Philby nos Estados Unidos
Uma vez que Kim e Aileen (Furse), a segunda de suas quatro esposas, se instalaram em sua magnífica residência em Washington, D.C., na 5228 Nebraska Avenue, essa casa se tornou famosa pelas brilhantes recepções que ali ocorria, onde os espíritos fluíam à vontade e compareciam agentes de alto escalão da CIA e do FBI (assim como suas esposas); esses convidados – ajudados pela intoxicação alcoólica – soltavam, ocasionalmente, informações preciosas que não eram perdidas nem para Philby nem para Moscou[212]. Entre aqueles que simpatizavam com Philby estava James Jesus Angleton, chefe de contraespionagem da CIA[213].
Em agosto de 1950, quando o Foreign Office britânico deixou Burgess nos Estados Unidos, ele se acomodou com Kim, Aileen e sua pequena família. Embora o comportamento repulsivo e o antiamericanismo de Burgess se tornassem lendários nos círculos da CIA e do FBI, sua imagem bem estabelecida de bêbado homossexual impedia que ele fosse identificado como um agente soviético. Ele simplesmente não correspondia ao perfil clássico do espião russo.
Em janeiro de 1951, durante uma recepção dada por Philby, Burgess chegou embriagado e sem ser convidado, e começou a desenhar uma caricatura obscena da esposa do convidado de honra, Bill Harvey, especialista em contraespionagem do FBI. Seguiu-se uma briga, e Libby Harvey deixou a recepção acompanhada de seu marido, que estava furioso. Harvey nunca se esqueceu do incidente, mas curiosamente, seu alvo de raiva se tornou Philby, e não Burgess[214]. Um convidado que ficou para a noite, o professor Wilfrid Basil Mann, um cientista britânico especialista em energia atômica, afirmou que na manhã seguinte viu Philby e Burgess na cama juntos, com uma garrafa de champanhe, mas, convenientemente, ele só relatou o incidente a Angleton, da CIA, um ano depois, quando Burgess já estava seguro em Moscou[215].
Enquanto isso, a traição continuava.
Desde 1946, Philby soubera que os serviços de inteligência britânicos desejavam executar operações clandestinas contra Stálin na Europa Oriental como parte da estratégia da Guerra Fria. Isso significava que, com os soviéticos, ele estava em posição de primeira fila para frustrar a invasão da Albânia, uma operação conjunta do SIS e da CIA. A série de trágicas desventuras que a guerrilha albanesa enfrentou entre 1949 e 1953 resultou em morte, prisão, tortura e detenção de trabalho forçado para milhares de albaneses[216].
Em setembro de 1949, pouco antes de partir para a América, Philby foi briefed pelo MI6 sobre os principais detalhes da missão albanesa, e não deixou de transmitir a informação a seus contatos soviéticos antes de deixar Londres. Os soviéticos, por sua vez, alertaram a Sigurimi (polícia secreta albanesa) e seus conselheiros russos de que os britânicos e os americanos planejavam enviar insurgentes albaneses anticomunistas para a Albânia[217].
De 1949 a 1951, Philby, atuando como “joint commander” (comandante das forças mistas) e agente de ligação para o American Office of Policy Coordination (OPC), o braço subversivo anticomunista do National Security Council (NSC) e o principal responsável pela missão ultra-secreta liderada na Albânia, forneceu aos soviéticos e à Sigurimi as identidades dos membros dos diversos comandos albaneses, os tipos de armas com as quais estavam equipados, além das datas e locais de seus desembarques. Quaisquer que fossem o lugar e o momento em que os insurgentes entravam na Albânia – por mar, por terra ou por paraquedismo – eles eram sempre esperados pela polícia secreta e pelas forças de segurança albanesas. Muitos desses voluntários – incluindo o lendário Zenel Kadrijal, capitão da guarda do rei da Albânia em exílio, Zog – foram abatidos no local ou julgados e condenados à morte por enforcamento, ou ainda encarcerados por no mínimo sete anos, quando não à prisão perpétua[218]. Seus familiares e amigos eram capturados para interrogatório. Alguns eram simplesmente executados, outros apodreciam na prisão ou eram enviados à Sibéria, onde muitos – incluindo crianças – morriam de desnutrição. Os americanos, então, perceberam que havia algo errado – algo chamado Philby.
Em junho de 1951, dois meses após o “desaparecimento” misterioso de Burgess e Maclean, Philby também foi chamado de volta a Londres. Apesar das repetidas exigências de Walter Bedell Smith, chefe da CIA, para que Philby não fizesse mais parte dos serviços de inteligência, e apesar das evidências acumuladas ao longo do tempo indicando que Philby era uma toupeira soviética, foi-lhe permitido entrar em semi-aposentadoria até 1953, ano em que foi redistribuído para outro cargo de inteligência. De forma bastante irônica, muitos de seus colegas no MI6 acreditavam que ele era vítima do “Macarthismo” e consideravam sua rebaixamento como uma injustiça.
Embora britânicos e americanos estivessem cientes de que sua missão albanesa havia sido comprometida desde o início, as operações clandestinas continuaram até 1953. Os resultados foram bastante previsíveis: os albaneses nunca mais confiaram no Ocidente; quanto aos serviços de inteligência britânicos e americanos, eles se lançaram em pesados recriminações mútuas. E, enquanto isso, Philby continuava suas atividades de espionagem em favor dos soviéticos, inclusive aconselhando-os sobre a evolução cotidiana do VENONA. Para ele, isso era rotina.
Anos depois, Philby frequentemente negava ter sido um “agente duplo”. “Toda a minha vida, eu trabalhei apenas para um único serviço de inteligência: o da União Soviética”, disse ele a Rufina, sua esposa russa[219].