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A libertação

Os escritores que pertencem às diversas escolas esotéricas modernas dão o nome de eu à individualidade humana. O eu é aquilo que distingue um indivíduo de outro. O eu é mais especificamente o homem interior na relatividade da existência terrena. Diz-se que o eu é "diferenciado".

Mas, no fundo desse eu diferenciado, esses escritores distinguem um elemento absoluto e "indiferenciado" ao qual dão o nome de si. É um germe de natureza e origem divina, um fragmento da divindade. O si é dito "indiferenciado" porque participa do absoluto. Durante a existência terrena, o si está imerso nas escórias corporais. O homem deve passar sua vida terrena a se espiritualizar para libertar o si essencial que, na morte, retornará ao absoluto de onde saiu e que constitui sua verdadeira natureza. O si indiferenciado se dissolverá então no absoluto igualmente indiferenciado.

O que é, então, a libertação? É precisamente esse retorno do si ao absoluto. É a libertação do si fora da prisão material. Essa libertação ocorre após a morte, quando a alma, após percorrer a série de reencarnações, deixa o "samsara", a roda das coisas e o eterno recomeço. É pela libertação que ela alcança o nirvana, que é a imersão no absoluto.

A libertação também pode ser obtida, durante a vida, pelos grandes contemplativos mediante um treinamento intensivo na concentração do espírito. É um dos efeitos da iniciação apressar a libertação. Os homens assim "liberados" continuam a levar uma vida aparentemente normal, mas se sentem diferentes e dizem que adquiriram um estado superior e definitivo.

A libertação também recebe outros nomes de acordo com as escolas gnósticas. Ela é chamada de reintegração quando se quer destacar que, no momento da libertação, o "si" retorna ao princípio supremo do qual era originalmente uma das virtualidades. Ele "reintegra" seu absoluto original. Ela é ainda chamada de realização quando se quer mostrar que o "eu" é apenas uma ilusão efêmera, enquanto o desabrochar do "si" revela a única realidade que existe no homem.

Quando, nos desenvolvimentos sobre o homem e sua natureza, vemos aparecer essa terminologia: o eu, o si, a libertação, a reintegração, a realização, podemos prever com certeza que se trata de uma obra esotérica. A continuação não deixa de provar isso.

E agora, o que diz a sã doutrina sobre tudo isso?

Basta se referir ao Concílio de Trento e ao que ele ensina sobre a justificação. Aqui estão as principais passagens desse ensinamento:

Cap. 7: A justificação do ímpio e suas causas.

«Desta justificação, aqui estão as causas: causa final, a glória de Deus e de Cristo, e a vida eterna; causa eficiente, Deus, que, em sua misericórdia, purifica e santifica gratuitamente (I Co VI, 11) "pelo selo" e a unção "do Espírito Santo prometido, que é o penhor de nossa herança" (Ef I, 13 ss); causa meritória, o Filho unigênito amado de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo, que, "quando éramos inimigos" (Rm V, 10), devido ao extremo amor com que nos amou (Ef II, 4), mereceu nossa justificação (nº 592) por sua santíssima Paixão na madeira da Cruz e satisfez por nós a Deus seu Pai; causa instrumental, o sacramento do batismo, o "sacramento da fé" (Ambrósio de Milão, De Spiritu Sancto, 1.1, C. 3, 42: PL 16, 714 A; Agostinho, epístola 98 Ad Bonifacium episc., C. 9 s. v.: PL 33, 364); sem o qual nunca aconteceu a ninguém ser justificado. Finalmente, a única causa formal é a justiça de Deus, "não aquela pela qual ele é justo em si mesmo, mas aquela pela qual ele nos faz justos" (nº 592-593) (Agostinho, De Trinitate, 1.13, C.12, 15: PL42, 1048); recebida dele como um dom que nos renova no mais íntimo da alma, pela qual não apenas somos reputados justos, mas realmente justos e chamados assim, recebendo em nós a justiça, na medida em que "o Espírito Santo distribui a cada um conforme lhe apraz" (I Co XII, 11) e segundo a disposição e cooperação pessoais de cada um.

(...) Assim, na própria justificação, com a remissão dos pecados, o homem recebe ao mesmo tempo, por Jesus Cristo em quem está inserido, todos esses dons infusos: a fé, a esperança e a caridade. Pois se a esperança e a caridade não se unem à fé, a fé não une perfeitamente a Cristo e não faz um membro vivo de seu Corpo. É por isso que se diz com toda a verdade: "A fé sem obras é morta" (Tg II_, 17 ss) e inútil (n° 601), e_ "Em Cristo Jesus nem a circuncisão nem a incircuncisão têm valor, mas a fé que opera pela caridade" (Gl V_, 6 ;_ VI_, 15). É essa que, segundo a tradição_ dos Apóstolos, os catecúmenos pedem à Igreja antes do sacramento do batismo, quando pedem "a fé que concede a vida eterna" (Ritual romano do batismo, n° 1) que, sem a esperança e a caridade, a fé não pode conceder. Assim, ouvem imediatamente a palavra de Cristo: "Se queres entrar na vida, observa os mandamentos " (Mt XIX_,_ 17). »

Cap. 10: O aumento da justificação recebida.

«Assim, os justificados, tornados "amigos de Deus e membros de sua família" (Jo XV_, 15 ; Ef_ II_, 19), caminhando "de virtude em virtude" (Sl_ LXXXIII_, 8), "se renovam", como diz o Apóstolo, "dia após dia" (II Co_ IV_, 16), ou seja, "mortificando os membros de sua carne" (Cl_ III_, 5) e oferecendo-os como armas à justiça para a santificação, pela observância dos mandamentos de Deus e da Igreja; eles crescem na justiça que receberam pela graça de Cristo, "a fé cooperando com as boas obras" (Tg_ II_, 22), e são justificados ainda mais (n° 606, 614), como está escrito: "Aquele que é justo, ainda será justificado" (Ap_ XXII_, 11), e também: "Não temas ser justificado até a morte" (Eclo_ XVIII_,_ 22), e ainda: "Você vê que o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé" (Tg II_, 24). Este aumento de justiça, a santa Igreja o pede em sua oração: "Dai-nos, Senhor, mais fé, esperança e caridade" (Missal Romano, 13º domingo após Pentecostes, coleta) »_ (G. Dumeige, La foi catholique, 562 a 566 e 569).

Assim, o Magistério católico não nos fala de "libertação", mas de justificação. A alma cristã é justificada, ou seja, "feita justa", pela Justiça de Deus «não aquela, diz o Concílio, pela qual ele é justo em si mesmo, mas aquela pela qual ele nos faz justos».

Vê-se, na decisão do Concílio de Trento mencionada acima, as maravilhosas etapas desse caminho de justificação: o batismo, a fé, a esperança, a caridade, os sacramentos...

A que tipo de "libertação" pode chegar a alma gnóstica, que não tem outro salvador senão a si mesma? Ela está verdadeiramente em total impotência e em plena ilusão. E se for salva, será eventualmente em virtude de sua ignorância invencível.