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As Setenta e Duas Nações da Gentilidade

O episódio da Torre de Babel vai reter nossa atenção por um momento. Em nossa época, em que se fala tanto da república universal e em que se assiste às primeiras fases de sua realização, é bom rever em que circunstâncias Deus procedeu à distinção das línguas e à dispersão das Nações.

Transportemo-nos em pensamento para os tempos que se seguiram ao dilúvio. Os três grandes ramos étnicos do gênero humano já estavam distintos. Já se haviam formado três grandes raças que tinham respectivamente como ancestrais Sem, Cam e Jafé, os três filhos de Noé. Cada um gerou filhos que se tornaram os patriarcas das nações. Houve no total 72 patriarcas, portanto 72 famílias, troncos das 72 futuras nações. Essas tribos originais eram distintas, mas não estavam dispersas. Elas se estabeleceram juntas na planície do país de Sinar. A língua dessas tribos era a mesma:

"Toda a terra tinha uma única língua e as mesmas palavras" (Gên. XI, 1).

Tornava-se cada vez mais evidente que, com a proliferação das tribos, elas teriam que se dispersar. É mesmo a perspectiva dessa dispersão inevitável que sugeriu aos homens daquela época a ideia de erguer um monumento comemorativo de sua unidade primitiva

"antes que sejamos dispersos por toda a terra". (antequam dividamur in universas terras Gên. XI, 4).

Essa ideia de um monumento para perpetuar a lembrança da unidade original não é reprovável, é até louvável; mas ela se misturou com outras concepções que Deus não aprovou.

Passemos sobre os detalhes e as técnicas de construção da torre. Os pedreiros de Babel usaram tijolos ao invés de pedras e betume ao invés de cimento. O simbolismo desses novos materiais nos levaria muito longe.

A Sagrada Escritura formula as intenções incluídas no "grande plano" dos homens daquela época, com a concisão que lhe é habitual. Portanto, é necessário pesar todas as palavras:

"Construamos para nós uma cidade e uma torre cujo topo chegue ao céu, e façamos para nós um nome, para que não sejamos dispersos sobre a face de toda a terra".

Um traço nos choca imediatamente: Deus não é mencionado nas intenções do projeto. Está escrito "construamos para nós". O objetivo da empreitada é "celebrar o nome humano". Os homens de Babel tinham inegavelmente a intenção de prestar culto a si mesmos. E se a torre alcançasse o céu, seria graças apenas às forças humanas. Eles queriam celebrar e salvaguardar sua unidade, e isso por meio de uma cidade capital e de uma torre religiosa que simbolizaria a aptidão do homem de se elevar a Deus por seus próprios meios.

A conduta de Deus, diante desse projeto, confirma as primeiras reflexões que acabamos de fazer. O texto diz que Deus, naquela circunstância, observou "os filhos de Adão"; Ele não escreve "os filhos de Noé". Isso nos sugere, portanto, remontar a Adão, que havia sido Rei e Pontífice, mas que havia perdido essas duas dignidades.

Os versículos do Gênesis, muito condensados, não explicam o pensamento divino. É preciso que o leitor descubra por si mesmo em que o projeto dos homens de Babel era mau. Deus diz:

"Eis que eles são um só povo e têm todos uma mesma língua; e começaram a fazer isso, e agora nada os impedirá de realizar tudo o que planejaram... Vinde, desçamos e confundamos ali a sua língua, para que não entendam mais a fala uns dos outros". (Gên. XI, 6-7)

É evidente que Deus julga inadmissível a cidade e a torre edificadas com tais intenções, pelos "filhos de Adão". Há manifestamente uma certa unidade do gênero humano que Deus não quer: é a unidade que se faz sem Ele.

Há um segundo motivo de desaprovação: o que desagrada a Deus não é apenas a torre religiosa, é também a cidade capital da humanidade. Deus, de fato, não considera apenas a torre, mas a própria cidade (ut videret civitatem et turrim). E entendemos muito bem por quê: desde a queda de Adão, a autoridade única sobre o mundo pertence ou a Deus, que é seu primeiro titular, ou ao demônio, que destronizou Adão e de certa forma se substituiu a ele em seus direitos. Em outras palavras, a autoridade única sobre a terra pertence ou a Cristo, ou ao Anticristo. É provavelmente por isso que o texto observa que os homens de Babel eram "filhos de Adão". Para pretenderem edificar uma capital mundial, era necessário que eles tivessem perdido a noção da queda original e o desejo de um Salvador.

O decreto divino de Babel é, portanto, um decreto de confusão, o que, à primeira vista, nos surpreende. Mas é preciso notar que se trata de uma confusão e de uma dispersão provisórias, à espera de que o tempo da unidade chegue e que haja "um só rebanho e um só pastor". É também uma dispersão de misericórdia: de fato, a edificação de uma capital mundial teria inevitavelmente acarretado o aparecimento de um "imperador mundial", que não poderia ser senão um anticristo, sob o qual os homens teriam vivido desde então. O "decreto de confusão" de Babel os poupou de um longo despotismo.

Um personagem está indissociavelmente ligado ao episódio de Babel, é Nemrod. A Escritura faz grande menção dele: sozinho, entre os descendentes de Cam, ele é objeto de vários versículos no Gênesis:

"Ora, Cuxe gerou a Ninrode; este começou a ser poderoso na terra. Ele foi poderoso caçador diante do Senhor; por isso se diz: Como Ninrode, poderoso caçador diante do Senhor. E o princípio do seu reino foi Babilônia, e Ereque, e Acade, e Calné, na terra de Sinar. Desta terra saiu Assur, e edificou a Nínive, e a cidade de Reobote, e a Calá. E a Ressen, entre Nínive e Calá; esta é a grande cidade". (Gên. X, 8-12).

Nemrod foi, portanto, o fundador do poder maligno de ASSUR [1], colosso que deveria fazer pesar, sobre o povo eleito de Israel, uma ameaça perpétua da qual somente Deus poderia libertá-lo. Nemrod é assim a primeira prefiguração do Anticristo, e é sintomático que ele apareça precisamente na época de Babel e na planície de Sinar.

É certo que Deus confundiu deliberadamente as línguas e dispersou as nações a fim de impedir a constituição de um governo mundial. Ele quis deliberadamente uma "gentilidade" fracionada. O império do mundo pertence apenas a dois personagens: Cristo ou o Anticristo, embora a títulos antagônicos. Isso é, obviamente, muito misterioso; mas a Redenção é um mistério. Os capítulos X e XI do Gênesis enumeram os 72 etnarcas que deveriam fundar as 72 nações constitutivas da Gentilidade. Ora, Nosso Senhor, durante Sua vida terrena, a vários milênios de distância, designou precisamente 72 discípulos; eles estavam destinados a auxiliar São Paulo no trabalho sobre-humano da evangelização dos Gentios. Os 12 Apóstolos estavam reservados às 12 Tribos de Israel. As marcas essenciais do plano de Deus não mudam.


[1] Destaquemos que em ASSUR, há USA e URSS!