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As Inimizades

A natureza decaída na qual estamos imersos é o cenário de um combate. Tal é o nosso estado natural: nascemos em um campo de batalha: "Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela" (Gên. III, 15). É Deus quem fala assim à serpente que acaba de derrubar nossos primeiros pais de seu trono real.

O texto latino da Vulgata merece nossa atenção:

"Inimicitias ponam inter te et mulierem, et SEMEN tuum et SEMEN illius."

As duas descendências são duas sementes, dois germes que estão separados desde o início e que não têm nada em comum, por isso o texto repete duas vezes a palavra semen.

A descendência por excelência da mulher é Maria e, portanto, também seu Filho. E a descendência por excelência da serpente é o Anticristo que, pelo efeito da misericórdia divina, aparecerá apenas no fim dos tempos.

O que é anunciado pelos profetas para o fim dos tempos não é a reconciliação das duas descendências, mas a VITÓRIA da descendência da mulher, ou seja, a vitória de Cristo. Esta vitória fará cessar o regime de guerra e trará a paz, tendo o inimigo sido expulso.

Precisamos aqui esclarecer que nossa atitude em relação aos nossos Primeiros Pais não deve ser nem de desprezo nem de reprovação, e isso por duas razões. Primeiro, não há um homem que possa assegurar que teria agido melhor do que eles em seu lugar. E, em segundo lugar, enquanto o que faz a santidade do anjo é a inocência, o que faz a santidade do homem é a penitência. Ora, que penitência foi a de Adão e Eva quando viram o afastamento de Deus, a expulsão do paraíso, depois a inclemência da natureza, a doença, a discórdia e a morte entrarem no mundo, especialmente para eles que haviam conhecido a isenção desses males. Se a culpa de Adão e Eva é, segundo os Padres, inconcebível, sua penitência também é "inconcebível". Muitos Doutores tendem a acreditar na salvação de nossos Primeiros Pais, que foram os primeiros a serem libertados do Sheol pela Descida de Cristo.

Também aconselhamos nossos amigos tradicionalistas a terem para com eles a mesma deferência que Cristo certamente demonstra para com Seus Primeiros Pais.

Voltaremos frequentemente a esse estado de beligerância, revelado desde os primeiros versículos do Gênesis, entre as duas descendências. Falaremos novamente sobre as duas cidades, os dois estandartes, os dois corpos místicos. Ouçamos imediatamente São Paulo nos falar sobre a incompatibilidade dos dois cálices:

"Vocês não podem beber ao mesmo tempo do cálice do Senhor e do cálice do demônio." (I Cor. X, 21).

São Paulo é belicoso, seu emblema é a espada, ele tem o senso da guerra que está sempre presente em seu espírito; ele proíbe qualquer comércio entre a luz e as trevas:

"Não vos prendais a um jugo desigual com os infiéis. Pois que união há entre a justiça e a iniquidade? Que comunhão, entre a luz e as trevas? Que harmonia entre Cristo e Belial? Ou que união, entre o crente e o incrédulo?" (II Cor. 6:14-15).

A Igreja na terra não é conciliadora, como sugerem os documentos emanados do recente concílio, ela é MILITANTE, como a sã e antiga doutrina nunca deixou de ensinar. Já a sinagoga dos judeus estava rodeada por colossos como o Egito e Assur, sempre em guerra latente ou declarada contra ela. Da mesma forma, a Igreja dos Gentios, se está em paz com Deus, está em guerra com os colossos do mundo.

"Non veni pacem mittere in terram sed gladium" (Mat. X, 34). Não vim trazer a paz à terra, mas a espada.

São Luís Maria Grignion de Montfort é justamente considerado como aquele que melhor definiu o estado de inimizade que é o nosso nesta terra probatória. Veja como ele se expressa:

"...o diabo, sabendo bem que tem pouco tempo, e muito menos do que nunca, para perder as almas, redobra todos os dias seus esforços e combates: ele suscitará em breve cruéis perseguições e colocará terríveis armadilhas para os servos fiéis e os verdadeiros filhos de Maria, que ele tem mais dificuldade em superar do que os outros.

"É principalmente dessas últimas e cruéis perseguições do diabo, que aumentarão todos os dias até o reinado do Anticristo, que se deve entender esta primeira e célebre predição e maldição de Deus, pronunciada no paraíso terrestre contra a serpente. "Inimicitias ponam..." Jesus nunca fez e formou senão uma inimizade, mas irreconciliável, que durará e aumentará até o fim: é entre Maria, Sua digna Mãe, e o diabo; entre os filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e servos de Lúcifer; de modo que o inimigo mais terrível que Deus fez contra o diabo é Maria...

"Deus não apenas colocou uma inimizade, mas inimizades, não apenas entre Maria e o demônio, mas entre a raça da Santíssima Virgem e a raça do demônio; ou seja, Deus colocou inimizades, antipatias e ódios secretos entre os verdadeiros filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e escravos do diabo; eles não se amam mutuamente, não têm correspondência interior uns com os outros.

"Os filhos de Belial, os escravos de Satanás, os amigos do mundo (pois é a mesma coisa) sempre perseguiram até agora e perseguirão mais do que nunca aqueles que pertencem à Santíssima Virgem, assim como Caim perseguiu seu irmão Abel e Esaú seu irmão Jacó, que são as figuras dos réprobos e dos predestinados (Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, capítulo 1 - Artigo II)."

Voltaremos frequentemente, nas linhas que se seguirão, ao combate necessário entre as duas cidades, ao confronto entre os dois corpos místicos, o de Cristo e o do Anticristo. JESUS E BELIAL NÃO FORAM FEITOS PARA SE ABRAÇAREM, MAS PARA SE COMBATEREM. Conhecemos a fase final deste combate plurimilenar: é a destruição do Anticristo pelo Cristo ressuscitado e glorioso. É essa imagem que teremos constantemente em mente ao longo dessas reflexões. O servo precisa ter o orgulho de seu mestre. Servimos a um mestre vitorioso. Não se deve "pregar outra coisa senão a Cruz" (como diz São Paulo), mas é preciso pregar algo mais junto com a Cruz. Nossa fé repousa na Ressurreição de Nosso Senhor, vencedor da morte:

"Ubi est mors victoria tua" (I Cor. XV, 55). Morte, onde está a tua vitória?