A gênese do círculo de espiões de Cambridge
Vários agentes soviéticos que passaram para os Estados Unidos e a Inglaterra relataram que, quando Ivan Maisky, Embaixador da URSS na Grã-Bretanha, apresentou a ideia inovadora de recrutar jovens e ambiciosos ingleses da classe alta como agentes de inteligência soviéticos antes mesmo de entrarem nos corredores do poder, Stálin e Lavrenti Beria, chefe do NKVD, manifestaram seu ceticismo quanto às chances de sucesso de tal plano[82].
Quando souberam que muitos desses potenciais recrutas eram pedófilos e homossexuais comprovados, tornaram-se ainda mais incrédulos. No entanto, como o GRU já estava bem estabelecido em Londres e havia residentes legais e ilegais no local, onde poderiam servir como supervisores, Stálin deu sinal verde ao ministério soviético das Relações Exteriores para a implementação do plano. Estávamos em 1932. O serviço de inteligência soviético, sob a autoridade do Komintern, começou a identificar, cultivar, avaliar e, em seguida, recrutar em Oxbridge membros da esquerda antifascista.
Para grande surpresa dos soviéticos, as coisas funcionaram como mágica. Pareceu que Cambridge e, em menor medida, Oxford, os dois centros universitários mais prestigiados da Grã-Bretanha, já estavam bem maduros para se tornarem os epicentros da operação de espionagem soviética mais bem-sucedida do século XX[83].
Por mais de um século, as crenças religiosas dos estudantes das principais instituições de ensino superior da Inglaterra foram minadas pela elite literária e intelectual de Oxbridge. A moral cristã sucumbiu aos ataques violentos do helenismo neo-pagão. Os poucos servos da religião real que permaneceram fiéis a esta se aperceberam da impossibilidade em que agora se encontravam, não era sequer para defender o pouco que restava das crenças religiosas diluídas que haviam oposto à maré crescente do modernismo em suas próprias fileiras clericais e leigas.
O satirista britânico George Orwell (de seu verdadeiro nome Eric Blair) escreveu:
Culturalmente […] a intelligentsia britânica está europianizada. Ela empresta sua culinária de Paris e suas opiniões de Moscovo. No patriotismo geral do país, ela forma uma espécie de ilha de pensamento dissidente. A Inglaterra é talvez o único grande país cujos intelectuais têm vergonha de sua nacionalidade. Nos círculos marxistas, sempre se pensa que há algo um pouco desonroso em ser inglês e que se tem o dever de zombar de toda instituição inglesa, desde as corridas de cavalos até o Christmas pudding. É estranho, mas é indubitável que quase todos os intelectuais ingleses teriam menos vergonha de pilhar um tronco de igreja do que de ficar em posição de sentido enquanto toca o “God save the King”[84].
Durante os anos 1930, o recrutamento de intelectuais e cientistas de esquerda em Oxbridge como agentes “adormecidos” foi a fase final da subversão que os soviéticos haviam inaugurado décadas antes com seus ataques ao sistema de classes da Inglaterra e também com a penetração dos sindicatos britânicos e do movimento trabalhista. Os comunistas conseguiram "vender" aos jovens idealistas de Oxbridge o martelo e a foice, ou seja, a aspiração de preservar o mundo da ameaça do fascismo. No entanto, o marxismo enfrentou dificuldades para competir com o socialismo fabiano, que era o movimento coletivista mais adequado.
No campus, communistas confessos como o professor de economia Maurice Sobb, que iria contribuir para fundar a Célula comunista de Cambridge, Piero Straffa, associado do líder comunista italiano Antonio Gramsci, e Roy Pascal, professor de alemão em Cambridge, introduziram toda uma geração de jovens estudantes extremistas de Oxbridge na esfera de influência soviética.
Os marxistas também receberam ajuda e assistência da vasta rede de sociedades secretas quase maçonas que se insinuaram na alta classe britânica em geral e em Oxbridge em particular. A mais famosa e também a mais seletiva dessas sociedades secretas presentes no campus era a “Conversazione Society”, conhecida simplesmente como “the Society”, com seus membros apelidados de “Apóstolos”.