Os serviços de inteligência britânicos e americanos
Como se sabia desde as tentativas inglesas de infiltração nos seminários católicos franceses durante a era elisabetana, os ingleses não eram inexperientes em matéria de espionagem e inteligência.
No final do século XVIII, começou a se consolidar um esboço de uma estrutura oficial para os serviços secretos britânicos, com a criação de um ministério do Interior (Home Office) e de um ministério das Relações Exteriores (Foreign Office) dentro do Departamento de Estado. Nas décadas seguintes, o imenso complexo das embaixadas britânicas no mundo deveria fornecer a cobertura de um serviço secreto ampliado no exterior, bem como um serviço interno de contraespionagem especializado na decodificação e infiltração dos serviços de inteligência inimigos, especialmente os da Rússia e da Prússia de Bismarck.
Os serviços secretos modernos da Grã-Bretanha (SIS), conhecidos como MI6, foram fundados em 1909. Eles estavam ligados ao ministério das Relações Exteriores e dirigiam as operações de espionagem britânicas no exterior. Durante a Primeira Guerra Mundial, eles se concentraram em infiltrar as unidades de espionagem da Alemanha. Após a guerra, o SIS foi encarregado de ajudar os Estados Unidos a estabelecer sua própria rede de inteligência. Os britânicos e os americanos também firmaram um acordo secreto para o compartilhamento de informações de contraespionagem, o que depois ofereceu a Stálin um caminho mais fácil para a coleta de informações, especialmente em relação ao desenvolvimento da bomba atômica.
Uma das operações antissoviéticas mais bem-sucedidas do SIS foi o ataque que realizou em 1927 aos escritórios londrinos da ARCOS (All Russia Cooperative Society Ltd.), delegação comercial russa, que permitiu que os britânicos obtivessem milhares de documentos secretos sobre as atividades e agentes comunistas na Inglaterra.
Esse ataque foi realizado pelo MI5, ou seja, o Serviço de Segurança britânico vinculado ao Home Office e que tratava principalmente da segurança do território, incluindo a captura de espiões, terroristas e insurgentes estrangeiros em solo inglês. Suas principais atividades incluíam manter um registro central para rastrear indivíduos suspeitos de serem agentes inimigos, assim como manter uma lista negra especial de contraespionagem. Existiam, tanto dentro quanto fora do MI5 e do MI6, outras unidades subsidiárias de inteligência especializadas, incluindo a famosa Escola Governamental de Códigos e Cifras (Government Code & Cypher School), que desde então se destacou por ter decifrado o código alemão (ULTRA) durante a Segunda Guerra Mundial.
Em 1941, a Grã-Bretanha criou uma divisão de segurança ultra-secreta atuando no hemisfério ocidental, a British Security Coordination (BSC), que serviu de cobertura legal para todas as suas outras unidades de inteligência, incluindo o MI5 e o MI6, o Special Operations Executive (SOE) e o Political Warfare Executive[78].
Os serviços de inteligência internos e externos dos Estados Unidos foram estruturados com base em seus equivalentes britânicos. Até o final da Primeira Guerra Mundial, as responsabilidades pela coleta e interpretação de segredos diplomáticos, militares e políticos do inimigo eram divididas entre o Departamento de Estado, com suas redes de embaixadas e adidos, e os serviços de inteligência militares das forças armadas, incluindo o Office of Naval Intelligence (ONI) e o G-2, divisão de inteligência do ministério da Guerra. Durante a Primeira Guerra Mundial, tanto o Exército quanto a Marinha dos Estados Unidos mantiveram escritórios separados para decifrar e ler comunicações estrangeiras e inimigas. Em 1920, a seção secreta de criptografia militar dos Estados Unidos, conhecida como "Câmara Negra", conseguiu decifrar o código diplomático japonês, o que foi um feito significante em termos de espionagem. No entanto, isso não impediu que o Secretário de Estado Henry L. Stimson fechasse esse serviço em 1929, sob a alegação de que "gentlemen não leem a correspondência de outros gentlemen"gentlemen"[79].
