Só podemos dar um início de explicação, pois a verdadeira causa dessa dualidade se perde no mistério da iniquidade.
Devido ao desequilíbrio provocado pela queda, a humanidade proliferou excessivamente. Ela foi o palco de uma proliferação intempestiva porque as forças da natureza, em vez de serem domadas pela "discrição" sobrenatural, se desregularam:
"...Multiplicarei grandemente teus sofrimentos na gravidez". (Gênesis 3, 16).
O número final de homens que vieram à existência será, de fato, muito superior ao necessário para recrutar o coro dos eleitos; nem todos os homens serão eleitos, ao longo da História terrena, se formará um resíduo humano, ou seja, um corpo de réprobos. É a esse corpo que demos o nome de "corpo místico do Anticristo", denominação pouco utilizada, é verdade, mas que não é repreensível e é muito explicativa.
Os dois corpos místicos antagônicos foram representados, no Calvário, pelos dois ladrões. Eles são dois irmãos separados pela Pessoa de Nosso Senhor. O da esquerda representa o homem velho do qual São Paulo nos pede que nos despojemos, o da direita representa o homem novo com o qual ele quer que sejamos revestidos.
Se agora, em vez de considerar a História da humanidade em seu conjunto, observarmos separadamente os períodos dos dois Testamentos, eis o que constatamos. Toda a História do mundo antigo foi condicionada pela formação da Pessoa física de N.S.J.C., formação que deveria ser levada a bom termo. Todos os eventos desse período, mesmo os que lhe parecem os mais estranhos, tanto entre os Judeus quanto entre as nações gentias, estavam subordinados à formação dessa pessoa física, que deveria ter uma importância universal. É isso que se expressa quando se diz que o Antigo Testamento era carnal. Tratava-se de chegar à Encarnação. As orações dos Justos da Antiga Lei mereceram a vinda da Virgem Maria. E as orações da Virgem Maria, porque eram suficientemente imaculadas e intensas, mereceram a vinda do Verbo Encarnado.
Quanto ao Novo Testamento, ele é espiritual. Sob o império da Nova Lei, a História do mundo é condicionada pela constituição do corpo espiritual, ou seja, do "corpo místico" de Nosso Senhor. O mundo é invisivelmente governado por Jesus Cristo, de tal forma que não acontece nenhum evento que não esteja subordinado a essa constituição. A ação do demônio também concorre indiretamente e finalmente, pois Jesus Cristo possui o domínio supremo sobre tudo, até mesmo sobre o reino do "Príncipe deste mundo".
Nós que nos aproximamos do fim dos tempos, estamos destinados a lutar pela consumação da Igreja, que é o corpo místico de Nosso Senhor. Se Deus nos faz participar dessa luta, é porque ela é difícil. Não devemos nos surpreender que, hoje, seja a Igreja, sua natureza, sua existência, sua sobrevivência, que sejam particularmente questionadas. Essa é a luta de nossa geração. Esse é o nosso destino. Não é indiferente para o nosso estado de espírito e para o nosso "moral" de combatente saber em que fase da batalha estamos reservados: testemunhar a divindade da Igreja, corpo místico de N.S.J.C.