Anatomia da traição
Uma nação pode sobreviver aos seus tolos, e até mesmo aos ambiciosos. Mas não pode sobreviver a uma traição de dentro. Um inimigo às portas da cidade é menos temível, pois o conhecemos, e ele brandindo abertamente sua bandeira. Mas o traidor se move livremente dentro dos muros, suas insinuações se espalham por todas as ruelas e até na sala do Conselho. Pois o traidor não se apresenta como tal: ele fala com sotaques familiares para suas vítimas; tem o mesmo rosto que eles, veste-se como eles e apela à baixeza que reside no coração de todo homem; ele apodrece a alma de uma nação; atua à noite, secretamente, e à sua revelia, para minar os pilares da cidade; ele infecta o corpo social de tal forma que este não consegue mais resistir. Um assassino é menos temível do que ele[21].
Cícero, 42 antes de Cristo
No domínio profano, o traidor é definido como um indivíduo que trai abertamente seu país, ao qual deve lealdade. No domínio sagrado, é aquele que – através de atos deliberados – renuncia à sua fé.
Seja no domínio profano ou no sagrado, os motivos da traição são variados e difíceis de desvendar. Podem ser o desejo de vantagem pessoal ou ganho financeiro; pode ser também a consequência de envolvimento em negócios ilícitos ou atos criminosos passados; isso pode ainda estar relacionado com o desejo de enganar e trair pessoas contra as quais se alimenta há muito tempo rancor ou ressentimento.
Costuma-Tende-se a acreditar que, no domíniocampo profano, oa chantagem oferece aos agentes inimigos um meio eficaz de recrutar traidorespotenciais potenciais;traidores; no entanto, geralmente não é assim.o caso. Como observou Alexander Orlov, ex-chefe dos serviços de espionagem, étrata-se de uma estratégia medíocre e até arriscada "fazer inimigos de alguém aum queminimigo, para depois seconfiar deve confiarnele em umuma assuntoquestão tão delicadodelicada e arriscadoarriscada comoquanto uma operação de inteligência"[22]. Por outro lado, a alegação de chantagem muitas vezes serve como uma desculpa apósposterior, o fato, poispois, uma vez desmascarados,descobertos, muitos traidores tentam "atenuar sua culpabilidadeculpa aos olhos do júri e obter do tribunal a maior indulgência possível" afirmandoao declarar que foram forçados a espionar sob ameaça de chantagem”,chantagem, escreve Orlov[23].
A motivação desempenhando um papel tão crítico neste campo, todo bom recrutador de espiões, todo bom criador de rede de espionagem busca evitar a chantagem em favor de meios mais positivos de inspirar e dirigir os membros da rede. Ele apela ao idealismo ou à ambição pessoal, ou ainda a características exploráveis, como um egoísmo exagerado, uma vontade de vingança ou um desejo de recompensa[24]. A capacidade de avaliar corretamente o caráter e as motivações de alguém, assim como de fundir os membros de sua rede em uma equipe de espionagem coesa é a marca de sua competência em espionagem[25].
Victor Ostrovsky, ex-agente do Mossad (serviço de espionagem israelense), compara o processo de recrutamento ao de uma pedra descendo a montanha. “Empregamos a esse respeito a palavra hebraica ledarder (deteriorar, degradar) para designar o fato de estar no topo de uma montanha e empurrar um bloco de pedra pela encosta. É assim que recrutamos”, destaca ele[26]. “Você pega alguém e o leva gradualmente a fazer algo ilegal ou imoral. Você o faz descer uma ladeira. Mas se ele está em um pedestal, não servirá para nada. Você não poderá usá-lo. Tudo o que buscamos é usar as pessoas. Mas, para poder usá-las, é preciso moldá-las. Não se pode recrutar alguém que não bebe, que não se interessa por sexo, que não tem necessidades financeiras, que não tem dilemas políticos e que está feliz em viver”, escreve ele ainda[27].