A metamorfose de Guy Burgess
Um dos aspectos mais notáveis da vida de Burgess – um bêbado inveterado, homossexual, marxista e traidor – é que ele nunca faltou a trabalho ou protetores.
No decorrer de 1934, depois que Burgess não passou no exame que deveria lhe permitir tornar-se professor em Cambridge, Victor Rothschild contratou esse goy mal-aprumado como "consultor financeiro" por um salário mensal de cem libras esterlinas. Parecia não importar, que Burgess fosse um acadêmico especializado em história enquanto os Rothschild eram uma dinastia bancária lendária com três gerações de existência[173].
Essa manobra complicada, embora perfeitamente transparente, tinha, naturalmente, o objetivo de facilitar a Burgess, um notório marxista, sua transformação em simpatizante neo-fascista e pró-nazista, em conformidade com a diretiva de Stálin de que os agentes soviéticos no exterior se tornassem clandestinos e, se necessário, mudassem aparentemente de lado.
Rothschild – é importante lembrar – tinha o mesmo inimigo ostensible que Stálin: Hitler. Quando os interesses de Stálin coincidiram com os seus, parecia disposto a cooperar com os soviéticos contra a Alemanha nazista, e até mesmo contra os Estados Unidos.
Entre 1936 e 1937, Rothschild nomeou Burgess editor-chefe de um novo boletim informativo sobre comércio e investimento, especializado em finanças alemãs. Mas o barão então contratou um comunista alemão expatriado e homossexual chamado Rudolf Katz ("Rolf"), que também era um agente do Komintern, para servir como "fantasma" e editor profissional[174].
A nomeação de Burgess para esse cargo fictício, aliada à "rumor" astuciosamente espalhado de que ele passara por uma conversão ideológica após sua viagem a Moscou, facilitou sua entrada no Partido Conservador e em outros círculos parlamentares de direita.
Burgess mirou vários parlamentares bissexuais e homossexuais conhecidos por frequentarem o Café Royal, um famoso bar que havia visto passar Oscar Wilde e Lord Alfred Douglas. Uma de suas conquistas mais bem-sucedidas foi o parlamentar conservador Harold Nicolson, que se tornou seu anjo da guarda. O casal jantava regularmente no Reform Club, um respeitável estabelecimento britânico que viria a se tornar um alvo importante da subversão soviética. Nicolson era casado e tinha filhos, mas aparentemente sentia a necessidade de ter relacionamentos homossexuais para apimentar sua vida.
Burgess prestou serviços, pelo que foi recompensado com contatos mais influentes dentro do Parlamento e do Foreign Office, entre os quais Sir Joseph Ball, diretor de pesquisa do Partido Conservador, Archibald Clark Kerr (Lord Inverchapel), homossexual casado que possuía uma vasta coleção de pornografia homossexual, e um valet soviético chamado Evgueni Yost.
Archibald Kerr foi embaixador da Grã-Bretanha nos Estados Unidos de maio de 1947 a maio de 1948 e se tornou tanto o pior inimigo quanto a antítese de J. Edgar Hoover[175].
Foi através de homens influentes como Rothschild, Nicolson e Ball que Burgess conseguiu infiltrar a Anglo-German Fellowship (confraria anglo-alemã pró-fascista) criada por Hitler para melhorar as relações entre a Inglaterra e a Alemanha e promover uma aliança entre os dois países contra a União Soviética. Essa confraria era presidida por Charles Edward, duque de Saxe-Coburgo-Gota, que havia estudado em Eton. Contava em seu número com influentes aristocratas ingleses que nutriam simpatias pela Alemanha.
Embora não tenha conseguido um cargo no escritório central do Partido Conservador, Burgess conseguiu se tornar secretário e "assistente pessoal" do parlamentar conservador John Robert MacNamara, conhecido entre os amigos como "Captain Jack". Esse ex-guarda de trinta e dois anos, homossexual e membro da confraria, logo se deixou seduzir pelos encantos de Burgess. Seu caso acabaria por levar a outra conquista de Burgess, a do Venerável J.H. Sharp, arcebispo anglicano para a Europa do Sul-Oriental[176]. Na primavera de 1936, Burgess acompanhou MacNamara, Sharp e Tom Wylie, um jovem funcionário do Ministério da Guerra, em uma viagem pela Renânia organizada pelo Conselho de Relações Exteriores da Igreja da Inglaterra. Eles foram encarregados de acompanhar um grupo de estudantes pro-fascistas até um campo das juventudes hitleristas[177].
Durante uma parada em Paris, "Captain Jack" apresentou Guy a Édouard Pfeiffer, um próximo de Édouard Daladier, futuro Primeiro-Ministro da França. Segundo Costello, "Como amante da decadência homossexual, Pfeiffer não tinha poucos rivais, mesmo em Paris. Exercendo responsabilidades no movimento escoteiro francês, ele dedicava sua vida privada a seduzir jovens" [178]. Os dois homens se tornaram íntimos, e Pfeiffer fazia visitas a Burgess em Londres quando este se encontrava na cidade, relata Costello. Em 1938, quando Pfeiffer obteve um cargo elevado no governo de Daladier, Burgess conseguiu obter informações sensíveis sobre a posição do Gabinete francês em relação à Alemanha nazista[179].
O rico americano Michael Straight, outro "Apóstolo" recrutado por Blunt, lembrou que, durante um jantar com Burgess, este lhe disse que acompanhava todas as noites Pfeiffer e dois membros do Gabinete francês a um bordel masculino em Paris. "Eles cantavam e riam, dançavam em torno de uma mesa à qual estava amarrado um menino nu, que eles batiam com chicotes de couro", escreve Straight[180].
À medida que Burgess desempenhava seus múltiplos papéis – mensageiro a serviço de Rothschild, toupeira soviética, neo-fascista, amante de homens influentes –, suas relações com o Homintern se desenvolveram rapidamente no continente. Da mesma forma, ele não parava de ampliar a lista que os soviéticos lhe encarregaram de manter sobre recrutamentos potenciais e pessoas influentes que poderiam ser sexualmente comprometidas[181].
Jackie Hewit, "poule" de Burgess e observador atento das operações do Homintern internacional, descrevia-o como "uma maçonaria intelectual gay"[182]. Ele o comparava aos cinco círculos entrelaçados do símbolo olímpico [NdT: Detalhe curioso: o barão Pierre de Coubertin, pai dos Jogos Olímpicos modernos, era homossexual e neo-pagão]. Segundo ele, "um membro de tal círculo conhecia um membro de outro círculo, e é assim que as pessoas se encontravam"[183].