Uma palavra sobre a Gnose Histórica
Desde o primeiro século, a Igreja se encontrou em oposição com dois adversários de tipos diferentes: o paganismo e a gnose.
O paganismo representava para a Igreja o inimigo declarado, do qual ela era separada por uma linha de demarcação precisa e sensível. Os cristãos se recusavam a sacrificar aos ídolos porque, por trás de cada ídolo, residia e operava um demônio. São Paulo, o Apóstolo dos Gentios, ou seja, das nações cristãs, havia proibido todo comércio espiritual com os pagãos, precisamente por esta razão:
«Digo que o que os pagãos oferecem em sacrifício, imolam aos demônios e não a Deus; ora, não quero que estejais em comunicação com os demônios. Não podeis beber ao mesmo tempo do cálice do Senhor e do cálice dos demônios; não podeis participar da mesa do Senhor e da mesa dos demônios» (I Cor. X, 20-21).
A incompatibilidade das duas religiões, cristã e pagã, era clara e reconhecida pelos dois campos. Ela resultou em uma guerra aberta. Os cristãos recusavam os honores divinos aos ídolos e os pagãos se esforçavam para extirpar a nova religião por meios físicos.
Os gnósticos agiam de maneira bem diferente. Eles não rejeitavam absolutamente o cristianismo, do qual admitiam, ao contrário, certos elementos originais. Pretendiam apenas combinar essas novas contribuições com o antigo politeísmo e com a filosofia dos pagãos, para realizar uma religião sincrética. A síntese que elaboravam apresentava, certamente, variações porque cada escola gnóstica preconizava empréstimos ao cristianismo mais ou menos significativos. O que variava, de uma escola para outra, era a composição da mistura. Mas o princípio da síntese pagano-cristã permanece a característica comum de todas as escolas gnósticas dos três primeiros séculos.
Houve, no entanto, a guerra entre a gnose e a Igreja porque a Igreja queria preservar a pureza de sua doutrina e rejeitava toda ideia de compromisso. No entanto, a guerra que os gnósticos quiseram sustentar contra a Igreja não foi física, mas doutrinária; não havia entre elas a fronteira visível das ídolos. A gnose fomentou contra a Igreja uma multidão de heresias; ela é a mãe das heresias.
Essa primeira gnose, chamada histórica, desapareceu totalmente. Ela deixou apenas alguns vestígios literários que tiveram de esperar o período do humanismo para serem exumados e revividos.