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A espionagem, um "negócio"

Desde tempos imemoriais, os serviços secretos nacionais têm como objetivo comum obter informações sobre qualquer Estado estrangeiro, incluindo os segredos de suas forças e planos ofensivos e defensivos, assim como impedir que qualquer inimigo efetivo ou potencial descubra os segredos de seu Estado. Tradicionalmente, as potências europeias contavam com certos príncipes da Igreja Católica Romana para organizar seus serviços secretos, pois nenhuma nação podia competir com o sistema de espionagem mais disseminado e eficaz do mundo[50].

Assim, na França do século XVII, agindo a pedido do Rei Luís XIII junto ao Santo Sé, o cardeal de Richelieu, com a ajuda de um padre capuchinho, François le Clerc du Tremblay, criou um vasto serviço de inteligência interno e externo, rivalizando com o da Inglaterra – principal concorrente da França – e assim elevou seu país à condição de potência mundial de primeiro plano[51].

Embora os objetivos dos serviços secretos nacionais tenham evoluído pouco desde a época de Richelieu, os meios para alcançá-los e tratar as informações mudaram completamente e variam bastante de um país para outro. Durante a primeira metade do século XX, os Estados Unidos, e o Ocidente em geral, fundamentaram sua doutrina de inteligência primeiramente na pesquisa, assim como nas informações obtidas de "fontes abertas", enquanto os soviéticos e o bloco de Leste confiavam mais em uma abordagem de "capa e espada", que envolvia reunir informações a partir de fontes secretas, utilizando uma vasta rede de espiões, informantes e agentes secretos para descobrir documentos altamente confidenciais e dados brutos, além de atrair traidores potenciais para seus serviços.

No início da década de 1920, os serviços de inteligência das principais potências europeias ocidentais, incluindo a Inglaterra e a França, foram alertados pela constatação de que os bolcheviques – além de terem criado a Tcheka, sua polícia secreta interna para combater atividades "contrarrevolucionárias" e sabotar em seu próprio território – consideravam a possibilidade de constituir uma nova e vasta rede de espionagem internacional.

No início de 1918, o líder comunista Vladimir Ulyanov, conhecido como Lênin, colocou a Tcheka sob a direção de Felix Edmundovitch Dzerjinski, considerado desde então como o pai da espionagem soviética moderna. Embora o nome dos serviços de espionagem soviéticos tenha mudado ao longo dos anos – de Tcheka para GPU (Administração Política do Estado, 1922-1923), OGPU (Direção Política do Estado Unificada, 1923-1934), NKVD (Comissariado do Povo para Assuntos Internos, 1934-1946), MD (Ministério dos Assuntos Internos, 1946-1954), e finalmente KGB (Comitê de Segurança do Estado), complementado em 1954 pelo GRU (Direção Principal de Inteligência do Estado-Maior) – os agentes de espionagem são sempre conhecidos como tchékistes pelos cidadãos soviéticos[52]. Após a morte de Dzerjinski em 1926, o sucessor de Lênin, Joseph Stálin, fez da polícia secreta soviética recém-ampliada o instrumento de seu poder absoluto sobre o povo russo.

No início da década de 1920, em matéria de espionagem no exterior, as operações de inteligência soviéticas voltadas a fomentar uma revolução mundial estavam frequentemente centradas nas embaixadas soviéticas. Mas, aos poucos, Stálin substituiu esse sistema altamente vulnerável por uma rede mais sofisticada de agentes soviéticos, liderada por homens sem nenhuma relação com o antigo pessoal diplomático da União Soviética e operando sob ordens diretas de Moscou. Nos Estados Unidos, assim como na Europa, sindicatos, universidades, centros industriais e instituições políticas e culturais de esquerda eram os alvos prioritários da infiltração e da tomada soviéticas. Na Inglaterra, por exemplo, trotskistas e comunistas se faziam passar por socialistas, infiltrando o Partido Trabalhista. O próprio Partido Conservador não estava imune a essas infiltrações. O NKVD também conseguiu utilizar o dispositivo de inteligência do Komintern na Grã-Bretanha para recrutar funcionários em Whitehall [Nota do Tradutor: palácio que serve como sede do governo britânico], incluindo membros do clube dos "secretários permanentes" do Departamento de Estado[53].

No final da década de 1920 e início da década de 1930, enquanto Stálin planejava meticulosamente seu Grande Terror na URSS em forma de gigantescas purgas políticas, militares, econômicas e agrícolas que resultariam na morte de cerca de vinte milhões de russos, ele também lançou um programa de espionagem consideravelmente ampliado, com o objetivo de coletar informações diplomáticas, militares, industriais e científicas no Ocidente[54].

Stálin ordenou que, em todo o Ocidente, "moles" e "agentes adormecidos" de longo prazo, controlados pela União Soviética, fossem introduzidos nos serviços secretos, em altos postos governamentais, bem como em grandes centros universitários e científicos. Sua estratégia se provou mortalmente eficaz, especialmente contra os serviços secretos britânicos, o Escritório de Serviços Estratégicos dos Estados Unidos (OSS), e depois a Agência Central de Inteligência (CIA) e a Agência de Segurança Nacional (NSA)[55].

Como afirmaram três autores especializados em espionagem – Philip Knightley, Bruce Page e David Leitch –, « Uma vez infiltrado, um serviço secreto não se torna apenas um serviço secreto ineficaz, mas sim um terrível fardo »[56]. Assim, « Em termos de diplomacia, economia e defesa estratégica, os serviços secretos britânicos foram, por pelo menos dez anos (e essa estimativa ainda é generosa), os cegos guiando outros cegos: operações foram perdidas, agentes comprometidos, abatidos, encarcerados ou forçados a se tornarem agentes de desinformação, ou seja, de intoxicação informativa », acusam eles[57].

O fato de que, em 1932, ou seja, bem antes do início da Segunda Guerra Mundial, Stálin já havia lançado uma guerra secreta contra o Ocidente corrobora a teoria sustentada por historiadores como o professor Ernst Topitsch, da Universidade de Graz, na Áustria, segundo a qual o ditador soviético usou a guerra como parte da estratégia soviética de longo prazo visando subjugar e destruir o mundo não comunista, o que significa que a Segunda Guerra Mundial foi, em sua essência, a guerra de Stálin, não a de Hitler[58].