Em 11 de julho de 1941, para reduzir as fricções e a concorrência que se intensificavam entre os diversos serviços de inteligência americanos, o Presidente Franklin D. Roosevelt nomeou William Donovan (apelidado de "Wild Bill") como coordenador de uma nova agência civil centralizada para o tempo de guerra, o Bureau of Information (Escritório de Informação), que era inspirado no SIS britânico e baseado na Casa Branca. Donovan, graduado pela faculdade de direito da Universidade de Columbia, era um herói da Primeira Guerra Mundial e um membro do "Eastern Establishment"Establishment" (a esfera influente do Leste dos Estados Unidos), que se situava mais à esquerda e do qual recrutou grande parte da liderança do OSS. O Bureau do Coordenador de Informação (COI) tinha como tarefa coletar informações e centralizar tudo que dizia respeito à segurança nacional. Ele abriu seu escritório em Londres em novembro de 1941.
Em junho de 1942, o COI de Donovan passou por uma vasta reestruturação. Seu pessoal e orçamento foram divididos em dois setores: por um lado, um Escritório de Serviços Estratégicos (OSS) dirigido por Donovan, mas sob a autoridade dos Chefes de Estado-Maior Reunidos (JCS), com seu serviço secreto de contraespionagem no exterior; por outro lado, o Serviço de Informações Estrangeiras (FIS), sob a supervisão direta de Roosevelt dentro do recém-criado Bureau de Informação de Guerra.
O OSS tinha como tarefa geral apoiar as operações militares no terreno, oferecendo ajuda em pesquisa, propaganda e forças de comando. Donovan nomeou para a Seção de Pesquisa e Análise do OSS (R&A) membros de elite renomados do Eastern Establishment, enquanto a Seção de Operações Especiais (SO), que conduzia ações paramilitares e guerra psicológica na Europa e na Ásia, representava uma força mais eclética e multinacional que ajudou os Aliados e os partisans durante a Segunda Guerra Mundial. O OSS também estabeleceu uma Seção Secreta de Inteligência (SI) sob a autoridade de Allen W. Dulles, que havia estudado em Princeton e que operava a partir da embaixada americana em Berna (Suíça).
Os profissionais de inteligência militar convenceram Roosevelt de que era preciso impedir que o general Donovan e seu OSS tivessem acesso às comunicações criptografadas altamente secretas dos Aliados a partir do Japão, que implicavam o uso de um sistema de decodificação conhecido como MAGIC, assim como às mensagens da Alemanha decifradas através do sistema ULTRA. No entanto, a seção de contraespionagem do OSS (X-2), que compartilhava suas informações com o SIS britânico, tinha, de fato, acesso às informações alemãs obtidas por meio do sistema ULTRA. Isso acabaria se revelando um erro fatal.
No final da Segunda Guerra Mundial, o OSS – que seus detratores chamavam de "Oh So Social" (Oh, como é social!) – já havia sido infiltrado por pelo menos quinze espiões soviéticos, assim como por elementos criminosos da máfia siciliana, tornando o OSS não apenas um serviço "secreto" custoso, corrupto e ineficaz, mas também uma fonte perigosa de desinformação soviética e infiltração de agentes soviéticos após a guerra. Em suma, o OSS era o mais profundamente infiltrado dos serviços de inteligência dos Estados Unidos, dos quais nenhum contava com tantos moles soviéticos em seu seio[80].
Em 1º de outubro de 1945, sob a administração de Truman, o OSS foi oficialmente dissolvido. Seu setor de Pesquisa e Análise foi transferido para o Departamento de Estado, e o ministério da Guerra absorveu todas as suas outras seções, incluindo a SI e o X-2. Dois anos depois, Truman, com a aprovação do Congresso, autorizou a criação do Central Intelligence Group (CIG), posteriormente renomeado Central Intelligence Agency (CIA), conforme a lei de 1947 sobre segurança nacional. Assim como o OSS, os postos-chave da CIA foram ocupados por acadêmicos e políticos que apresentavam as melhores cartas de recomendação do Eastern Establishment;Establishment; isso transformou a CIA em um verdadeiro "clube de velhos amigos" (Old Boys Club), não sem semelhanças com aquele que daria origem aos espiões de Cambridge[81].
Entretanto, a contraespionagem interna continuou sendo responsabilidade do Federal Bureau of Investigation (FBI) dirigido por J. Edgar Hoover, do ONI e do G-2.