Um anzol soviético para todos os peixes
Stálin elevou a espionagem soviética ao nível de uma ciência exigente, utilizando um "anzol" de geometria variável de acordo com as diversas recrutas potenciais.
No que diz respeito à inteligência diplomática, as principais fontes de segredos de Estado eram os diplomatas estrangeiros, embaixadores, membros do pessoal dos ministérios das Relações Exteriores, incluindo os funcionários dos serviços de criptografia e secretários, parlamentares e políticos ambiciosos que, em sua busca por poder, buscavam obter o apoio financeiro e o respaldo do "Establishment"Establishment" liberal[59].
Os chefes de serviço dos ministérios das Relações Exteriores apresentavam um interesse particular, pois podiam fornecer à URSS documentos confidenciais sobre a política e estratégia secreta de vários governos estrangeiros. Mas, para os soviéticos, pescar um grande peixe significava atrair um diplomata de alto nível ou um embaixador que, além de estar a par de importantes decisões sobre política externa, poderia servir como um chamariz para recrutar outros, ou como um "agente de influência" e vetor de desinformação[60].
Os serviços de inteligência soviéticos estabeleciam, a respeito de cada recruta diplomáticatico potencial, um dossiê detalhado que incluía informações sobre suas características pessoais e temperamento, vida familiar, educação, religião, meios de vida, associações às quais pertenciam, ideologia, política e também sobre sua sexualidade e eventuais vícios[61]. Considerando que os postos diplomáticos – especialmente nos Estados Unidos, na Europa e no Vaticano – sempre atraíram um grande número de homens perversos, os soviéticos acreditavam que, no caso dos diplomatas homossexuais, o chantagem valia realmente os riscos e despesas adicionais[62].
Vale ressaltar que mesmo quando um agente soviético falhava em conseguir dominar um diplomata ou embaixador homossexual, ameaçando expor sua homossexualidade, a pessoa em questão raramente reportava essa tentativa de chantagem às autoridades de seu país, com medo de ter que confessar sua sexualidade ilícita[63].
Em nítida oposição aos serviços secretos soviéticos, que eram rápidos em avaliar e explorar as oportunidades de chantagem que a homossexualidade tradicionalmente oferecia, os serviços secretos britânicos não adotavam uma política similar. Na Inglaterra, a homossexualidade ativa, como veremos, não excluía automaticamente alguém do serviço público ou dos serviços secretos entre 1939 e 1945. Mesmo em 1948, ano em que os serviços secretos britânicos adotaram uma política de exclusão em relação a homossexuais notórios, essa política nunca foi plenamente implementada. Nenhum agente de inteligência pertencente à classe média comprometeria seu emprego expressando dúvidas sobre as qualificações morais de indivíduos da classe alta, que aspiravam se tornar funcionários ou agentes secretos e eram automaticamente reservados – devido ao seu nascimento ou riqueza – para cargos governamentais e perspectivas de carreira de destaque. Mesmo que algum ousado arriscasse seu emprego denunciando algum pederasta elitizado como uma ameaça à segurança nacional, sua recomendação seria enterrada por seu superior ou por Whitehall. Essa é uma das razões pelas quais, uma vez que os soviéticos estabeleceram na Oxbridge [Nota do Tradutor: termo que designa tanto a universidade de Oxford quanto a de Cambridge] a rede de "filhinhos de papai" que lhes servia como moles, as numerosas células marxistas puderam causar tantos danos nos serviços de inteligência britânicos (e americanos)[64].
No que diz respeito à coleta de informações científicas, os soviéticos viam a bajulação e a promessa de uma influência e poder acrescidos como um anzol mais eficaz do que a sexualidade. Assim como a autora inglesa Rebecca West destaca em seus numerosos e excelentes trabalhos sobre a questão da traição, Stálin recebia com pompa e tratava com aparente deferência eminentes cientistas estrangeiros[65].
Sobre Alan Nunn May e Klaus Fuchs, dois cientistas atômicos e agentes soviéticos condenados, West ressalta o seguinte: « Não é defensável aplicar uma política que julga o criminoso de maneira a ocultar a natureza do crime para aqueles que sofrem em consequência. Isso ajudou muito os comunistas a apresentarem os cientistas que espionavam para eles como altruístas ingênuos que compartilharam segredos com uma potência estrangeira apenas porque eram cientistas, que queriam beneficiar seus pares com suas descobertas, que não sabiam estar fazendo o menor mal e que mal sabiam o que é uma ideologia. Esse é o retrato que foi entregue deles ao mundo, e é falso »[66].
May era um marxista notório e um membro extremista da vertente de Cambridge da União dos Trabalhadores Científicos; quanto a Klaus Fuchs, que transmitiu segredos atômicos diretamente aos soviéticos, ele era há muito um ideólogo marxista profundamente envolvido na rede comunista, acrescenta West[67]. Esses homens tinham uma ideia exagerada sobre sua importância e poder, alerta ela, porque seus conhecimentos estavam relacionados a armas de destruição em massa e, portanto, era possível – nesse domínio – submeter pessoas por chantagem[68]. West conclui que toda a defesa deles – que se baseava na ideia de que “a ciência é a razão e, portanto, não conhece traição” e que “os cientistas não podem fazer mal, porque são cientistas e a ciência está na verdade” – era manifestamente tendenciosa e subversiva em relação à verdade e à nação[69].